O Que Alguém Disse
“Refugia-te na Arte” diz-me AlguĂ©m
“Eleva-te num vĂ´o espiritual,
Esquece o teu amor, ri do teu mal,
Olhando-te a ti própria com desdém.Só é grande e perfeito o que nos vem
Do que em nĂłs Ă© Divino e imortal!
Cega de luz e tonta de ideal
Busca em ti a Verdade e em mais ninguĂ©m!”No poente doirado como a chama
Estas palavras morrem… E n’Aquele
Que Ă© triste, como eu, fico a pensar…O poente tem alma: sente e ama!
E, porque o sol Ă© cor dos olhos d’Ele,
Eu fico olhando o sol, a soluçar…
Sonetos sobre Olhos
454 resultadosEm uma Tarde de Outono
Outono. Em frente ao mar. Escancaro as janelas
Sobre o jardim calado, e as águas miro, absorto.
Outono… Rodopiando, as folhas amarelas
Rolam, caem. Viuvez, velhice, desconforto…Por que, belo navio, ao clarĂŁo das estrelas,
Visitaste este mar inabitado e morto,
Se logo, ao vir do vento, abriste ao vento as velas,
Se logo, ao vir da luz, abandonaste o porto?A água cantou. Rodeava, aos beijos, os teus flancos
A espuma, desmanchada em riso e flocos brancos…
Mas chegaste com a noite, e fugiste com o sol!E eu olho o céu deserto, e vejo o oceano triste,
E contemplo o lugar por onde te sumiste,
Banhado no clarĂŁo nascente do arrebol…
Canção Da Formosura
Vinho de sol ideal canta e cintila
Nos teus olhos, cintila e aos lábios desce,
Desce a boca cheirosa e a empurpurece,
Cintila e canta apĂłs dentre a pupila.Sobe, cantando, a limpidez tranqĂĽila
Da tu’alma estrelada e resplandece,
Canta de novo e na doirada messe
Do teu amor, se perpetua e trila…Canta e te alaga e se derrama e alaga…
Num rio de ouro, iriante, se propaga
Na tua carne alabastrina e pura.Cintila e canta na canção das cores,
Na harmonia dos astros sonhadores,
A Canção imortal da Formosura!
O Meu Soneto
Em atitudes e em ritmos fleumáticos,
Erguendo as mĂŁos em gestos recolhidos,
Todos brocados fúlgidos, hieráticos,
Em ti andam bailando os meus sentidos…E os meus olhos serenos, enigmáticos
Meninos que na estrada andam perdidos,
Dolorosos, tristĂssimos, extáticos,
SĂŁo letras de poemas nunca lidos…As magnĂłlias abertas dos meus dedos
São mistérios, são filtros, são enredos
Que pecados d´amor trazem de rastros…E a minha boca, a rĂştila manhĂŁ,
Na Via Láctea, lĂrica, pagĂŁ,
A rir desfolha as pétalas dos astros!..
Celeste
A uma criança
Eu fiz do Céu azul minha esperança
E dos astros dourados meu tesouro…
Imagina por que, doce criança,
Nas noites de luar meus sonhos douro!Adivinha, se podes, quanto Ă© mansa
A luz que bola sob um cĂlio de ouro.
E como é lindo um laço azul na trança
Embalsamada de um cabelo louro!Imagina por que peço, na morte,
– Um esquife todo azul que me transporte,
Longe da terra, longe dos escolhos…Imagina por que… mas, lĂrio santo!
Não digas a ninguém que eu amo tanto
A cor de teu cabelo e dos teus olhos!
Finalmente outra Vez Vejo Perdida
Finalmente outra vez vejo perdida
Ă€s mĂŁos do amor, a doce liberdade
Que já livrei da sua crueldade
Como quem de um naufrágio salva a vida.Já no meu coração nova ferida
Abrem os duros golpes da saudade;
E já vive outra vez minha vontade
De esperanças aéreas revestida.Nunca cuidei que visse, amor tirano,
TĂŁo depressa quebrado o juramento
Que fiz no puro altar do desengano.Mas quem pode viver de amor isento,
Vendo naquele rosto soberano
De tais olhos o doce movimento?
Já Sobre o Coche de Ébano Estrelado
Já sobre o coche de ébano estrelado,
Deu meio giro a Noite escura e feia,
Que profundo silĂŞncio me rodeia
Neste deserto bosque, à luz vedado!Jaz entre as folhas Zéfiro abafado,
O Tejo adormeceu na lisa areia;
Nem o mavioso rouxinol gorjeia,
Nem pia o mocho, Ă s trevas acostumado.SĂł eu velo, sĂł eu, pedindo Ă Sorte
Que o fio com que está mih’alma presa
À vil matéria lânguida, me corte.Consola-me este horror, esta tristeza,
Porque a meus olhos se afigura a Morte
No silĂŞncio total da Natureza.
A Noite Desce
Como pálpebras roxas que tombassem
Sobre uns olhos cansados, carinhosas,
A noite desce… Ah! doces mĂŁos piedosas
Que os meus olhos tristĂssimos fechassem!Assim mĂŁos de bondade me beijassem!
Assim me adormecessem! Caridosas
Em braçados de lĂrios, de mimosas,
No crepĂşsculo que desce me enterrassem!A noite em sombra e fumo se desfaz…
Perfume de baunilha ou de lilás,
A noite põe embriagada, louca!E a noite vai descendo, sempre calma…
Meu doce Amor tu beijas a minh’alma
Beijando nesta hora a minha boca!
Elogio da Morte
I
Altas horas da noite, o Inconsciente
Sacode-me com força, e acordo em susto.
Como se o esmagassem de repente,
Assim me pára o coração robusto.Não que de larvas me povôe a mente
Esse vácuo nocturno, mudo e augusto,
Ou forceje a razĂŁo por que afugente
Algum remorso, com que encara a custo…Nem fantasmas nocturnos visionários,
Nem desfilar de espectros mortuários,
Nem dentro de mim terror de Deus ou Sorte…Nada! o fundo dum poço, hĂşmido e morno,
Um muro de silĂŞncio e treva em torno,
E ao longe os passos sepulcrais da Morte.II
Na floresta dos sonhos, dia a dia,
Se interna meu dorido pensamento.
Nas regiões do vago esquecimento
Me conduz, passo a passo, a fantasia.Atravesso, no escuro, a névoa fria
D’um mundo estranho, que povĂ´a o vento,
E meu queixoso e incerto sentimento
SĂł das visões da noite se confia.Que mĂsticos desejos me enlouquecem?
Do Nirvana os abismos aparecem,
A meus olhos, na muda imensidade!N’esta viagem pelo ermo espaço,
Ante Deus
Quando te vi eu fui o teu voar
E desci Deus pra me encontrar em mim.
Voei-me sobre pontes de marfim
E uma das pontes, Deus, em meu olhar!Aureolei-me de oiro em sombra fria
E meus voos caĂram destruĂdos.
Foram dedos de Deus os meus sentidos.
Meu Corpo andou ao colo de Maria.Agora durmo Cristo em véus pagãos.
SĂŁo tapetes de Deus as minhas mĂŁos.
Regresso Ânsia pra alcançar os céus.Ergo-me mais. Sou o perfil da Dor.
Sobre os ombros de Deus olho em redor
E Deus nĂŁo sabe qual de nĂłs Ă© Deus!
Parto-me desses Olhos Graciosos
Bem pode, SĂlvia minha, qualquer serra
tirar a estes meus olhos sua glĂłria,
qualquer monte terá de mim vitória,
qualquer pequeno espaço, enfim, de terra.Mas contra um pensamento fazem guerra,
que traz em si pintada vossa histĂłria,
e quanto mais contrastes, mais memĂłria
conserva um coração que vos encerra.Parto-me desses olhos graciosos,
mas por eles vos juro, que mudança
se não veja nos meus eternamente,Que a mágoa de os ver ficar chorosos
estĂmulo será para a lembrança
de quem se vĂŞ de vĂłs viver ausente.
Voto
Ah! primeiras amantes! oaristos!, dourados
Cabelos, o azul dos olhos, carne em flor
De corpos juvenis, e entre o seu odor
As carĂcias a medo e com espontaneidade!Ficaram já distantes essas alegrias
E todas as canduras! Rumo Ă Primavera
Dos remorsos fugiram aos negros Invernos
Das minhas dores, dos meus cansaços e agonias!E eis-me aqui, agora, só e abatido,
Desesperado e mais frio que os avĂłs mais antigos,
TĂŁo pobre como um ĂłrfĂŁo sem irmĂŁ crescida.Ă“ mulher de amor meigo e tĂŁo reconfortante,
Suave e pensativa, que nunca se espanta
E nos beija na testa, como uma criança!Tradução de Fernando Pinto do Amaral
Aquele Claro Sol
Aquele claro sol, que me mostrava
o caminho do céu mais chão, mais certo,
e com seu novo raio, ao longe, e ao perto,
toda a sombra mortal m’afugentava,deixou a prisĂŁo triste, em que cá estava.
Eu fiquei cego, e sĂł, c’o passo incerto,
perdido peregrino no deserto
a que faltou a guia que o levava.Assi c’o esprito triste, o juĂzo escuro,
suas santas pisadas vou buscando
por vales, e por campos, e por montes.Em toda parte a vejo, e a figuro.
Ela me toma a mĂŁo e vai guiando,
e meus olhos a seguem, feitos fontes.
De Vós Me Aparto, Ó Vida! Em Tal Mudança
De vós me aparto, ó vida! Em tal mudança,
sinto vivo da morte o sentimento.
NĂŁo sei para que Ă© ter contentamento,
se mais há de perder quem mais alcança.Mas dou vos esta firme segurança
que, posto que me mate meu tormento,
pelas águas do eterno esquecimento
segura passará minha lembrança.Antes sem vós meus olhos se entristeçam,
que com qualquer cous’ outra se contentem;
antes os esqueçais, que vos esqueçam.Antes nesta lembrança se atormentem,
que com esquecimento desmereçam
a glĂłria que em sofrer tal pena sentem.
Soneto VI
Ora alegre, ora triste, ou rindo, ou grave,
Ou queda, ou dando passos concertados
Ou tomeis com silĂŞncio altos cuidados,
Ora ouça vossa voz branda e suave;Ora abertos os olhos (onde a chave
Tem amor do que pode) ora cerrados,
Ou estĂŞm de asperezas descuidados,
Ora sua aspereza tudo agrave;Ou do crespo ouro que toda alma prende
Vossa cabeça rodeada seja,
Ou dele solto a luz estĂŞ invejosa:Agora assi, agora assi vos veja,
Igualmente a meus olhos sois fermosa,
Igualmente em meu peito o amor se acende!
Leio-Te: – O Pranto Dos Meus Olhos Rola:
Leio-te: – o pranto dos meus olhos rola:
– Do seu cabelo o delicado cheiro,
Da sua voz o timbre prazenteiro,
Tudo do livro sinto que se evola …Todo o nosso romance: – a doce esmola
Do seu primeiro olhar, o seu primeiro
Sorriso, – neste poema verdadeiro,
Tudo ao meu triste olhar se desenrola.Sinto animar-se todo o meu passado:
E quanto mais as páginas folheio,
Mais vejo em tudo aquele vulto amado.Ouço junto de mim bater-lhe o seio,
E cuido vê-la, plácida, a meu lado,
Lendo comigo a página que leio.
Alma Minha Gentil, que te Partiste
Alma minha gentil, que te partiste
TĂŁo cedo desta vida descontente,
Repousa lá no Céu eternamente,
E viva eu cá na terra sempre triste.Se lá no assento Etéreo, onde subiste,
MemĂłria desta vida se consente,
Não te esqueças daquele amor ardente,
Que já nos olhos meus tão puro viste.E se vires que pode merecer-te
Algũa cousa a dor que me ficou
Da mágoa, sem remédio, de perder-te,Roga a Deus, que teus anos encurtou,
Que tão cedo de cá me leve a ver-te,
QuĂŁo cedo de meus olhos te levou.
Erros Meus a que Chamarei Virtude
Erros meus a que chamarei virtude,
Por bem vos quero, e morro despedido
Sem amor, sem saĂşde, o chĂŁo perdido,
Erros meus a que chamarei virtude.A terra cultivei, amargo e rude,
No sonho de melhor a ter servido;
Para ilusĂŁo de um palmo de comprido,
A terra cultivei, amargo e rude.E o amor? A saĂşde? Eis os dois Lagos
Onde os olhos me ficam debruçados
— Azul e roxo, rasos de água os Lagos.Mas direis, erros meus, ainda amores?
— São bonitos os dias acabados
Quando ao poente o Sol desfolha flores.
Tudo O Que É Puro, Santo E Resplendente
Tudo o que Ă© puro, santo e resplendente,
N’este mundo cruel de desenganos,
Toda a ventura dos primeiros anos
N’um’alma que desabrocha sorridente;Tudo o que ainda vemos de potente
Na vastidĂŁo sem fim dos oceanos,
E da terra nos prantos soberanos
Trazidos pela aurora refulgente;Tudo o que desce do infinito ousado:
O sol, a brisa, o orvalho prateado,
A luz do amor, do bem, das esperanças;Tudo, afinal, que vem do Céu dourado
A despertar o coração magoado,
– Deus encerrou nos olhos das crianças!
A Flor Do Sonho
A Flor do Sonho, alvĂssima, divina,
Miraculosamente abriu em mim,
Como se uma magnĂłlia de cetim
Fosse florir num muro todo em ruĂna.Pende em meu seio a haste branda e fina
E nĂŁo posso entender como Ă© que, enfim,
Essa tĂŁo rara flor abriu assim! …
Milagre… fantasia… ou, talvez, sina…Ă“ flor que em mim nasceste sem abrolhos,
Que tem que sejam tristes os meus olhos
Se eles sĂŁo tristes pelo amor de ti?!…Desde que em mim nasceste em noite calma,
Voou ao longe a asa da minh’alma
E nunca, nunca mais eu me entendi…