Sonetos

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Água-Forte

Do firmamento azul e curvilíneo
Cai, fecundando as trêmulas raízes
Dos laranjais, dos pâmpanos, das lizes,
A luz do sol procriador, sanguíneo.

Pelo caminho agreste e retilíneo,
Da tarde aos brandos, triunfais matizes,
A criançada, a chusma dos felizes,
Esse de auroras perfumado escrínio,

Volta da escola, rindo muito, aos saltos,
Trepando, em bulha, aos árvoredos altos
Enquanto o sol desce os outeiros longos…

Vai dentre alados madrigais risonhos,
Do abecedário juvenil dos sonhos,
A soletrar os principais ditongos.

Crê!

Vê como a Dor te transcendentaliza!
Mas no fundo da Dor crê nobremente.
Transfigura o teu ser na força crente
Que tudo torna belo e diviniza.

Que seja a Crença uma celeste brisa
Inflando as velas dos batéis do Oriente
Do teu Sonho supremo, onipotente,
Que nos astros do céu se cristaliza.

Tua alma e coração fiquem mais graves,
Iluminados por carinhos suaves,
Na doçura imortal sorrindo e crendo…

Oh! Crê! Toda a alma humana necessita
De uma Esfera de cânticos, bendita,
Para andar crendo e para andar gemendo!

Crepúsculo

A Julia Lyra

O Angelus soa. Vagarosamente
A noite desce, plácida e divina.
Ouço gemer meu coração doente
Chorando a tarde, a noiva peregrina.

Há pelo Espaço um ciciar dolente
De prece em torno da Igrejinha em ruína…
Pássaros voam compassadamente;
Treme no galho a rosa purpurina…

E eu sinto que a tristeza vem suspensa
Sobre as asas da noite erma e sombria…
E que, n’essa hora de saudade imensa,

Rindo e chorando desce ao coração:
Toda a doçura da melancolia,
Todo o conforto da recordação.

Vós Que, D’olhos Suaves E Serenos

Vós que, d’olhos suaves e serenos,
com justa causa a vida cativais,
e que os outros cuidados condenais
por indevidos, baixos e pequenos;

se ainda do Amor domésticos venenos
nunca provastes, quero que saibais
que é tanto mais o amor despois que amais,
quanto são mais as causas de ser menos.

E não cuide ninguém que algum defeito,
quando na cousa amada s’apresenta,
possa deminuir o amor perfeito;

antes o dobra mais; e se atormenta,
pouco e pouco o desculpa o brando peito;
que Amor com seus contrairos s’acrescenta.

Eu Vi Dos Pólos O Gigante Alado

Eu vi dos pólos o gigante alado,
Sobre um montão de pálidos coriscos,
Sem fazer caso dos bulcões ariscos,
Devorando em silêncio a mão do fado!

Quatro fatias de tufão gelado
Figuravam da mesa entre os petiscos;
E, envolto em manto de fatais rabiscos,
Campeava um sofisma ensangüentado!

– “Quem és, que assim me cercas de episódios?”
Lhe perguntei, com voz de silogismo,
Brandindo um facho de trovões seródios.

– “Eu sou” – me disse, – “aquele anacronismo,
Que a vil coorte de sulfúreos ódios
Nas trevas sepultei de um solecismo…”

Buscando A Cristo

A vós correndo vou, braços sagrados,
Nessa cruz sacrossanta descobertos
Que, para receber-me, estais abertos,
E, por não castigar-me, estais cravados.

A vós, divinos olhos, eclipsados
De tanto sangue e lágrimas abertos,
Pois, para perdoar-me, estais despertos,
E, por não condenar-me, estais fechados.

A vós, pregados pés, por não deixar-me,
A vós, sangue vertido, para ungir-me,
A vós, cabeça baixa, p’ra chamar-me

A vós, lado patente, quero unir-me,
A vós, cravos preciosos, quero atar-me,
Para ficar unido, atado e firme.

Do Meu Tempo

Quando eu era menino e tinha cheia
A alma de sonhos bons e, fugidio,
Como a abelha que voa da colmeia,
Andava a errar do canavial bravio;

Quando em noites de junho o luar macio
Punha um lençol de rendas sobre a areia,
Tiritava de medo ouvindo o pio
Da coruja mais lúgubre da aldeia.

Feliz! Bendita essa primeira idade!
Andava como quem anda sonhando
De olhos abertos, com a felicidade.

Dormia tarde e enquanto eu não dormia,
Mamãe rezava o padre-nosso e quando
Me mandava rezar, eu não sabia.

Seguia Aquele Fogo, Que O Guiava

Seguia aquele fogo, que o guiava,
Leandro, contra o mar e contra o vento;
as forças lhe faltavam já e o alento,
Amor lhas refazia e renovava.

Despois que viu que a alma lhe faltava,
não esmorece; mas, no pensamento,
(que a língua já não pode) seu intento
ao mar que lho cumprisse, encomendava.

Ó mar (dezia o moço só consigo),
já te não peço a vida; só queria
que a de Hero me salves; não me veja…

Este meu corpo morto, lá o desvia
daquela torre. Sê me nisto amigo,
pois no meu maior bem me houveste enveja!

O Corpo Os Corpos

O teu corpo O meu corpo E em vez dos corpos
que somados seriam nossos corpos
implantam-se no espaço novos corpos
ora mais ora menos que dois corpos

Que escorpião de súbito estes corpos
quando um espelho reflecte os nossos corpos
e num só corpo feitos os dois corpos
ao mesmo tempo somos quatro corpos

Não indagues agora se o meu corpo
se contenta só corpo no teu corpo
ou se busca atingir todos os corpos

que no fundo residem num só corpo
Mas indaga sem pausa além do corpo
o finito infinito destes corpos

Dos Tórrido Sertões, Pejados De Oiro

Dos tórridos sertões, pejados de oiro,
Saiu um sabichão de escassa fama,
Que os livros preza, os cartapácios ama,
Que das línguas repartem o tesoiro.

Arranha o persiano, arranha o moiro,
Sabe que Deus em turco Allah se chama;
Que no grego alfabeto o G é gama,
Que taurus em latim quer dizer toiro.

Para papaguear saiu do mato:
Abocanha talentos, que não goza;
É mono, e prega unhadas como gato.

É nada em verso, quase nada em prosa:
Não conheces, leitor, neste retrato
O guapo charlatão Tomé Barbosa?

Quando Eu Via o Triste Fim que Davam os Meus Amores

O cisne, quando sente ser chegada
A hora que põe termo à sua vida,
Harmonia maior, com voz sentida,
Levanta pela praia inabitada.

Deseja lograr vida prolongada,
E dela está chorando a despedida;
Com grande saudade da partida,
Celebra o triste fim desta jornada.

Assim, Senhora minha, quando eu via
O triste fim que davam meus amores,
Estando posto já no extremo fio,

Com mais suave acento de harmonia
Descantei pelos vossos desfavores
La vuestra falsa fe y el amor mio.

Soneto IX

Para do mundo dar completo cabo,
Lá do negro recinto o soberano
Meditava a forjar horrível plano
Coçando a grenha, sacudindo o rabo.

Merecedor enfim de imenso gabo,
Eis o que assim disse muito ufano:
Para a missão cumprir — digesto humano
Quero fazer — que nasça hoje um diabo.

E o 23 de maio nisso raia…
Teotônio nasceu, e a fama soa
Jamais ter visto infame dessa laia.

Pois para Satã ser mesmo em pessoa,
Traja, qual bruxa velha, negra saia,
Como o rei dos bandalhos tem coroa.

Sou Eu!

À minha ilustre camarada Laura haves

Pelos campos em fora, pelos combros,
Pelos montes que embalam a manhã,
Largo os meus rubros sonhos de pagã,
Enquanto as aves poisam nos meus ombros…

Em vão me sepultaram entre escombros
De catedrais duma escultura vã!
Olha-me o loiro sol tonto de assombros,
as nuvens, a chorar, chamam-me irmã!

Ecos longínquos de ondas… de universos..
Ecos dum Mundo… dum distante Além,
Donde eu trouxe a magia dos meus versos!

Sou eu! Sou eu! A que nas mãos ansiosas
Prendeu da vida, assim como ninguém,
Os maus espinhos sem tocar nas rosas!

XXVIII

Pinta-me a curva destes céus … Agora,
Erecta, ao fundo, a cordilheira apruma:
Pinta as nuvens de fogo de uma em uma,
E alto, entre as nuvens, o raiar da aurora.

Solta, ondulando, os véus de espessa bruma,
E o vale pinta, e, pelo vale em fora,
A correnteza túrbida e sonora
Do Paraíba, em torvelins de espuma.

Pinta; mas vê de que maneira pintas …
Antes busques as cores da tristeza,
Poupando o escrínio das alegres tintas:

– Tristeza sir-gular, estranha mágoa
De que vejo coberta a natureza,
Porque a vejo com os olhos rasos d’água …

XXII

A Goethe.

Quando te leio, as cenas animadas
Por teu gênio, as paisagens que imaginas,
Cheias de vida, avultam repentinas,
Claramente aos meus olhos desdobradas.

Vejo o céu, vejo as serras coroadas
De gelo, e o sol que o manto das neblinas
Rompe, aquecendo as frígidas campinas
E iluminando os vales e as estradas.

Ouço o rumor soturno da charrúa,
E os rouxinóis que, no carvalho erguido,
A voz modulam de ternuras cheia.

E vejo, à luz tristíssima da lua,
Hermann que cisma, pálido, embebido
No meigo olhar da loura Dorothéa…

Os Teus Beijos, Meu Bem, Tuas Carícias

Os teus beijos, meu bem, tuas carícias,
Teus afagos, teus íntimos abraços,
São apertados nós que dás nos laços
Que prendem nossas ditas vitalícias.

Deixa gabar os deuses co’as delícias
Que desfrutam nos seus etéreos Paços,
Que estas, que nós gozamos por espaços
São, Marília, reais, não são fictícias.

Ora na tua ideia um pouco finge,
S’um prazer imortal que não se altera
As faces divinais com rosas tinge:

Se o chão que em teus olhos reverbera,
Se a ternura sem par que a mim te cinge
Durasse um dia, o sol sua luz perdera.

Afra

Ressurges dos mistérios da luxúria,
Afra, tentada pelos verdes pomos,
Entre os silfos magnéticos e os gnomos
Maravilhosos da paixão purpúrea.

Carne explosiva em pólvoras e fúria
De desejos pagãos, por entre assomos
Da virgindade–casquinantes momos
Rindo da carne já votada a incúria.

Votada cedo ao lânguido abandono,
Aos mórbidos delíquios como ao sono,
Do gozo haurindo os venenosos sucos.

Sonho-te a deusa das lascivas pompas,
A proclamar, impávida, por trompas,
Amores mais estéreis que os eunucos!

O Futuro Perfeito

À minha neta Anica

A neta explora-me os dentes,
Penteia-me como quem carda.
Terra da sua experiência,
Meu rosto diverte-a, parda
Imagem dada à inocência.

Finjo que lhe como os dedos,
Fura-me os olhos cansados,
Intima aos meus próprios medos
Deixa-mos sossegados.

E tira, tira puxando
Coisas de mim, divertida.
Assim me vai transformando
Em tempo da sua vida.

Anfitrite

Louco, às doudas, roncando, em látegos, ufano,
O vento o seu furor colérico passeia…
Enruga e torce o manto à prateada areia
Da praia, zune no ar, encarapela o oceano.

A seus uivos, o mar chora o seu pranto insano,
Grita, ulula, revolto, e o largo dorso arqueia;
Perdida ao longe, como um pássaro que anseia,
Alva e esguia, uma nau avança a todo o pano.

Sossega o vento; cala o oceano a sua mágoa;
Surge, esplêndida, e vem, envolta em áurea bruma,
Anfitrite, e, a sorrir, nadando à tona d’água,

Lá vai… mostrando à luz suas formas redondas,
Sua clara nudez salpicada de espuma,
Deslizando no glauco amículo das ondas.

Dedicatória

A quem não basta a vida, a quem procura
as luzes escondidas de outra noite
deixo dedicatória e pronta fuga
da treva que nos ronda até à morte.

Mas já não sei mentir. Ruim figura.
Durou o nosso enredo uma só noite.
Teu corpo eu aprendi nessas escuras
sombras a que não chega nem a morte.

A quem não basta a vida, a quem engana
essa réstea de luz dentro da noite
deixo dedicatória e abro os olhos:
que tudo nos é dado de repente.

E num feixe de sombras imprecisas
arde o que resta a quem não basta a vida.