Mundo Interior
Ouço que a natureza é uma lauda eterna
De pompa, de fulgor, de movimento e lida,
Uma escala de luz, uma escala de vida
De sol à ínfima luzerna.Ouço que a natureza, – a natureza externa, –
Tem o olhar que namora e o gesto que intimida,
Feiticeira que ceva uma hidra de Lerna
Entre as flores da bela Armida.E contudo, se fecho os olhos, e mergulho
Dentro de mim, vejo à luz de outro sol, outro abismo
Em que um mundo mais vasto, armado de outro orgulho,Rola a vida imortal e o eterno cataclismo,
E, como o outro, guarda em seu âmbito enorme,
Um segredo que atrai, que desafia, – e dorme.
Sonetos
2370 resultadosAmor De Mentiras
“Amor… De Mentiras…”
I
Eram beijos de fogo, eram de lavas,
e sabiam a sonhos e ambrosias.
Como pensar que a boca com que os dava
era a mesma afinal com que mentias?Se eras as mais humilde das escravas
em dádivas, anseios, alegrias,
– como prever que o amor que me juravas
seria mais uma das tuas heresias ?Como supor ser tudo um falso jogo?
E crer que se extinguisse aquele fogo
que acendia em teus olhos duas piras?E descobrir, – no instante em que me amavas, –
que em tua boca ansiosa misturavas
ao mesmo tempo beijos e mentiras ?
Há Cousa Como Ver Um Paiaiá
Há cousa como ver um Paiaiá,
Mui prezado de ser Caramuru,
Descendente de sangue de tatu,
Cujo torpe idioma é cobepá.A linha feminina é carimá
Moqueca, pititinga, caruru
Mingau de puba, e vinho de caju
Pisado num pilão de Pirajá.A masculina é um Aricobé
Cuja filha Cobé, cum branco Paí
Dormiu no promontório de Passé.O branco é um marau, que veio aqui;
Ela é uma índia de Maré
Cobépá, Aricobé, Cobé, Paí.
LIII
Ou já sobre o cajado te reclines,
Venturoso pastor, ou já tomando
Para a serra, onde as cabras vais chamando,
A fugir os meus ais te determines.Lá te quero seguir, onde examines
Mais vivamente um coração tão brando;
Que gosta só de ouvir-te, ainda quando
Mais sem razão me acuses, mais crimines.Que te fiz eu, pastor ? em que condenas
Minha sincera fé, meu amor puro? A
s provas, que te dei, serão pequenas?Queres ver, que esse monte áspero, e duro
Sabe, que és causa tu das minhas penas?
Pergunta-lhe; ouvirás, o que te juro.
O Livro dos Amantes
I
Glorifiquei-te no eterno.
Eterno dentro de mim
fora de mim perecível.
Para que desses um sentido
a uma sede indefinível.Para que desses um nome
à exactidão do instante
do fruto que cai na terra
sempre perpendicular
à humidade onde fica.E o que acontece durante
na rapidez da descida
é a explicação da vida.
Meu Céu Interior
Se esses teus olhos, no meu livro, imersos,
encontrarem diversas emoções,
– não tentes decifrar… – mil corações
nós os temos num só, todos diversos…Os meus poemas aqui, vivem dispersos,
como as estrelas… e as constelações…
– no céu das minhas íntimas visões,
no”meu céu interior…”cheio de versos.Não procures o poeta compreender…
– Os versos que umas cousas nos desnudam,
Outras cousas, ocultam, sem querer…Uns, são felizes… Outros, ao contrário…
– No rosário da vida, as contas mudam,
e os versos são contas de um rosário!…
Soneto a Vera
Estavas sempre aqui, nesta paisagem.
E nela permaneces, neste assombro
do tempo que só é o que já fomos,
um céu parado sobre o mar do instante.Vives subitamente em despedida,
calma de sonhos, simples visitante
daquilo que te cerca e do que fica
imóvel no que é breve, pouco e humano.As regatas ao sol vêm da penumbra
onde abria as janelas. E de então,
vou ao campo de trevo, à tua espera.O que passa persiste no que tenho:
a roupa no estendal, o muro, os pombos,
tudo é eterno quando nós o vemos.
Octavio
Toca a boca, olha as coisas abstrato
Percorre da varanda os quatro cantos
E tirando do corpo um carrapato
Imagina o romance mil e tantos…Logo após olha o mundo e o vê morrendo
Sob a opressão tirânica do mal
E como um passarinho, vai correndo…
Escrever um tratado socialÉ amigo de um “braço” na poesia
E de um outro que é só filosofia
E de um terceiro, romancista: vejaQuanto livro a escrever ainda teria
O ditador Octavio de Faria
Sob o signo cristão da nova Igreja…
Sorte
Depois que se casara aquela criatura,
Que a negra traição das pérfidas requinta,
Eu nunca mais a vi, pois, de ouropéis faminta,
De um bem fingido amor quebrara a ardente jura.Alta noite, porém, vi-a pela ventura,
Numa avenida estreita e lobrega da quinta…
Painel é que se cuida e sem color se pinta,
De alvo femíneo vulto ou madrugada escura.Maldito quem sentindo o pungitivo açoite
Do desprezo e na sombra a sombra de um afeto
A pular uma grade, um muro não se afoite.– Prometes ser discreto? – Ó meu amor! prometo…
Se não fosses tão curta, ó bem ditosa noite!
Se fosses mais comprido, ó pálido soneto!
O Lago Do Cisne
Foram meus olhos, duas asas tontas
que ao teu redor, como ao redor da luz
queimaram suas ânsias e ficaram
mortos no chão, como cigarras mortas…No bailado em que estavas, sobre o palco,
meu desejo – esse fauno de alma triste,
tomaria teu corpo e bailaria
até que o mundo se fundisse ao sonho…Olhos de luar e vinho que me seguem
na ária da solidão em que me envolvo
sem volta, sem partida, sem transcurso…Foram meus olhos que te descobriram
e ficaram vogando esse abandono
de cisne branco sobre o lago imenso…
Sê de Pedra!
Não reparaste nunca? Pela aldeia,
Nos fios telegraphicos da estrada,
Cantam as aves, desde que o sol nada,
E, á noite, se faz sol a lua cheia…No entanto, pelo arame que as tenteia,
Quanta tortura vae, n’uma ancia alada!
O Ministro que joga uma cartada,
Alma que, ás vezes, d’além-mar anceia:– Revolução! – Inutil. – Cem feridos,
Setenta mortos. – Beijo-te! – Perdidos!
– Emfim, feliz! – ?- ! – Desesperado. -Vem!E as lindas aves, bem se importam ellas!
Continuam cantando, tagarellas:
Assim, Antonio! deves ser tambem.
Com Os Mortos
Os que amei, onde estão? Idos, dispersos,
arrastados no giro dos tufões,
Levados, como em sonho, entre visões,
Na fuga, no ruir dos universos…E eu mesmo, com os pés também imersos
Na corrente e à mercê dos turbilhões,
Só vejo espuma lívida, em cachões,
E entre ela, aqui e ali, vultos submersos…Mas se paro um momento, se consigo
Fechar os olhos, sinto-os a meu lado
De novo, esses que amei vivem comigo,Vejo-os, ouço-os e ouvem-me também,
Juntos no antigo amor, no amor sagrado,
Na comunhão ideal do eterno Bem.
Ergue, Criança, A Fronte Condorina
Ergue, criança, a fronte condorina
Que é tua fronte, oh!, genial criança,
É como a estrela-d’alva da esperança,
Do talento sagrado que a ilumina!Ergue-a, pois, e que, à auréola purpurina
Do Sol da Ciência, o rútilo tesouro
Do Estudo – o Grande Mestre – que te ensina,
Chova sobre ela suas gemas d’ouro!E hoje que colhes um laurel bendito,
Aceita a saudação que num contrito
Fervor, eleva, qual penhor sinceroUm peito amigo a outro peito amigo,
A um gênio que desponta e que eu bendigo,
A um coração de irmão que tanto quero!
Pouso
Pervaguei muito tempo a procura de um pouso
como alguém que batesse em vão de porta em porta
– meu olhar, parecia perguntar ansioso:
quem me dá sua mão?… quem minha alma conforta!Caminheiro sem rumo, a alma já quase morta,
via ao longe o caminho intérmino e sinuoso…
– (quanta coisa afinal na vida se suporta
antes de conseguir-se um pouco de repouso!)Minha vida era assim… – uma estrada vazia…
E eu caminhava a olhar buscando o que surgisse
a frente, – e ao meu redor tudo aos poucos fugia…Até que te encontrei! … E se não te encontrasse,
– talvez ha muito tempo eu já não existisse!
– talvez que ha muito tempo eu já não caminhasse!
Indiferença
Hoje, voltas-me o rosto, se ao teu lado
passo. E eu, baixo os meus olhos se te avisto.
E assim fazemos, como se com isto,
pudéssemos varrer nosso passado.Passo esquecido de te olhar, coitado!
Vais, coitada, esquecida de que existo.
Como se nunca me tivesses visto,
como se eu sempre não te houvesse amadoMas, se às vezes, sem querer nos entrevemos,
se quando passo, teu olhar me alcança
se meus olhos te alcançam quando vais.Ah! Só Deus sabe! Só nós dois sabemos.
Volta-nos sempre a pálida lembrança.
Daqueles tempos que não voltam mais!
O poeta asseteado por amor
Ó Céus! Que sinto n’alma! Que tormento!
Que repentino frenesi me anseia!
Que veneno a ferver de veia em veia
Me gasta a vida, me desfaz o alento!Tal era, doce amada, o meu lamento;
Eis que esse deus, que em prantos se recreia,
Me diz: “A que se expõe quem não receia
Contemplar Ursulina um só momento!“Insano! Eu bem te vi dentre a luz pura
De seus olhos travessos, e cum tiro
Puni tua sacrílega loucura:“De morte, por piedade hoje te firo;
Vai pois, vai merecer na sepultura
À tua linda ingrata algum suspiro.”
Um Sorriso
Vinha caindo a tarde. Era um poente de agosto.
A sombra já enoitava as moutas. A umidade
Aveludava o musgo. E tanta suavidade
Havia, de fazer chorar nesse sol-posto.A viração do oceano acariciava o rosto
Como incorpóreas mãos. Fosse ágoa ou saudade,
Tu olhavas, sem ver, os vales e a cidade.
– Foi então que senti sorrir o meu desgosto…Ao fundo o mar batia a crista dos escolhos…
Depois o céu… e mar e céus azuis: dir-se-ia
Prolongarem a cor ingênua de teus olhos…A paisagem ficou espiritualizada.
Tinha adquirido uma alma. E uma nova poesia
Desceu do céu, subiu do mar, cantou na estrada…
Elegia para Santa Rosa
Aurora chega, e permaneces fria
noite, imobilizado, cego e mudo
às coisas das manhãs que amanhecias:
cavalete, jornal, café no bule.O mundo neutro e nu pede a pintura;
a tela virgem, teu pincel tranquilo,
As cores vêm chorando pela rua,
entram no atelier branco e vazio.Quais os murais que irás compor no muro,
entre o que foste e o que serás, erguido,
o indevassável muro eterno e duro?Ai, Santa, pesam sobre nós os dias
desta sobrevivência que te usurpa
o espaço e o tempo que te pertenciam.
Olhos Suaves, que em Suaves Dias
Olhos suaves, que em suaves dias
Vi nos meus tantas vezes empregados;
Vista, que sobra esta alma despedias
Deleitosos farpões, no céu forjados:Santuários de amor, luzes sombrias,
Olhos, olhos da cor de meus cuidados,
Que podeis inflamar as pedras frias,
Animar cadáveres mirrados:Troquei-vos pelos ventos, pelos mares,
Cuja verde arrogância as nuvens toca,
Cuja hrrísona voz perturba os ares:Troquei-vos pelo mal, que me sufoca;
Troquei-vos pelos ais, pelos pesares:
Oh câmbio triste! oh deplorável troca!
Quanto Mais me Paga, Mais me Deve
Passo por meus trabalhos tão isento
De sentimento grande nem pequeno,
Que só por a vontade com que peno
Me fica Amor devendo mais tormento.Mas vai-me Amor matando tanto a tento,
Temperando a triaga c’o veneno,
Que do penar a ordem desordeno,
Porque não mo consente o sofrimento.Porém se esta fineza o Amor sente
E pagar-me meu mal com mal pretende,
Torna-me com prazer como ao sol neve.Mas se me vê co’os males tão contente,
Faz-se avaro da pena, porque entende
Que quanto mais me paga, mais me deve.