Sonetos sobre Passos

100 resultados
Sonetos de passos escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

XXVIII

Faz a imaginação de um bem amado,
Que nele se transforme o peito amante;
Daqui vem, que a minha alma delirante
Se não distingue já do meu cuidado.

Nesta doce loucura arrebatado
Anarda cuido ver, bem que distante;
Mas ao passo, que a busco neste instante
Me vejo no meu mal desenganado.

Pois se Anarda em mim vive, e eu nela vivo,
E por força da idéia me converto
Na bela causa de meu fogo ativo;

Como nas tristes lágrimas, que verto,
Ao querer contrastar seu gênio esquivo,
Tão longe dela estou, e estou tão perto.

Nunca em amor danou o atrevimento

Nunca em amor danou o atrevimento;
Favorece a Fortuna a ousadia;
Porque sempre a encolhida cobardia
De pedra serve ao livre pensamento.

Quem se eleva ao sublime Firmamento,
A Estrela nele encontra que lhe é guia;
Que o bem que encerra em si a fantasia,
São u~as ilusões que leva o vento.

Abrir-se devem passos à ventura;
Sem si próprio ninguém será ditoso;
Os princípios somente a Sorte os move.

Atrever-se é valor e não loucura;
Perderá por cobarde o venturoso
Que vos vê, se os temores não remove.

Princípio de Amores com Marília

Um rácimo ferral engrinaldado
Com rosas carmesins no seu regaço,
Tinha Marília um dia, e o pé, c’um laço,
De fita verde mar lhe tinha atado.

Eu, de seus magos olhos já tocado,
Junto dela cheguei com leve passo,
E furtando-lhe o cacho, dele faço
Néctar que a Jove, igual, nunca foi dado

Em taça de cristal, co’as mesmas rosas,
E do mesmo listão toda enfeitada,
O licor lhe fui pôr nas mãos mimosas.

Marília se sorriu, bebeu, corada,
O sagrado elixir e as deleitosas
Primícias deu d’Amor, por Baco instada.

Não Me Aflige Do Potro A Viva Quina;

Não me aflige do potro a viva quina;
Da férrea maça o golpe não me ofende;
Sobre as chamas a mão se não estende;
Não sofro do agulhete a ponta fina.

Grilhão pesado os passos não domina;
Cruel arrocho a testa me não fende;
À força perna ou braço se não rende;
Longa cadeia o colo não me inclina.

Água e pomo faminto não procuro;
Grossa pedra não cansa a humanidade;
A pássaro voraz eu não aturo.

Estes males não sinto, é bem verdade;
Porém sinto outro mal inda mais duro:
Da consorte e dos filhos a saudade!

Ingratos

Não maldigo o rigor da iníqua sorte,
Por mais atroz que fosse e sem piedade,
Arrancando-me o trono e a majestade,
Quando a dous passos só estou da morte.

Do jogo das paixões minha alma forte
Conhece bem a estulta variedade,
Que hoje nos dá contínua f’licidade
E amanhã nem — um bem que nos conforte.

Mas a dor que excrucia e que maltrata,
A dor cruel que o ânimo deplora,
Que fere o coração e pronto mata,

É ver na mão cuspir a extrema hora
A mesma boca aduladora e ingrata,
Que tantos beijos nela pôs — outrora.

Soneto I

De Amor escrevo, de Amor falo e canto;
E se minha voz fosse igual ao que amo,
Esperara eu sentir na que em vão chamo
Piedade, e na gente dor e espanto.

Mas não há pena, ou língua, ou voz, ou canto
Que mostre o amor por que eu tudo desamo,
Nem o vivo fogo em que me sempre inflamo,
Nem de meus olhos o contino pranto.

Assi me vou morrendo, sem ser crida
A causa por que em vão mouro contente,
Nem sei se isto que passo é vida ou morte.

Mas inda da que eu amo fosse ouvida
E crida minha voz, e da vã gente
Nunca entendida fosse minha sorte!

Indiferença

Hoje, voltas-me o rosto, se ao teu lado
passo. E eu, baixo os meus olhos se te avisto.
E assim fazemos, como se com isto,
pudéssemos varrer nosso passado.

Passo esquecido de te olhar, coitado!
Vais, coitada, esquecida de que existo.
Como se nunca me tivesses visto,
como se eu sempre não te houvesse amado

Mas, se às vezes, sem querer nos entrevemos,
se quando passo, teu olhar me alcança
se meus olhos te alcançam quando vais.

Ah! Só Deus sabe! Só nós dois sabemos.
Volta-nos sempre a pálida lembrança.
Daqueles tempos que não voltam mais!

Quanto Mais me Paga, Mais me Deve

Passo por meus trabalhos tão isento
De sentimento grande nem pequeno,
Que só por a vontade com que peno
Me fica Amor devendo mais tormento.

Mas vai-me Amor matando tanto a tento,
Temperando a triaga c’o veneno,
Que do penar a ordem desordeno,
Porque não mo consente o sofrimento.

Porém se esta fineza o Amor sente
E pagar-me meu mal com mal pretende,
Torna-me com prazer como ao sol neve.

Mas se me vê co’os males tão contente,
Faz-se avaro da pena, porque entende
Que quanto mais me paga, mais me deve.

Fado de contas

Eu não quero chegar em casa nunca,
a caminho, no abrigo do teu colo,
sonhando… no balanço do automóvel,
que nos leva a um destino inalcançável.

O tempo pára, o espaço cristaliza-se,
e o carro é lar, e leito, e colo, e beijo…
No ocaso de teu beijo, eu me infinito
e esqueço da procura em que me perco.

De encontro aos vidros, saltam fachos vários,
como se objetos de desejos vastos,
onde meus gestos não se satisfaçam.

Aproxima-se o instante em que me apeio,
vai a carruagem, dobra a esquina, e sigo
noctívago das horas – a teus passos.

O Dia Em Que Eu Nasci, Moura E Pereça

O dia em que eu nasci, moura e pereça,
não o queira jamais o tempo dar,
não torne mais ao mundo, e, se tornar,
eclipse nesse passo o sol padeça.

luz lhe falte, o sol se [lhe] escureça,
mostre o mundo sinais de se acabar,
nasçam-lhe monstros, sangue chova
o ar, a mãe ao próprio filho não conheça.

s pessoas pasmadas de ignorantes,
as lágrimas no rosto, a cor perdida,
cuidem que o mundo já se destruiu.

Ó gente temerosa, não te espantes,
que este dia deitou ao mundo a vida
mais desgraçada que jamais se viu!

Vendo A Anarda Depõe O Sentimento

A serpe, que adornando várias cores,
com passos mais oblíquos, que serenos,
entre belos jardins, prados amenos,
é maio errante de torcidas flores;

se quer matar da sede os desfavores,
Os cristais bebe com a peçonha menos,
por que não morra com os mortais venenos,
se acaso gosta dos vitais licores.

Assim também meu coração queixoso,
na sede ardente do feliz cuidado
bebe cos olhos teu cristal formoso;

Pois para não morrer no gosto amado,
depõe logo o tormento venenoso,
se acaso gosta o cristalino agrado.

Existo

Seu amor me fez real, e me deu sentido
da alegria de ser, total, completamente…
Fez de um pobre poeta em sonhos consumido
alguém que tem nas mãos um mundo! e sofre, e sente!

Seu amor foi a vida a irromper da semente
de um velho coração cansado e ressequido,
o verde que voltou ao ramo nu, pendente,
a imprevisível flor, o fruto inconcebido…

Seu amor foi milagre a cantar pelo chão
como a água, no agreste, a acenar ao viajante
a esperança, o prazer, a vida, a salvação…

Passo a existir, quem sabe ? apenas porque amei…
E ela existe talvez, a partir deste instante
porque ela e o seu amor… em versos transformei!

Ó Máquinas Febris

Ó máquinas febris! eu sinto a cada passo,
nos silvos que soltais, aquele canto imenso,
que a nova geração nos lábios traz suspenso
como a estância viril duma epopeia d’aço!

Enquanto o velho mundo arfando de cansaço
prostrado cai na luta; em fumo negro e denso
levanta-se a espiral desse moderno incenso
que ofusca os deuses vãos, anuviando o espaço!

Vós sois as criações fulgentes, fabulosas,
que, vibrantes, cruéis, de lavas sequiosas,
mordeis o pedestal da velha Majestade!

E as grandes combustões que sempre vos consomem
começam, num cadinho, a refundir o homem
fazendo ressurgir mais larga a Humanidade!

Olhos Fermosos, Em Quem Quis Natura

Olhos fermosos, em quem quis Natura
mostrar do seu poder altos sinais,
se quiserdes saber quanto possais,
vede-me a mim, que sou vossa feitura.

Pintada em mim se vê vossa figura,
no que eu padeço retratada estais;
que, se eu passo tormentos desiguais,
muito mais pode vossa fermosura.

De mim não quero mais que o meu desejo:
ser vosso; e só de ser vosso me arreio,
porque o vosso penhor em mim se assele.

!Tão me lembro de mim quando vos vejo,
nem do mundo; e não erro, porque creio,
que, em lembrar-me de vós, cumpro com ele.

Em Vão

Passo triste na vida e triste sou,
Um pobre a quem jamais quiseram bem!
Um caminhante exausto que passou,
Que não diz onde vai nem donde vem.

Ah! Sem piedade, a rir, tanto desdém
a flor da minha boca desdenhou!
Solitário convento onde ninguém
A silenciosa cela procurou!

E eu quero bem a tudo, a toda gente…
Ando a amar assim, perdidamente,
A acalentar o mundo nos meus braços!

E tem passado, em vão, a mocidade
Sem que no meu caminho uma saudade
Abra em flores a sombra dos meus passos!

Barrow-On-Furness II

Deuses, forças, almas de ciência ou fé,
Eh! Tanta explicação que nada explica!
Estou sentado no cais, numa barrica,
E não compreendo mais do que de pé.

Por que o havia de compreender?
Pois sim, mas também por que o não havia?
Águia do rio, correndo suja e fria,
Eu passo como tu, sem mais valer…

Ó universo, novelo emaranhado,
Que paciência de dedos de quem pensa
Em outras cousa te põe separado?

Deixa de ser novelo o que nos fica…
A que brincar? Ao amor?, à indif’rença?
Por mim, só me levanto da barrica.

O Mar Agita-se, como um Alucinado

O Mar agita-se, como um alucinado:
A sua espuma aflui, baba da sua Dor…
Posto o escafandro, com um passo cadenciado,
Desce ao fundo do Oceano algum mergulhador.

Dá-lhe um aspecto estranho a campânula imensa:
Lembra um bizarro Deus de algum pagode indiano:
Na cólera do Mar, pesa a sua Indiferença
Que o torna superior, e faz mesquinho o Oceano!

E em vão as ondas se lhe enroscam à cabeça:
Ele desce orgulhoso, impassível, sem pressa,
Com suprema altivez, com ironias calmas:

Assim devemos nós, Poetas, no Mundo entrar,
Sem nos deixarmos absorver por esse Mar
— Pois a Arte é, para nós, o escafandro das Almas!

Em que Emprego o Meu Tempo?

Em que emprego o meu tempo? Vou e venho,
Sem dar conta de mim nem dos pastores,
Que deixam de cantar os seus amores,
Quando passo e lhes mostro a dor que tenho.

É de tristezas o torrão que amanho,
Amasso o negro pão com dissabores,
Em ribeiros de pranto pesco dores,
E guardo de saudades um rebanho.

Meu coração à doce paz resiste,
E, embora fiqueis crendo que motejo,
Alegre vivo por viver tão triste!

Amor se mostra nesta dor que abrigo:
Quero triste viver, pois vos não vejo,
Nem sequer muito ao longe vos lobrigo.

Legado

Que lembrança darei ao país que me deu
tudo que lembro e sei, tudo quanto senti?
Na noite do sem-fim, breve o tempo esqueceu
minha incerta medalha, e a meu nome se ri.

E mereço esperar mais do que os outros, eu?
Tu não me enganas, mundo, e não te engano a ti.
Esses monstros atuais, não os cativa Orfeu,
a vagar, taciturno, entre o talvez e o se.

Não deixarei de mim nenhum canto radioso,
uma voz matinal palpitando na bruma
e que arranque de alguém seu mais secreto espinho.

De tudo quanto foi meu passo caprichoso
na vida, restará, pois o resto se esfuma,
uma pedra que havia em meio do caminho.

V

Se sou pobre pastor, se não governo
Reinos, nações, províncias, mundo, e gentes;
Se em frio, calma, e chuvas inclementes
Passo o verão, outono, estio, inverno;

Nem por isso trocara o abrigo terno
Desta choça, em que vivo, coas enchentes
Dessa grande fortuna: assaz presentes
Tenho as paixões desse tormento eterno.

Adorar as traições, amar o engano,
Ouvir dos lastimosos o gemido,
Passar aflito o dia, o mês, e o ano;

Seja embora prazer; que a meu ouvido
Soa melhor a voz do desengano,
Que da torpe lisonja o infame ruído.