Ingenuidade é um modo de se ser inocente. Infantilismo é um modo de se ser idiota. Faz a sua diferença.
Passagens de Vergílio Ferreira
496 resultadosA melhor forma de te não dizerem pequeno é dizeres dos outros que são grandes. Sobretudo se for mentira.
No amor nunca os pratos da balança estão equilibrados. E como a essência do amor é etérea, quem pesa mais é quem ama menos.
O tempo que passa não passa depressa. O que passa depressa é o tempo que passou.
Invenção de Respostas Fáceis
As coisas familiares, tão redutíveis e manuseáveis, imediatamente regressam ao indizível e insondável, se as mantivermos sob o fogo do «porquê». É um porquê inocente e por isso as crianças o conhecem. É uma interrogação elementar e por isso ela é a primeira. E o que responde a esse questionar não é a resposta – que a não há – mas as múltiplas formas da tranquilidade que identificamos com a sensatez. Essa a nossa virtude de adultos e que as crianças aprendem na aprendizagem de adultos. E uma das formas da sensatez é a integração no mundo da positividade do mundo que se lhe furta. À interrogação a que se não responde inventamos uma resposta, condensando a interrogação em pergunta.
O que se consegue no que se obtém é quase sempre a decepção. Não é que falte muitas vezes seja o que for nisso que se consegue. Mas falta a esperança ou o desejo de o conseguir.
A filosofia não é um meio de descobrir a verdade. Mas é, como a arte, um processo de a «criar».
A cultura é o modo avançado de se estar no Mundo, ou seja a capacidade de se dialogar com ele.
Ama o próximo como a ti mesmo. É um grande risco. Eu, por exemplo, detesto-me.
Memória Intrusiva
A tua memória passa através dos factos como de uma fila de vidraças, ou de estações, ou de folhas de álbum. Às vezes, porém, paras numa, e é como se toda a vida se fixasse aí. E giras em torno, numa obsessão. Somente às vezes também, em vez de te fixares realmente, quando menos o julgas estás parado noutra folha, noutra janela, noutra paisagem.
Ri sempre de maneira que alguém fique, sem saberes, a chorar dentro de ti. Porque se o riso permanece, o que encontra dentro de ti é o idiota que lá estava à sua espera.
Afirma com energia o disparate que quiseres, e acabarás por encontrar quem acredite em ti.
O grande paradoxo do artista é ter de tornar invisível a visibilidade do artifício com que torna visível esse invisível.
A originalidade é uma forma de se ser e ninguém pode ser por nós.
Toda a verdade e todo o erro, se repetidos mil vezes, tendem a converter-se no seu contrário. Apenas pela razão de nos fatigarem.
Uma boa frase é como uma boa anedota: dá brilho a quem a inventa e sobra ainda para quem a repete.
Humanismo e Liberalismo
O termo humanismo é infelizmente uma palavra que serve para designar as correntes filosóficas, não somente em dois sentidos, mas em três, quatro, cinco ou seis. Toda a gente é humanista na hora que passa, até mesmo certos marxistas que se descobrem racionalistas clássicos, são humanistas num enfadonho sentido, derivado das ideias liberais do último século, o dum liberalismo refractado através de toda a crise actual. Se os marxistas podem pretender ser humanistas, as diferentes religiões, os cristãos, os hindus, e muitos outros afirmam-se também antes de mais humanistas, como por sua vez o existencialista, e de um modo geral, todas as filosofias. Actualmente muitas correntes políticas se reivindicam igualmente um humanismo. Tudo isso converge para uma espécie de tentativa de restabelecimento duma filosofia que, apesar da sua pretensão, recusa no fundo comprometer-se, e recusa comprometer-se, não somente no ponto de vista político e social, mas também num sentido filosófico profundo.
Se o cristianismo se pretende antes de tudo humanista, é porque ele não pode comprometer-se, quer dizer participar na luta das forças progressivas, porque se mantém em posições reaccionárias frente a esta revolução. Quando os pseudomarxistas ou os liberais se reclamam da pessoa antes do mais, é porque eles recuam diante das exigências da situação presente no mundo.
Se um argumento fosse decisivo, não havia partidos políticos.
Toda a surpresa deixa de o ser quando integrada nos nossos hábitos. E é por isso que uma obra de arte do passado nos deixa quase indiferentes.
O Homem Não é o Indivíduo
«Não é a arranhar interminavelmente o indivíduo que acabamos por encontrar o homem» – diz alguém em certo livro do Malraux. Nada, de facto, mais útil que a separação dos dois conceitos, que tanto tendem a confundir-se, mormente hoje, em que tal confusão parece agravar-se. Com efeito, o «homem» não é o «indivíduo», porque é só do indivíduo aquela parte que pode universalizar-se. E é desta ideia que temos de partir para que um equívoco se não consuma, o equívoco de um individualismo, de um pessoalismo restrito que a arte e o pensamento modernos parecem à primeira vista aceitar.
Que estranho «eu» é pois este que de algum modo dir-se-ia predominar na filosofia e na literatura de hoje? Porque é evidente que uma forte tendência da arte de hoje, do homem actual, apela para a comunicabilidade, para uma fraternidade, e não para um estéril isolamento. Mas acontece que nesse apelo muitas vezes se esquece o que há aí de mecânico, de superficial, de relações externas, imediatas, provisórias, que nos não satisfaz inteiramente. O homem que aí fala é o que se ensurdece a si próprio, às suas vozes profundas, aos avisos que se anunciam desde o limiar da solidão.