Teus Olhos
Teus olhos de tão mística elegia,
resplandecentes de penumbra viva,
Perdem-se em mim: do meu olhar deriva
A luz da mais cristã melancolia!Possa eu viver em ti, nessa harmonia
De memorante paz meditativa;
Minha alma da tua alma se cativa,
Aspira o teu silêncio que inebria!Teu vulto no Ar imprime-se em debuxos
De recortada flor; visões perpassam
Nocturnamente nos teus olhos bruxos!Uma fonte discorre outonos tristes;
Caem flores do Céu; almas esvoaçam;
Estendo as mãos… adeus! Já não existes!
Passagens sobre Vultos
92 resultadosAtravessa Esta Paisagem o Meu Sonho
Atravessa esta paisagem o meu sonho dum porto infinito
E a cor das flores é transparente de as velas de grandes navios
Que largam do cais arrastando nas águas por sombra
Os vultos ao sol daquelas árvores antigas…O porto que sonho é sombrio e pálido
E esta paisagem é cheia de sol deste lado…
Mas no meu espírito o sol deste dia é porto sombrio
E os navios que saem do porto são estas árvores ao sol…Liberto em duplo, abandonei-me da paisagem abaixo…
O vulto do cais é a estrada nítida e calma
Que se levanta e se ergue como um muro,
E os navios passam por dentro dos troncos das árvores
Com uma horizontalidade vertical,
E deixam cair amarras na água pelas folhas uma a uma dentro…Não sei quem me sonho…
Súbito toda a água do mar do porto é transparente
E vejo no fundo, como uma estampa enorme que lá estivesse
desdobrada,
Esta paisagem toda, renque de árvore, estrada a arder em aquele
porto,
E a sombra duma nau mais antiga que o porto que passa
Entre o meu sonho do porto e o meu ver esta paisagem
E chega ao pé de mim,
O Livro dos Amantes
I
Glorifiquei-te no eterno.
Eterno dentro de mim
fora de mim perecível.
Para que desses um sentido
a uma sede indefinível.Para que desses um nome
à exactidão do instante
do fruto que cai na terra
sempre perpendicular
à humidade onde fica.E o que acontece durante
na rapidez da descida
é a explicação da vida.II
Harmonioso vulto que em mim se dilui.
Tu és o poema
e és a origem donde ele flui.
Intuito de ter. Intuito de amor
não compreendido.
Fica assim amor. Fica assim intuito.
Prometido.III
Príncipe secreto da aventura
em meus olhos um dia começada e finita.
Onda de amargura numa água tranquila.
Flor insegura enlaçada no vento que a suporta.
Pássaro esquivo em meus ombros de aragem
reacendendo em cadência e em passagem
a lua que trazia e que apagou.IV
Dá-me a tua mão por cima das horas.
Quero-te conciso.
Adão depois do paraíso
errando mais nítido à distância
onde te exalto porque te demoras.
Se De Vosso Fermoso E Lindo Gesto
Se de vosso fermoso e lindo gesto
nasceram lindas flores para os olhos,
que para o peito são duros abrolhos,
em mim se vê mui claro e manifesto:pois vossa fermosura e vulto honesto
em os ver, de boninas vi mil molhos;
mas se meu coração tivera antolhos,
não vira em vós seu dano o mal funesto.Um mal visto por bem, um bem tristonho,
que me traz elevado o pensamento
em mil, porém diversas, fantasias,nas quais eu sempre ando, e sempre sonho;
e vós não cuidais mais que em meu tormento,
em que fundais as vossas alegrias.
O Dote que se Oferece no Horror
o dote que se oferece no horror
dessa cidade é mais uma manobra difícil
das marés viradas em nossos pulsos
tal o esforço da visão da névoasonhos e vibrações técnicas estão aí
para tudo que seja atual
em frontes douradas pois ficou vazio
o que é pesado como o antigo absurdoseu desejo excepcional ainda dentro
do medo com a mudança recente de vultos
interessados na superfície do arrependimentomas chegou ao fim a fúria da indecência
e as unhas vistas entre os ossos podem matar
elas conhecem o que pode ser morto de novo
Ternura
Desvio dos teus ombros o lençol,
que é feito de ternura amarrotada,
da frescura que vem depois do sol,
quando depois do sol não vem mais nada…Olho a roupa no chão: que tempestade!
Há restos de ternura pelo meio,
como vultos perdidos na cidade
onde uma tempestade sobreveio…Começas a vestir-te, lentamente,
e é ternura também que vou vestindo,
para enfrentar lá fora aquela gente
que da nossa ternura anda sorrindo…Mas ninguém sonha a pressa com que nós
a despimos assim que estamos sós!
Venho De Longe E Trago No Perfil
Venho de longe e trago no perfil,
Em forma nevoenta e afastada,
O perfil de outro ser que desagrada
Ao meu actual recorte humano e vil.Outrora fui talvez, não Boabdil,
Mas o seu mero último olhar, da estrada
Dado ao deixado vulto de Granada,
Recorte frio sob o unido anil…Hoje sou a saudade imperial
Do que já na distância de mim vi…
Eu próprio sou aquilo que perdi…E nesta estrada para Desigual
Florem em esguia glória marginal
Os girassóis do império que morri…
Elas São Vaporosas
Elas são vaporosas,
Pálidas sombras, as rosas
Nadas da hora lunar…Vêm, aéreas, dançar
Com perfumes soltos
Entre os canteiros e os buxos…
Chora no som dos repuxos
O ritmo que há nos seus vultos…Passam e agitam a brisa…
Pálida, a pompa indecisa
Da sua flébil demora
Paira em auréola à hora…Passam nos ritmos da sombra…
Ora é uma folha que tomba,
Ora uma brisa que treme
Sua leveza solene…E assim vão indo, delindo
Seu perfil único e lindo,
Seu vulto feito de todas,
Nas alamedas, em rodas,
No jardim lívido e frio…Passam sozinhas, a fio,
Como um fumo indo, a rarear,
Pelo ar longínquo e vazio,
Sob o, disperso pelo ar,
Pálido pálio lunar …
Dupla Via-Láctea
Sonhei! Sempre sonhar! No ar ondulavam
Os vultos vagos, vaporosos, lentos,
As formas alvas, os perfis nevoentos
Dos Anjos que no Espaço desfilavam.E alas voavam de Anjos brancos, voavam
Por entre hosanas e chamejamentos…
Claros sussurros de celestes ventos
Dos Anjos longas vestes agitavam.E tu, já livre dos terrestres lodos,
Vestida do esplendor dos astros todos,
Nas auréolas dos céus engrinaldadaDentre as zonas de luz flamo-radiante,
Na cruz da Via-Láctea palpitante
Apareceste então crucificada!
Interrogação
Onde é que está essa mulher fadada,
Que o meu sonho criou num desvario,
Acaso existe, acaso foi criada,
Ou vive apenas porque eu a crio?Onde é que vive essa mulher sonhada,
Da minha mesa o vinho e o loiro trigo,
Acaso morta jaz desfeita em nada?
Acaso, assim, há-de vir ter comigo?Onde é que existe essa mulher que um dia
Eu me pus a chamar e não me ouviu,
Onde é que passa oculta a sua vida,
Acaso nunca essa mulher me viu?Acaso, às vezes penso, essa mulher
Traz em sua alma algum poder oculto,
Para que nunca, ou uma vez sequer,
Caísse em mim a sombra do seu vulto?Acaso nunca essa mulher que eu sonho,
Há-de vir abraçar-se ao meu desejo,
Pondo em mim esse amor que nela eu ponho,
Acaso nunca me dará um beijo?Acaso nunca essa mulher que eu amo,
Como se pode amar com mais loucura,
Há-de vir até mim quando eu a chamo,
Para me dar um pouco de ternura?Acaso nunca essa mulher dilecta
Enxugará meus olhos ao sol-pôr,
Civilização e Religião Condicionam-se Uma à Outra
Quando a civilização formulou o mandamento de que o homem não deve matar o próximo a quem odeia, que se acha no seu caminho ou cuja propriedade cobiça, isso foi claramente efetuado no interesse comunal do homem, que, de outro modo, não seria praticável, pois o assassino atrairia para si a vingança dos parentes do morto e a inveja de outros, que, dentro de si mesmos, se sentem tão inclinados quanto ele a tais actos de violência. Assim, não desfrutaria da sua vingança ou do seu roubo por muito tempo, mas teria toda a possibilidade de ele próprio em breve ser morto. Mesmo que se protegesse contra os seus inimigos isolados através de uma força ou cautela extraordinárias, estaria fadado a sucumbir a uma combinação de homens mais fracos. Se uma combinação desse tipo não se efectuasse, o homicídio continuaria a ser praticado de modo infindável e o resultado final seria que os homens se exterminariam mutuamente. Chegaríamos, entre os indivíduos, ao mesmo estado de coisas que ainda persiste entre famílias na Córsega, embora, em outros lugares, apenas entre nações. A insegurança da vida, que constitui um perigo igual para todos, une hoje os homens numa sociedade que proíbe ao indivíduo matar,
8A Sombra – Último Fantasma
Quem és tu, quem és tu, vulto gracioso,
Que te elevas da noite na orvalhada?
Tens a face nas sombras mergulhada…
Sobre as névoas te libras vaporoso …Baixas do céu num vôo harmonioso!…
Quem és tu, bela e branca desposada?
Da laranjeira em flor a flor nevada
Cerca-te a fronte, ó ser misterioso! …Onde nos vimos nós? És doutra esfera ?
És o ser que eu busquei do sul ao norte. . .
Por quem meu peito em sonhos desespera?Quem és tu? Quem és tu? – És minha sorte!
És talvez o ideal que est’alma espera!
És a glória talvez! Talvez a morte!