Passagens sobre Abandono

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Frases sobre abandono, poemas sobre abandono e outras passagens sobre abandono para ler e compartilhar. Leia as melhores citações em Poetris.

A Secreta Viagem

No barco sem ninguém, anónimo e vazio,
ficámos nós os dois, parados, de mão dada…
Como podem só dois governar um navio?
Melhor é desistir e não fazermos nada!

Sem um gesto sequer, de súbito esculpidos,
tornamo-nos reais, e de madeira, à proa…
Que figuras de lenda! Olhos vagos, perdidos…
Por entre nossas mãos, o verde mar se escoa…

Aparentes senhores de um barco abandonado,
nós olhamos, sem ver, a longínqua miragem…
Aonde iremos ter? — Com frutos e pecado,
se justifica, enflora, a secreta viagem!

Agora sei que és tu quem me fora indicada.
O resto passa, passa… alheio aos meus sentidos.
— Desfeitos num rochedo ou salvos na enseada,
a eternidade é nossa, em madeira esculpidos!

Memória Amada

Para Alain Fournier

Vinham de longe em bandos. Acorriam
Jubilosos. Fantasias
De parques pluviosos
E, descendo,
Os patos bravos lançados
Entre juncos, salgueiros e veados.
Tarde,
Muito tarde, uns olhos tais
Haviam de aparecer, sobressaltados
Entre enigmas e um floco de cabelos
Osculado pelo vento. Alegorias…
Do agora ou nunca e do momento
Definido. Trégua impensada,
Insuspeita, no perfume alado
Da página dobrada e abandonada
Dum livro interrompido. Sinto a dor fina,
Finamente atravessada e suave,
– Quase saudade.

Abandonar o ‘velho eu’ é uma tarefa impreterível. A vida não será verdadeira enquanto não houver a substituição dos valores materiais pelos espirituais.

Louvor do Esquecimento

Bom é o esquecimento.
Senão como é que
O filho deixaria a mãe que o amamentou?
Que lhe deu a força dos membros e
O retém para os experimentar.

Ou como havia o discípulo de abandonar o mestre
Que lhe deu o saber?
Quando o saber está dado
O discípulo tem de se pôr a caminho.

Na velha casa
Entram os novos moradores.
Se os que a construíram ainda lá estivessem
A casa seria pequena de mais.

O fogão aquece. O oleiro que o fez
Já ninguém o conhece. O lavrador
Não reconhece a broa de pão.

Como se levantaria, sem o esquecimento
Da noite que apaga os rastos, o homem de manhã?
Como é que o que foi espancado seis vezes
Se ergueria do chão à sétima
Pra lavrar o pedregal, pra voar
Ao céu perigoso?

A fraqueza da memória dá
Fortaleza aos homens.

Tradução de Paulo Quintela

As Três Espécies de Portugueses

Há três espécies de Portugal, dentro do mesmo Portugal; ou, se se preferir, há três espécies de português. Um começou com a nacionalidade: é o português típico, que forma o fundo da nação e o da sua expansão numérica, trabalhando obscura e modestamente em Portugal e por toda a parte de todas as partes do Mundo. Este português encontra-se, desde 1578, divorciado de todos os governos e abandonado por todos. Existe porque existe, e é por isso que a nação existe também.

Outro é o português que o não é. Começou com a invasão mental estrangeira, que data, com verdade possível, do tempo do Marquês de Pombal. Esta invasão agravou-se com o Constitucionalismo, e tornou-se completa com a República. Este português (que é o que forma grande parte das classes médias superiores, certa parte do povo, e quase toda a gente das classes dirigentes) é o que governa o país. Está completamente divorciado do país que governa. É, por sua vontade, parisiense e moderno. Contra sua vontade, é estúpido.

Há um terceiro português, que começou a existir quando Portugal, por alturas de El-Rei D. Dinis, começou, de Nação, a esboçar-se Império. Esse português fez as Descobertas,

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Sempre me restará amar. Escrever é alguma coisa extremamente forte mas que pode me trair e me abandonar: posso um dia sentir que já escrevi o que é o meu lote neste mundo e que eu devo aprender também a parar. Em escrever eu não tenho nenhuma garantia. Ao passo que amar eu posso até à hora de morrer. Amar não acaba. É como se o mundo estivesse à minha espera. E eu vou ao encontro do que me espera.

O Noivado do Sepulcro

Vai alta a lua! na mansão da morte
Já meia-noite com vagar soou;
Que paz tranquila; dos vaivéns da sorte
Só tem descanso quem ali baixou.

Que paz tranquila!… mas eis longe, ao longe
Funérea campa com fragor rangeu;
Branco fantasma semelhante a um monge,
D’entre os sepulcros a cabeça ergueu.

Ergueu-se, ergueu-se!… na amplidão celeste
Campeia a lua com sinistra luz;
O vento geme no feral cipreste,
O mocho pia na marmórea cruz.

Ergueu-se, ergueu-se!… com sombrio espanto
Olhou em roda… não achou ninguém…
Por entre as campas, arrastando o manto,
Com lentos passos caminhou além.

Chegando perto duma cruz alçada,
Que entre ciprestes alvejava ao fim,
Parou, sentou-se e com a voz magoada
Os ecos tristes acordou assim:

“Mulher formosa, que adorei na vida,
“E que na tumba não cessei d’amar,
“Por que atraiçoas, desleal, mentida,
“O amor eterno que te ouvi jurar?

“Amor! engano que na campa finda,
“Que a morte despe da ilusão falaz:
“Quem d’entre os vivos se lembrara ainda
“Do pobre morto que na terra jaz?

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É preciso correr riscos, seguir certos caminhos e abandonar outros. Nenhuma pessoa é capaz de escolher sem medo.

Sabendo o que sabemos hoje poderíamos ser tentados a dizer que existe neste livre mais do que tristeza. Há outra coisa, um amargo sentimento de abandono.

As Tuas Mãos

Pálido, extático,
olhavas para mim.
E as tuas mãos raras,
de linhas estilizadas,
poisavam abandonadas
sobre os tons liriais do meu coxim…

Os meus olhos de sonho
ficaram presos tristemente
às tuas mãos!…
– Mãos de doente,
mãos de asceta…
E eu que amo e quero a rubra cor dos sãos,
tombei-me a contemplá-las
numa atitude cismadora e quieta…

Depois aqueles beijos que lhe dei,
unindo-as, ansiosa, à minha boca
torturada e aflita,
tiveram a amargura
suavemente doce
duma dor bendita!

Mãos de renúncia! Mãos de amargor!
… E as tuas lindas mãos, nostálgicas e frias,
tristes cadáveres
de ilusão e dor,
não puderam entender
a febre exaltada
e torturante
que abrasava
as minhas mãos
delicadas,
– as minhas mãos de mulher!

O Lamento Das Coisas

Triste, a escutar, pancada por pancada,
A sucessividade dos segundos,
Ouço, em sons subterrâneos, do Orbe oriundos,
O choro da Energia abandonada!

É a dor da Força desaproveitada
– O cantochão dos dínamos profundos,
Que, podendo mover milhões de mundos,
jazem ainda na estática do Nada!

É o soluço da forma ainda imprecisa…
Da transcendência que se não realiza…
Da luz que não chegou a ser lampejo…

E é em suma, o subconsciente ai formidando
Da Natureza que parou, chorando,
No rudimentarismo do Desejo!

O Amor Confina o Amor

Na branda luz do frio, gravo a ternura
De andar sofrendo, pela vez primeira,
O amor que, por engano, a vida inteira
Transforma numa lenta desventura.

Se no ar desta manhã sopra tão pura
A obrigação de respirar-me, à beira
De uma esperança enferma e derradeira,
Vou respirando a flor de uma armadura

Imposta pelo amor. Sobre a incerteza
Do noivo abandonado, abre a firmeza
De prosseguir lutando, e ardentemente

Este poder desperta o ardor de um canto
No cárcere de vidro onde, inclemente,
O amor confina o amor, como num pranto.

Fartamo-nos Sempre dos Pesadelos dos Outros

Fartamo-nos sempre dos pesadelos dos outros e dos gritos no quarto ao lado pela madrugada, sejam de quem forem. Conseguimos ouvir durante um tempo, segurar na mão, esquecer as horas, oferecer um calmante, um copo de água; mas, se queremos realmente continuar a viver de verdade, não temos remédio senão acabar por colocar qualquer tipo de barreira a tudo isso, tapar os ouvidos e, seja como for, alhear-nos. Fugir dali, deixando a sós quem geme. É como abandonar um ferido na valeta quando o inimigo se aproxima a passos largos e não faz sentido correr o risco de ficar a contemplá-lo a esvair-se em sangue.

Os Vencidos

Tres cavaleiros seguem lentamente
Por uma estrada erma e pedregosa.
Geme o vento na selva rumorosa,
Cae a noite do céo, pesadamente.

Vacilam-lhes nas mãos as armas rotas,
Têm os corceis poentos e abatidos,
Em desalinho trazem os vestidos,
Das feridas lhe cae o sangue, em gotas.

A derrota, traiçoeira e pavorosa,
As fontes lhes curvou, com mão potente.
No horisonte escuro do poente
Destaca-se uma mancha sanguinosa.

E o primeiro dos três, erguendo os braços,
Diz n’um soluço: «Amei e fui amado!
Levou-me uma visão, arrebatado,
Como em carro de luz, pelos espaços!

Com largo vôo, penetrei na esphera
Onde vivem as almas que se adoram,
Livre, contente e bom, como os que moram
Entre os astros, na eterna primavera.

Porque irrompe no azul do puro amor
O sopro do desejo pestilente?
Ai do que um dia recebeu de frente
O seu halito rude e queimador!

A flor rubra e olorosa da paixão
Abre languida ao raio matutino,
Mas seu profundo calix purpurino
Só reçuma veneno e podridão.

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Soneto Da Ilha

Eu deitava na praia, a cabeça na areia
Abria as pernas aos alísios e ao luar
Tonto de maresia; e a mão da maré cheia
Vinha coçar meus pés com seus dedos de mar.

Longos êxtases tinha; amava a Deus em ânsia
E a uma nudez qualquer ávida de abandono
Enquanto ao longe a clarineta da distância
Era tambêm um mar que me molhava o sono.

E adormecia assim, sonhando, vendo e ouvindo
Pulos de peixes, gritos frouxos, vozes rindo
E a lua virginal arder no plexo

Estelar, e o marulho das ondas sucessivas
Da monção, até que alguma entre as mais vivas
Mansa, viesse desaguar pelo meu sexo.

Outrora eu havia querido abandonar o mundo, mas hoje estou praticamente seguro de que devia permanecer nele, fazer ato de presença. Trata-se mesmo do sentido de minha vida.

Despede Teu Pudor

Despede teu pudor com a camisa
E deixa alada louca sem memória
Uma nudez nascida para a glória
Sofrer de meu olhar que te heroíza

Tudo teu corpo tem, não te humaniza
Uma cegueira fácil de vitória
E como a perfeição não tem história
São leves teus enredos como a brisa

Constante vagaroso combinado
Um anjo em ti se opõe à luta e luto
E tombo como um sol abandonado

Enquanto amor se esvai a paz se eleva
Teus pés roçando nos meus pés escuto
O respirar da noite que te leva.

O Medo de Acabar Só

Há muitos que não fazem mais do que discutir e bulhar o dia inteiro, e depois surpreendem-se com qualquer mudança numa situação que consideram segura porque estável. O rancor é uma boa forma de garantir companhia, o poder de lançar à cara de alguém, todos os dias, o mal que nos fez: isso cria estabilidade. As pessoas pensam: que hei de fazer? Ficar sozinho? Ouve-los falar e parece ser isso o que mais temem: ficarem sós. A solidão. O abandono. Palavras tristes ou ameaçadoras. Terríveis: logo verás o que é a velhice, se cometeres o erro de ficar solteiro. Assustam-te com isso. Dizem-te: se continuas assim, vais ficar sozinho. É horrível morrer sozinho, como um cão, dizem. E parece ser essa a pior desgraça; há que morrer, sim, toda a gente tem de morrer, mas acompanhado, e não como um cão. Morrer sozinho é desolador, é indecente, revela uma falha humana (do ser humano, como diria Francisco: a expressão comove) que deve ser dissimulada, mantida na sombra.