A Maior Parte do que Sabemos é a Menor do que Ignoramos
A maior parte do que sabemos, é a menor do que ignoramos. Não se achou varão tão perfeito no Mundo, que conhecesse o que tinha de sábio, senão sabendo o que lhe faltava para perfeito. Não se viu ninguém tanto nos últimos remates da perfeição, em quem não bruxoleassem sempre alguns desaires de humano. (…) Não necessitando de nada os grandes, só de verdades necessitam; porque, como custam caro, todo o cabedal da fortuna é preço limitado para elas; por isso nos grandes são mais avultados os erros, porque erram com grandeza e ignoram com presunção. Mais gravemente enferma o que logra melhor disposição, que o que nunca deixou de ter achaques: e a razão é porque a enfermidade que pôde vencer disposição tão boa, teve muito de poderosa; ignorância a que não alumiou o discurso mais desperto, tirou as esperanças ao remédio.
Passagens de António Vieira
387 resultadosA maldade é comerem-se os homens uns aos outros, e os que a cometem são os maiores, que comem os pequenos.
Mais afronta a mesura de um adulador, que uma bofetada de um inimigo.
Porque é timbre da nossa nação (Portugal), tanto que sai à luz quem pode luzir, tragá-lo logo, para que não luza.
Os afectos da nossa alma, se são extremamente intensos, ateiam-se pela vizinhança ao corpo, chegando o corpo a padecer por enfermidade o que a alma padece por sentimento.
Por mais que sejam muitos os notadores dos livros, são muito mais os que no mundo vivem notados.
Quem em tudo quer parecer maior, não é grande.
E assim como não há mármore nem bronze tão duro que, ferido do raio do sol, não responda ao mesmo sol com a reflexão do seu raio, assim não há coração tão de mármore na dureza, e tão de bronze na resistência, que, prevenido no amor, o não redobre e corresponda com outro.
Melhor será arrepender agora, que quando o mal passado não tenha remédio.
Humildade essencialmente é o conhecimento da própria dependência, da própria imperfeição e da própria miséria.
É coisa tão dificultosa acomodar-se a trabalhar para viver, quem está costumado a outra vida, que esta mesma dificuldade é a que inventou a arte e artes de furtar.
Amar ou Ser Amado?
Que é o que mais deseja e mais estima o amor: ver-se conhecido ou ver-se pago? É certo que o amor não pode ser pago, sem ser primeiro conhecido; mas pode ser conhecido, sem ser pago. E considerando divididos estes dois termos, não há dúvida que mais estima o amor e melhor lhe está ver-se conhecido que pago. Porque o que o amor mais pretende, é obrigar; o conhecimento obriga, a paga desempenha. Logo muito melhor lhe está ao amor ver-se conhecido que pago; porque o conhecimento aperta as obrigações, a paga e o desempenho desata-as. O conhecimento é satisfação do amor próprio; a paga é satisfação do amor alheio. Na satisfação do que o amor recebe, pode ser o afecto interessado; na satisfação do que comunica, não pode ser senão liberal. Logo, mais deve estimar o amor ter segura no conhecimento a satisfação da sua liberalidade, que ver duvidosa na paga a fidalguia do seu desinteresse. O mais seguro crédito de quem ama, é a confissão da dívida no amado; mas como há-de confessar a dívida, quem a não conhece? Mais lhe importa logo ao amor o conhecimento que a paga; porque a sua maior riqueza é ter sempre individado a quem ama.
A mesma luz e a mesma candeia ao longe vê-se, ao perto alumeia.
A melhor e a pior coisa que há no mundo é o conselho. Se é bom, é o maior bem; se é mau, é o pior mal.
Um grande delito muitas vezes achou piedade; um grande merecimento nunca lhe faltou a inveja.
Quando julgamos os outros, condenamo-nos a nós.
Quem busca o desengano tarde, não se desengana.
Fé e liberalidade são virtudes sinónimas; e quem está duvidoso no dar, não está firme no crer.
Assim como a alquimia por arte tudo converte em ouro, assim a obediência por natureza tudo transforma e converte em virtude.
Quem não dá todos os dias do ano, não dá o ano, dá partes dele somente.