A fama tem asas.
Passagens sobre Asas
363 resultadosPanteĂsmo
Ao Botto de Carvalho
Tarde de brasa a arder, sol de verĂŁo
Cingindo, voluptuoso, o horizonte…
Sinto-me luz e cor, ritmo e clarĂŁo
Dum verso triunfal de Anacreonte!Vejo-me asa no ar, erva no chĂŁo,
Oiço-me gota de água a rir, na fonte,
E a curva altiva e dura do MarĂŁo
É o meu corpo transformado em monte!E de bruços na terra penso e cismo
Que, neste meu ardente panteĂsmo
Nos meus sentidos postos e absortosNas coisas luminosas deste mundo,
A minha alma Ă© o tĂşmulo profundo
Onde dormem, sorrindo, os deuses mortos!
Agarre-se a seus sonhos, pois, se eles morrerem, a vida será como um pássaro de asa quebrada, incapaz de voar.
Mudançar
Repor
na planta da cor brancura
em pedra solicitadaReler
por vacilação das sĂlabas
em escuridĂŁo afundadaRever
por olho areado com águas
a imagem contaminadaReter
no mĂşsculo oxigenado vaso
areal terra aterradaResistir
ao cântico suado no temor
a evolução revoltadaReaver
do padre eterno esquecido
fé febril equivocadaRematar
pontilhados no voo manual
asa de vazio blindadaReacordar
quando o tempo do morto Ă©
vĂcio pele recicladaRecomeçar
linguajar contĂnua marcha
vivente reinventada.
Ornitologia
Chegado o Outono, o conhecimento concentra-se nas asas
dos pássaros que pousam lentos sobre as cores dos frutos.
Sem sentimentos, as aves entregam-se ao sabor do vento
e deixam que no cérebro cresça a febre negra das urzes.
Aquieta-os a experiência que conservam do espaço
e que todas as tardes os inibe de partir para continentes
mais prósperos e seguros. Sustém-os um atavismo
apenas explicável pelo saber dos signos e o seu desejo
colectivo de suicĂdio. Porque nĂŁo escolhem antes
perder-se na tempestade? Talvez visto do ar,
aos seus olhos o mundo se torne mais pesado
e o pensamento se confunda, na memĂłria,
com uma paisagem festiva de piras fĂşnebres.
E contudo, apesar do carácter cerrado da atmosfera,
o seu peso parece ter-se já deixado de sentir
sobre o discurso. Virados para dentro,
as imagens em que se reflectem sĂŁo
as de um mundo banhado pela penĂşmbra.
Afogado na sua razĂŁo de ser. MediĂşnico.
Imagine-se agora o caçador a entrar
paisagem dentro para abater as peças
de que se compõe o cenário uma a uma:
vista de dentro,
Gonçalves Crespo
Esta musa da pátria, esta saudosa
Niobe dolorida,
Esquece acaso a vida,
Mas não esquece a morte gloriosa.E pálida, e chorosa,
Ao Tejo voa, onde no chĂŁo caĂda
Jaz aquela evadida
Lira da nossa América viçosa.Com ela torna, e, dividindo os ares,
Trépido, mole, doce movimento
Sente nas frouxas cordas singulares.NĂŁo Ă© a asa do vento,
Mas a sombra do filho, no momento
De entrar perpetuamente os pátrios lares.
Arrependo-me de a Meter num Romance
O poema tem mais pressa que o romance,
Asa de fogo para te levar:
Assim, pois, se houver lama que te lance
Ao corpo quente algum, hei-de chorar.Deus fez o poeta por que nĂŁo descanse
No golfo do destino e amores no mar:
Vem um, de onda, cobri-la — e ela que dance!
Vem outro — e faz menção de me enfeitar.Os outros a conspurcam, mas é minha!
Chicoteá-la vou com a própria espinha,
Estreitam-me de amor seus braços mornos,Transformo seus gemidos em meus uivos
E torno anéis dos seus cabelos ruivos
Na raspa canelada dos meus cornos.
Ăšltima Folha
Musa, desce do alto da montanha
Onde aspiraste o aroma da poesia,
E deixa ao eco dos sagrados ermos
A Ăşltima harmonia.Dos teus cabelos de ouro, que beijavam
Na amena tarde as virações perdidas,
Deixa cair ao chĂŁo as alvas rosas
E as alvas margaridas.VĂŞs? NĂŁo Ă© noite, nĂŁo, este ar sombrio
Que nos esconde o céu. Inda no poente
Não quebra os raios pálidos e frios
O sol resplandecente.Vês? Lá ao fundo o vale árido e seco
Abre-se, como um leito mortuário;
Espera-te o silĂŞncio da planĂcie,
Como um frio sudário.Desce. Virá um dia em que mais bela,
Mais alegre, mais cheia de harmonias,
Voltes a procurar a voz cadente
Dos teus primeiros dias.Então coroarás a ingênua fronte
Das flores da manhã, — e ao monte agreste,
Como a noiva fantástica dos ermos,
Irás, musa celeste!Então, nas horas solenes
Em que o mĂstico himeneu
Une em abraço divino
Verde a terra, azul o céu;Quando, já finda a tormenta
Que a natureza enlutou,
A Negra FĂşria CiĂşme
Morre a luz, abafa os ares
Horrendo, espesso negrume,
Apenas surge do Averno
A negra fĂşria CiĂşme.Sobre um sĂłlio cor da noite
Jaz dos Infernos o Nurne,
E a seus pés tragando brasas
A negra fĂşria CiĂşme.Crespas vĂboras penteia,
Dos olhos dardeja lume,
Respira veneno e peste
A negra fĂşria CiĂşme.Arrancando Ă Morte a fouce
De buĂdo, ervado gume,
Vem retalhar corações
A negra fĂşria CiĂşme.Ao cruel sĂłcio de Amor
Escapar ninguém presume,
Porque a tudo as garras lança
A negra fĂşria CiĂşme.Todos os males do Inferno
Em si guarda, em si resume
O mais horrĂvel dos monstros,
A negra fĂşria CiĂşme.Amor inda Ă© mais suave,
Que das rosas o perfume,
Mas envenena-lhe as graças
A negra fĂşria CiĂşme.Nas asas de Amor voamos
Do prazer ao áureo cume,
Porém de lá nos arroja
A negra fúria Ciúme.Do férreo cálix da Morte
Prova o funesto azedume
Aquele a quem ferve n’alma
A negra fĂşria CiĂşme.
As ilusões sustentam a alma como as asas sustentam o pássaro.
Noite Vazia
Crescimento do silĂŞncio a devorar as nuvens.
Voo incansável e monótono das aves brancas do cérebro.
Florida e ondulada suspensão da mágoa.
As ferocidades sĂŁo ternuras desmaiando na estepe adivinhada.
O amor abre goelas bocejantes nos côncavos da ausência do espaço.
E a morte espreitando a lentidĂŁo
irradia baçamente a sua despedida.Noite vazia.
As aves brancas do cérebro
inutilmente abatem as suas asas!
As mentiras têm pernas curtas, mas o escândalo tem asas.
Siderações
Para as Estrelas de cristais gelados
As ânsias e os desejos vão subindo,
Galgando azuis e siderais noivados
De nuvens brancas a amplidĂŁo vestindo…Num cortejo de cânticos alados
Os arcanjos, as cĂtaras ferindo,
Passam, das vestes nos troféus prateados,
As asas de ouro finamente abrindo…Dos etĂ©reos turĂbulos de neve
Claro incenso aromal, lĂmpido e leve,
Ondas nevoentas de Visões levanta…E as ânsias e os desejos infinitos
VĂŁo com os arcanjos formulando ritos
Da Eternidade que nos Astros canta…
Carrega de ouro as asas do pássaro e ele nunca mais voará pelo céu.
XXXII
Como quisesse livre ser, deixando
As paragens natais, espaço em fora,
A ave, ao bafejo tépido da aurora,
Abriu as asas e partiu cantando.Estranhos climas, longes céus, cortando
Nuvens e nuvens, percorreu: e, agora
Que morre o sol, suspende o vĂ´o, e chora,
E chora, a vida antiga recordando …E logo, o olhar volvendo compungido
Atrás, volta saudosa do carinho,
Do calor da primeira habitação…Assim por largo tempo andei perdido:
– Ali! que alegria ver de novo o ninho,
Ver-te, e beijar-te a pequenina mĂŁo!
As crianças sĂŁo os Ăşnicos seres divinos que a nossa pobre humanidade conhece. Os outros anjos, os das asas, nunca aparecem. Os santos, depois de santos ficam na Bem-Aventurança a preguiçar, ninguĂ©m mais os enxerga. E, para concebermos uma ideia das coisas do CĂ©u, sĂł temos realmente as criancinhas…
Ansiedade
Esta ansiedade que nos enche o peito
Enche o céu, enche o mar, fecunda a terra.
Ela os germens purĂssimos encerra
Do Sentimento lĂmpido, perfeito.Em jorros cristalinos o direito,
A paz vencendo as convulsões da guerra,
A liberdade que abre as asas e erra
Pelos caminhos do Infinito eleito.Tudo na mesma ansiedade gira,
Rola no Espaço, dentre a luz suspira
E chora, chora, amargamente chora…Tudo nos turbilhões da Imensidade
Se confunde na trágica ansiedade
Que almas, estrelas, amplidões devora.
Aurora Morta, Foge! Eu Busco A Virgem Loura
Aurora morta, foge! Eu busco a virgem loura
Que fugiu-me do peito ao teu clarĂŁo de morte
E Ela era a minha estrela, o meu Ăşnico Norte,
O grande Sol de afeto – o Sol que as almas doura!Fugiu… e em si a Luz consoladora
Do amor – esse clarĂŁo eterno d’alma forte –
Astro da minha Paz, SĂrius da minha Sorte
E da Noute da vida a Vênus Redentora.Agora, oh! Minha Mágoa, agita as tuas asas,
Vem! Rasga deste peito as nebulosas gazas
E, num Pálio auroral de Luz deslumbradora,Ascende à Claridade. Adeus oh! Dia escuro,
Dia do meu Passado! Irrompe, meu Futuro;
Aurora morta, foge – eu busco a virgem loura!
Este Ă© o PrĂłlogo
Deixaria neste livro
toda minha alma.
Este livro que viu
as paisagens comigo
e viveu horas santas.Que compaixĂŁo dos livros
que nos enchem as mĂŁos
de rosas e de estrelas
e lentamente passam!Que tristeza tĂŁo funda
é mirar os retábulos
de dores e de penas
que um coração levanta!Ver passar os espectros
de vidas que se apagam,
ver o homem despido
em Pégaso sem asas.Ver a vida e a morte,
a sĂntese do mundo,
que em espaços profundos
se miram e se abraçam.Um livro de poemas
Ă© o outono morto:
os versos sĂŁo as folhas
negras em terras brancas,e a voz que os lĂŞ
Ă© o sopro do vento
que lhes mete nos peitos
— entranháveis distâncias. —O poeta é uma árvore
com frutos de tristeza
e com folhas murchadas
de chorar o que ama.O poeta é o médium
da Natureza-mĂŁe
que explica sua grandeza
por meio das palavras.
A Curva dos Teus Olhos
A curva dos teus olhos dá a volta ao meu peito
É uma dança de roda e de doçura.
Berço nocturno e auréola do tempo,
Se já não sei tudo o que vivi
É que os teus olhos não me viram sempre.Folhas do dia e musgos do orvalho,
Hastes de brisas, sorrisos de perfume,
Asas de luz cobrindo o mundo inteiro,
Barcos de céu e barcos do mar,
Caçadores dos sons e nascentes das cores.Perfume esparso de um manancial de auroras
Abandonado sobre a palha dos astros,
Como o dia depende da inocĂŞncia
O mundo inteiro depende dos teus olhos
E todo o meu sangue corre no teu olhar.Tradução de António Ramos Rosa