Soneto XXXX
Num seco ramo, nú de fruto e folha,
Ua queixosa rola geme e sente
Do casto ninho seu parceiro ausente,
E vê-lo a cada sombra se lhe antolha.Dali dece a ua fonte onde recolha
Algum alento, e porque não consente
A dor ver água clara, juntamente
A envolve c’os pés e o bico molha.Se ausência e amor sentida a rola tem,
Que nem de ausência, nem de amor conhece,
Em quem pesar nem sentimento cabe,Que farão em quem sente o que padece
Quem de seu mal conhece, e de seu bem
Temo que venha a não sentir, e acabe.
Passagens sobre Ausência
304 resultadosSentimos a dor mas não a sua ausência.
Deus só pode estar presente na criação sob a forma de ausência.
Liberdade com Limites
Há muitas espécies de liberdade. Umas tem o mundo de menos, outras tem o mundo de mais. Mas ao dizer que pode haver «de mais» de uma certa espécie de liberdade devo apressar-me a acrescentar que a única espécie de liberdade que considero indesejável é aquela que permite diminuir a liberdade de outrem, por exemplo, a liberdade de fazer escravos.
O mundo não pode garantir-se a maior quantidade possível de liberdade instituindo, pura e simplesmente, a anarquia, pois nesse caso os mais fortes seriam capazes de privar da liberdade os mais fracos. Duvido de que qualquer instituição social seja justificável se contribui para diminuir o quantitativo total de liberdade existente no mundo, mas certas instituições sociais são justificáveis apesar do facto de coarctarem a liberdade de um certo indivíduo ou grupo de indivíduos.
No seu sentido mais elementar, liberdade significa a ausência de controles externos sobre os actos de indivíduos ou grupos. Trata-se, portanto, de um conceito negativo, e a liberdade, por si só, não confere a uma comunidade qualquer alta valia.
Os Esquimós, por exemplo, podem dispensar o Governo, a educação obrigatória, o código das estradas, e até as complicações incríveis do código comercial. A sua vida,
Soneto Da Sentida Solidão
A falta é complemento da saudade,
servida em larga ausência nos ponteiros,
bandeja dos segundos que se evade,
em pasto das desoras, sorrateira.Estar é seduzir sem muito alarde,
no avaro aqui agora companheiro,
o porto da atenção que se me guarde
o ser presente da sanha viageira.Partir é sentimento de voltar,
liberta, eu sei, no vento e seu afoite,
navega a sina em rasa preamar;ela, essa ausente, é dona e meu açoite,
no seu impulso presto em navegar,
vai se enfunando em névoa pela noite.
O Orgulho Nacional
O tipo mais barato de orgulho é o orgulho nacional. Ele trai naquele que por ele é possuído a ausência de qualidades individuais, das quais ele se poderia orgulhar; caso contrário, não recorreria àquelas que compartilha com tantos milhões. Quem possui méritos pessoais distintos reconhecerá, antes, de modo mais claro, os defeitos da sua própria nação, pois sempre os tem diante dos olhos. Mas todo o pobre-diabo, que não tem nada no mundo de que se possa orgulhar, agarra-se ao último recurso, o de se orgulhar com a nação à qual pertence; isso faz com que se sinta recuperado e, na sua gratidão, pronto para defender com unhas e dentes todos os defeitos e desvarios próprios à tal nação. Desse modo, de cinquenta ingleses, por exemplo, haverá no máximo um que concordará connosco quando falarmos, com justo desprezo, da beatice estúpida e degradante da sua nação; mas esta única excepção será com certeza um homem de cabeça.
A ausência é para o amor o que o vento é para o fogo: apaga o pequeno e atiça o grande.
Tu, Místico, Vês uma Significação em Todas as Cousas
Tu, místico, vês uma significação em todas as cousas.
Para ti tudo tem um sentido velado.
Há uma cousa oculta em cada cousa que vês.
O que vês, vê-lo sempre para veres outra cousa.Para mim, graças a ter olhos só para ver,
Eu vejo ausência de significação em todas as cousas;
Vejo-o e amo-me, porque ser uma cousa é não significar nada.
Ser uma cousa é não ser susceptível de interpretação.
A forma de governo mais adequada ao artista é a ausência de governo. Autoridade sobre ele e a sua arte é algo de ridículo.
Para quem ama, não será a ausência a mais certa, a mais eficaz, a mais intensa, a mais indestrutível, a mais fiel das presenças ?
O Amor não Existe sem Ciúme
Se o ciúme nasce do intenso amor, quem não sente ciúmes pela amada não é amante, ou ama de coração ligeiro, de modo que se sabe de amantes os quais, temendo que o seu amor se atenue, o alimentam procurando a todo o custo razões de ciúme.
Portanto o ciumento (que porém quer ou queria a amada casta e fiel) não quer nem pode pensá-la senão como digna de ciúme, e portanto culpada de traição, atiçando assim no sofrimento presente o prazer do amor ausente. Até porque pensar em nós que possuímos a amada longe – bem sabendo que não é verdade – não nos pode tornar tão vico o pensamento dela, do seu calor, dos seus rubores, do seu perfume, como o pensar que desses mesmos dons esteja afinal a gozar um Outro: enquanto da nossa ausência estamos seguros, da presença daquele inimigo estamos, se não certos, pelo menos não necessariamente inseguros. O contacto amoroso, que o ciumento imagina, é o único modo em que pode representar-se com verosimilhança um conúbio de outrem que, se não indubitável, é pelo menos possível, enquanto o seu próprio é impossível.
Assim o ciumento não é capaz, nem tem vontade, de imaginar o oposto do que teme,
Ninguém merece ser louvado pela sua bondade, se não tiver a coragem de ser mau: qualquer outra forma de bondade não é mais que preguiça ou de ausência de vontade.
Perfeição é Virtude e não Ausência de Defeitos
A virtude é a perfeição no estado de homem e não a ausência de defeitos. Se eu quero construir uma cidade, pego na malandragem e na ralé. O poder há-de nobilitá-las. Ofereço-lhes uma embriaguez, diferente da embriaguez medíocre da rapina, da usura ou da violação. É ver aqueles braços nodosos que edificam. O orgulho vai-se transformando em torres, templos e muralhas. A crueldade torna-se grandeza e rigor na disciplina. E ei-los a servirem uma cidade nascida deles próprios. Trocaram-se por ela no fundo dos corações. E morrerão de pé, nas muralhas, para a salvarem. Só descobrirás neles virtudes resplandecentes.
«Mas tu, que pões má cara diante do poder da terra, diante da grosseria, da podridão e dos vermes dos homens, começas por pedir ao homem que não seja e que não tenha nem sequer cheiro. Reprovas-lhe a expressão da sua força. Instalas capados à frente do império. E eles entram a perseguir o vício, que não passa de poder mal empregado. É o poder e a vida que eles perseguem e, no entanto, tornam-se guardiões de museu e vigiam um império morto»
O sábio procura a ausência de dor e não o prazer.
Inscrição
Ama silenciosamente o teu destino.
Nem pátria nem palavras memoráveis
farão durar a luz nos teus sentidos:
alguns objectos que te lembrem, poucos livros
e versos que sílaba a sílaba transfiguras
até entardecer cada palavra.Teces o teu tremor. E sobre a pedra
a marca que ficar será de ausência.
Não se Pode Mandar Contrariando a Opinião Pública
A verdade é que não se manda com os janízaros. Assim, dizia Talleyrand a Napoleão: «Com as baionetas, Sire, pode-se fazer tudo, menos uma coisa: sentar-se sobre elas». E mandar não é atitude de arrebatar o poder, mas tranquilo exercício dele. Em suma, mandar é sentar-se. Trono, cadeira curul, banco azul, poltrona ministerial, sede. Contra o que uma óptica inocente e folhetinesca supõe, o mandar não é tanto questão de punhos como de nádegas. O Estado é, em definitivo, o estado da opinião: uma situação de equilíbrio, de estática.
O que sucede é que às vezes a opinião pública não existe. Uma sociedade dividida em grupos discrepantes, cuja força de opinião fica reciprocamente anulada, não dá lugar a que se constitua um mando. E como a Natureza tem horror ao vácuo, esse oco que deixa a força ausente de opinião pública enche-se com a força bruta. Em suma, pois, avança esta como substituta daquela.
Por isso, se se quer expressar com toda a precisão a lei da opinião pública como lei da gravitação histórica, convém ter em conta esses casos de ausência, e então chega-se a uma fórmula que é o conhecido, venerável e verídico lugar comum: não se pode mandar contrariando a opinião pública.
Mas também nunca dissestes que não me amáveis; e, com efeito, dizer-me tais palavras seria da parte de Vossa Majestade a maior das ingratidões. Pois, dizei-me, onde encontrareis um amor semelhante ao meu, um amor que nem o tempo, nem a ausência, nem o desespero lograram extinguir; um amor que se contenta com uma fita que caiu, um olhar perdido, uma palavra solta?
Ah, Mas Aqui, Onde Irreais Erramos
Ah, mas aqui, onde irreais erramos,
Dormimos o que somos, e a verdade,
Inda que enfim em sonhos a vejamos,
Vemo-la, porque em sonho, em falsidade.Sombras buscando corpos, se os achamos
Como sentir a sua realidade?
Com mãos de sombra, Sombras, que tocamos?
Nosso toque é ausência e vacuidade.Quem desta Alma fechada nos liberta?
Sem ver, ouvimos para além da sala
De ser: mas como, aqui, a porta aberta?Calmo na falsa morte a nós exposto,
O Livro ocluso contra o peito posto,
Nosso Pai Roseacruz conhece e cala.
Ó fermosos, gentis e claros olhos,
Cuja ausência me move a tanta pena
Quanta se não compreende enquanto falo!
Porque começa o tempo a acelerar quando finalmente começamos a dar-lhe valor e até a amá-lo? Quando se é novo, gosta-se do tempo para isto ou para aquilo. Quando se ganha juízo, aprecia-se o tempo só por si. O “para” deixa de interessar. Mais: é a ausência de um “para” premeditado que o torna valioso.