A feira tem quatro cantos.
Passagens sobre Canto
343 resultadosJoropo Para Timples E Harpa
Em duas asas prontas para o vôo
assim se foi em par a minha vida
e com rilhar de dentes me perdôo
trilhando as horas nuas na medidaBilros tecendo rendas amarelas
bordando em vão um tempo já remoto
no sol dos girassóis da cidadela
canto um recanto que me faz devotoA dor que existe em mim raiz que medra
no rastro mais sombrio as minhas luas
talvez não fora Sísifo ou a pedraque encontro todo dia pelas ruas
ao revirar as heras nessa redra
trilhando na medida as horas nuas
Não Fora o Mar!
Não fora o mar,
e eu seria feliz na minha rua,
neste primeiro andar da minha casa
a ver, de dia, o sol, de noite a lua,
calada, quieta, sem um golpe de asa.Não fora o mar,
e seriam contados os meus passos,
tantos para viver, para morrer,
tantos os movimentos dos meus braços,
pequena angústia, pequeno prazer.Não fora o mar,
e os seus sonhos seriam sem violência
como irisadas bolas de sabão,
efémero cristal, branca aparência,
e o resto — pingos de água em minha mão.Não fora o mar,
e este cruel desejo de aventura
seria vaga música ao sol pôr
nem sequer brasa viva, queimadura,
pouco mais que o perfume duma flor.Não fora o mar
e o longo apelo, o canto da sereia,
apenas ilusão, miragem,
breve canção, passo breve na areia,
desejo balbuciante de viagem.Não fora o mar
e, resignada, em vez de olhar os astros
tudo o que é alto, inacessível, fundo,
cimos, castelos, torres, nuvens, mastros,
iria de olhos baixos pelo mundo.
No Campo
Acordo de manhã cedo
Da luz aos doces carinhos:
Que rosas pelos caminhos!
Que rumor pelo árvoredo!Para o azul radioso e ledo
Sobe, de dentro dos ninhos,
O canto dos passarinhos
Cheio de amor e segredo.Dentre moitas de verdura
Voam as pombas nevadas,
Imaculadas de alvura.Pelas margens das estradas
Que penetrante frescura
Que femininas risadas!
Soneto Na Morte De José Arthur Da Frota Moreira
Cantamos ao nascer o mesmo canto
De alegria, de súplica e de horror
E a mulher nos surgiu no mesmo encanto
Na mesma dúvida e na mesma dor.Criamos toda a sedução, e tanto
Que de nós seduzido, o sedutor
Morreu nas mesmas lágrimas de amor
Ao milagre maior do amor em pranto.Fui um pouco teu cão e teu mendigo
E tu, como eu, mendigo de outro pão
Sempre guardaste o pão do teu amigoMeu misterioso irmão, sigo contigo
Há tanto, tanto tempo, mão na mão…
Ouve como chora o coração.
Mysticismo Humano
A alma é como a noute escura, immensa e azul,
Tem o vago, o sinistro, e os canticos do sul,
Como os cantos d’amor serenos das ceifeiras
Que cantam ao luar, á noute pelas eiras…
Ás vezes vem a nevoa á alma satisfeita,
E cae sombria, vaga, e meuda e desfeita…
E como a folha morta em lagos somnolentos
As nossas illusões vão-se nos desalentos!Tem um poder immenso as Cousas na tristeza!
Homem! conheces tu o que é a natureza?…
– É tudo o que nos cerca – é o azul, o escuro,
É o cypreste esguio, a planta, o cedro duro,
A folha, o tronco a flor, os ramos friorentos,
É a floresta espessa esguedelhada aos ventos;
Não entra o vicio aqui com beijos dissolutos,
Nem as lendas do mal, nem os choros dos lutos!…– E os que viram passar serenos os seus dias…
E curvados se vão, ás longas ventanias,
Cheio o peito de sol, atravez das florestas,
Á calma do meio dia… e dormiam as sestas,
Tranquillos sobre a eira, entre as hervas nas leivas…
Tal a Vida
Em declive trepamos pela nuvem
dos dias — em declive circundamos
obscuros cristais
transportados no sangue— e somos e
levantamos
as cores primitivas da fonte a luz
que resvala corpo a corpo
a semente sazonada de quem roubou
o fogo — em declive canto
a ternura diluída a luz reflectida
neste muro onde vejo
a secreção da fala onde ouço
um caminho de metáforas: tal
a vida —
Soneto de Contrição
Eu te amo, Maria, eu te amo tanto
Que o meu peito me dói como em doença
E quanto mais me seja a dor intensa
Mais cresce na minha alma teu encanto.Como a criança que vagueia o canto
Ante o mistério da amplidão suspensa
Meu coração é um vago de acalanto
Berçando versos de saudade imensa.Não é maior o coração que a alma
Nem melhor a presença que a saudade
Só te amar é divino, e sentir calma…E é uma calma tão feita de humildade
Que tão mais te soubesse pertencida
Menos seria eterno em tua vida.
Natal
Se alguém por mim passou,
O seu caminho foi.
Nenhuma dor me dói;
Neste canto me isolo;
Dá-me tanto consolo
Saber que apenas sou!Reduz-se tudo a isto:
Suavíssimo perfume
De heliotrópio morto.
Traz-me tanto conforto
Saber que só existo
Aqui, junto do lume!E o vento que, lá fora,
Deita as folhas em terra,
Não me abala sequer.
Ah, quanto bem encerra
A minha ideia, agora,
De estar num canto, e ser?
Assim, Sem Nada Feito e o Por Fazer
Assim, sem nada feito e o por fazer
Mal pensado, ou sonhado sem pensar,
Vejo os meus dias nulos decorrer,
E o cansaço de nada me aumentar.Perdura, sim, como uma mocidade
Que a si mesma se sobrevive, a esperança,
Mas a mesma esperança o tédio invade,
E a mesma falsa mocidade cansa.Tênue passar das horas sem proveito,
Leve correr dos dias sem ação,
Como a quem com saúde jaz no leito
Ou quem sempre se atrasa sem razão.Vadio sem andar, meu ser inerte
Contempla-me, que esqueço de querer,
E a tarde exterior seu tédio verte
Sobre quem nada fez e nada quere.Inútil vida, posta a um canto e ida
Sem que alguém nela fosse, nau sem mar,
Obra solentemente por ser lida,
Ah, deixem-se sonhar sem esperar!
Sem outra Palavra para Mantimento
Sem outra palavra para mantimento
Sem outra força onde gerar a voz
Escada entre o poço que cavaste em mim e a sede
Que cavaste no meu canto, amo-te
Sou cítara para tocar as tuas mãos.
Podes dizer-me de um fôlego
Frase em silêncio
Homem que visitas
Ó seiva aspergindo as partículas do fogo
O lume em toda a casa e na paisagem
Fora da casa
Pedra do edifício aonde encontro
A porta para entrar
Candelabro que me vens cegando.
Sol
Que quando és nocturno ando
Com a noite em minhas mãos para ter luz.
Os Amantes Obscuros
Nossos sentidos juntos fazem chama:
e as fantasias nossas vão soltar
os desejos desertos de quem ama
e em verso ou coração se quis tornar.Nossos sentidos são matéria prima
de um canto que é mais leve do que o ar;
o mundo todo não nos adivinha:
somos sombra sem luz, sequer luar.Que o corpo quebre a noite desolada,
que o corvo ceda a voz à escuridão:
mil luzes são o nome da amada;
quem se perdeu no verso é sem perdão.
A Camões
Quando n’alma pesar de tua raça
A névoa da apagada e vil tristeza,
Busque ela sempre a glória que não passa,
Em teu poema de heroísmo e de beleza.Gênio purificado na desgraça,
Tu resumiste em ti toda a grandeza:
Poeta e soldado… Em ti brilhou sem jaça
O amor da grande pátria portuguesa.E enquanto o fero canto ecoar na mente
Da estirpe que em perigos sublimados
Plantou a cruz em cada continente,Não morrerá, sem poetas nem soldados,
A língua em que cantaste rudemente
As armas e os barões assinalados.
Soneto De Abril
Agora que é abril, e o mar se ausenta,
secando-se em si mesmo como um pranto,
vejo que o amor que te dedico aumenta
seguindo a trilha de meu próprio espanto.Em mim, o teu espírito apresenta
todas as sugestões de um doce encanto
que em minha fonte não se dessedenta
por não ser fonte d’água, mas de canto.Agora que é abril, e vão morrer
as formosas canções dos outros meses,
assim te quero, mesmo que te escondas:amar-te uma só vez todas as vezes
em que sou carne e gesto, e fenecer
como uma voz chamada pelas ondas.
As desgraças buscam o desgraçado mesmo que ele se esconda nos cantos mais remotos da terra.
Sonho Africano
Ei-lo em sua choupana. A lâmpada, suspensa
Ao teto, oscila; a um canto, um velho e ervado fimbo;
Entrando, porta dentro, o sol forma-lhe um nimbo
Cor de cinábrio em torno à carapinha densa.Estira-se no chão… Tanta fadiga e doença!
Espreguiça, boceja… O apagado cachimbo
Na boca, nessa meia escuridão de limbo,
Mole, semicerrando os dúbios olhos, pensa…Pensa na pátria, além… As florestas gigantes
Se estendem sob o azul, onde, cheios de mágoa,
Vivem negros reptis e enormes elefantes…Calma em tudo. Dardeja o sol raios tranquilos…
Desce um rio, a cantar… Coalham-se à tona d’água
Em compacto apertão, os velhos crocodilos…
Tenham sempre um lugar Sagrado. Um canto Sagrado abre uma porte para o Céu, e o Céu penetra…
A de Sempre, Toda Ela
Se eu vos disser: «tudo abandonei»
É porque ela não é a do meu corpo,
Eu nunca me gabei,
Não é verdade
E a bruma de fundo em que me movo
Não sabe nunca se eu passei.O leque da sua boca, o reflexo dos seus olhos
Sou eu o único a falar deles,
O único a ser cingido
Por esse espelho tão nulo em que o ar circula
[através de mim
E o ar tem um rosto, um rosto amado,
Um rosto amante, o teu rosto,
A ti que não tens nome e que os outros ignoram,
O mar diz-te: sobre mim, o céu diz-te: sobre mim,
Os astros adivinham-te, as nuvens imaginam-te
E o sangue espalhado nos melhores momentos,
O sangue da generosidade
Transporta-te com delícias.Canto a grande alegria de te cantar,
A grande alegria de te ter ou te não ter,
A candura de te esperar, a inocência de te
[conhecer,
Ó tu que suprimes o esquecimento, a esperança e
[a ignorância,
Que suprimes a ausência e que me pões no mundo,
Ó Máquinas Febris
Ó máquinas febris! eu sinto a cada passo,
nos silvos que soltais, aquele canto imenso,
que a nova geração nos lábios traz suspenso
como a estância viril duma epopeia d’aço!Enquanto o velho mundo arfando de cansaço
prostrado cai na luta; em fumo negro e denso
levanta-se a espiral desse moderno incenso
que ofusca os deuses vãos, anuviando o espaço!Vós sois as criações fulgentes, fabulosas,
que, vibrantes, cruéis, de lavas sequiosas,
mordeis o pedestal da velha Majestade!E as grandes combustões que sempre vos consomem
começam, num cadinho, a refundir o homem
fazendo ressurgir mais larga a Humanidade!
Il Trovatore
Canta da torre o trovador saudoso –
Addio, Eleonora! Oh! sonhos meus!
E o canto se desprende harmonioso
Na vibração final do extremo adeus.Repercute, dolente, mavioso,
Subindo pelo Azul da Inspiração;
Assim canta também meu coração,
Trovador torturado e angustioso.Ai! não, não acordeis, lembranças minhas!
Saudades d’umas noutes em que vinhas
Cantar comigo em doce desafio!Mas, pouco a pouco, os sons esmorecendo,
Perdem-se as notas pelo Azul morrendo,
– Addio, Eleonora, addio, addio!