A Única Alegria Neste Mundo é a de Começar
A única alegria neste mundo é a de começar. É belo viver, porque viver é começar, sempre, a cada instante. Quando esta sensação desapaece – prisão, doença, hábito, estupidez – deseja-se morrer.
É por isso que quando uma situação dolorosa se reproduz de modo idêntico – parece idêntica – nada apaga o horror que tal coisa nos provoca.
O princípio acima enunciado não é, portanto, próprio de um viveur. Porque há mais hábito na experiência a todo o custo (cfr, o antipático «viajar a todo o custo») do que na charneira normal aceite com o sentido do dever e vivida com entusiasmo e inteligência. Estou convencido de que há mais hábito nas aventuras de do que num bom casamento.
Porque o próprio da aventura é conservar uma reserva mental de defesa; é por isso que não existem boas aventuras. Só é boa aventura aquela em que nos abandonamos: o matrimónio, em suma, talvez até aqueles que são feitos no céu.
Quem não sente o perene recomeçar que vivifica a existência normal de um casal é, no fundo, um parvo que, por mais que diga, não sente, sequer, um verdadeiro recomeçar em cada aventura.
A lição é sempre a mesma: atirarmo-nos para a frente e saber suportar o castigo.
Passagens de Cesare Pavese
132 resultadosÉ fácil ser-se bom quando se está apaixonado.
Todas as paixões passam e se apagam, excepto as mais antigas, aquelas da infância.
A dificuldade de praticar o suicídio está nisto: é um acto de ambição que só pode ser realizado depois de superada toda a espécie de ambição.
As desgraças não bastam para fazer de um cretino uma pessoa inteligente.
Em geral, quem não sabe dar um sentido à própria vida dispõe-se por profissão a sacrificar-se.
Não se deseja gozar. Deseja-se experimentar a vaidade de um prazer, para não se continuar obcecado por ele.
Fazer poesia é como fazer amor: nunca se saberá se a própria alegria é compartilhada.
Para agradar aos homens é preciso professar o que cada um desses homens repudia e odeia na sua vida secreta.
Uma coisa desagradável, se formos nós que a escolhemos, pode ser até um conforto, ao passo que, se for imposta por outrem, é toda sofrimento.
O fascínio subtil das convalescenças consiste no seguinte: regressar aos velhos hábitos com a ilusão de os descobrir.
Para se desprezar o dinheiro é preciso justamente tê-lo, e muito.
A política é a arte do possível. Toda a vida é política.
Não conseguimos livrar-nos de uma coisa evitando-a, mas apenas atravessando-a.
Toda a arte é um problema de equilíbrio entre dois opostos.
O Paradoxo da Sociedade totalmente Livre
A pessoa ou instituição que encarregamos de nos tornar felizes têm o direito de se queixarem se lhes recordarmos que, apesar de tudo, continuamos livres e senhores de recalcitrar. Tudo o que não conseguimos realizar sós, diminui a nossa liberdade. O doente nas mãos do médico é como a sociedade nas mãos do salvador – herói ou partido.
Como? Encarregamo-nos de organizar a sociedade – isto é, vós próprios, e depois, pretendeis continuar livres.
Precisamente porque não existe sociedade económica pura, toda a organização científica da economia contém em si a afirmação de uma mística – quer dizer, um credo estatal que atinge também a vida interior, e, assim como o organizador deve eliminar toda a heterodoxia económica, terá igualmente de eliminar as heterodoxias interiores.
Uma sociedade inteiramente orientada do ponto de vista económico e totalmente livre espiritualmente é uma contradição.
Todos os Prazeres Terminam pelo Enfartamento
Como o que o homem procura nos prazeres é um infinito, e como ninguém será jamais capaz de renunciar à esperança de atingir esse infinito, sucede, portanto, que todos os prazeres terminam pelo enfartamento. É um achado da Natureza para se arrancar violentamente a eles.
Deixa-se de ser jovem quando se compreende que de nada serve contar uma dor.
Dar Significado ao Tempo
Um dos prazeres humanos menos observados é o de preparar acontecimentos à distância, de organizar um grupo de acontecimentos que tenham uma construção, uma lógica, um começo e um fim. Este é quase sempre apercebido como um acme sentimental, uma alegre ou lisonjeira crise de conhecimento de si próprio. Isto aplica-se tanto à construção de uma resposta pronta como à de uma vida. E o que é isto, senão a premissa da arte de narrar? A arte narrativa apazigua precisamente esse gosto profundo.
O prazer de narrar e de escutar é o de ver os factos serem dispostos segundo aquele gráfico. A meio de uma narrativa volta-se às premissas e tem-se o prazer de encontrar razões, chaves, motivações causais. Que outra coisa fazemos quando pensamos no nosso próprio passado e nos comprazemos em reconhecer os sinais do presente ou do futuro? Esta construção dá, em substância, um significado ao tempo. E o narrar é, em suma, apenas um meio de o transformar em mito, de lhe fugir.
Perdoamos aos outros quando nos convém.