Passagens sobre Desgraças

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Frases sobre desgraças, poemas sobre desgraças e outras passagens sobre desgraças para ler e compartilhar. Leia as melhores citações em Poetris.

A Camões

Quando n’alma pesar de tua raça
A névoa da apagada e vil tristeza,
Busque ela sempre a glória que não passa,
Em teu poema de heroísmo e de beleza.

Gênio purificado na desgraça,
Tu resumiste em ti toda a grandeza:
Poeta e soldado… Em ti brilhou sem jaça
O amor da grande pátria portuguesa.

E enquanto o fero canto ecoar na mente
Da estirpe que em perigos sublimados
Plantou a cruz em cada continente,

Não morrerá, sem poetas nem soldados,
A língua em que cantaste rudemente
As armas e os barões assinalados.

A desgraça de um artista é nunca estar de consciência tranquila em relação à arte. Fez sempre tudo o que devia por ela? Desbastou a pedra até ao último alento? Ou deixou estátuas inteiras sepultadas na pedreira, por não ter coragem de suar mais?

Nos Campos O Vilão Sem Susto Passa

Nos campos o vilão sem susto passa
inquieto na corte o nobre mora;
o que é ser infeliz aquele ignora,
este encontra nas pompas a desgraça;

aquele canta e ri, não se embaraça
com essas coisas vãs que o mundo adora;
este (oh cega ambição!) mil vezes chora,
porque não acha bem que o satisfaça;

aquele dorme em paz no chão deitado,
este no ebúrneo leito precioso
nutre, exaspera velador cuidado,

triste, sai do palácio majestoso.
Se hás-de ser cortesão mas desgraçado,
anter ser camponês e venturoso.

Súplica

Se tudo foge e tudo desaparece,
Se tudo cai ao vento da Desgraça,
Se a vida é o sopro que nos lábios passa
Gelando o ardor da derradeira prece;

Se o sonho chora e geme e desfalece
Dentro do coração que o amor enlaça,
Se a rosa murcha inda em botão, e a graça
Da moça foge quando a idade cresce;

Se Deus transforma em sua lei tão pura
A dor das almas que o ideal tortura
Na demência feliz de pobres loucos…

Se a água do rio para o oceano corre,
Se tudo cai, Senhor! por que não morre
A dor sem fim que me devora aos poucos?

A Vida é um Sonho um Pouco Menos Inconstante

Se sonhássemos todas as noites a mesma coisa, ela afectar-nos-ia tanto como os objectos que vemos todos os dias. E, se um artista estivesse seguro de sonhar todas as noites, durante doze horas, que é um rei, creio que seria quase tão feliz como um rei que sonhasse todas as noites, durante doze horas, que era um artista.
Se sonhássemos todas as noites que somos perseguidos por inimigos, e agitados por esses fantasmas penosos, e se passássemos todos os dias em diversas ocupações, como quando se faz uma viagem, sofrer-se-ia quase tanto como se isso fosse verdadeiro, e apreender-se-ia o dormir como se apreende o despertar quando se teme entrar em semelhantes desgraças realmente. E, com efeito, isto faria pouco mais ou menos o mesmo mal que a realidade.
Mas, porque os sonhos são todos diferentes, e porque mesmo um se diversifica, o que se vê neles afecta bem menos que o que se vê acordado, por causa da continuidade, que não é contudo tão contínua e igual que não mude também, mas menos bruscamente, a não ser raramente, como quando se viaja; e então diz-se: «Parece-me que sonho»; pois a vida é um sonho um pouco menos inconstante.

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Portwine

O Douro é um rio de vinho
que tem a foz em Liverpool e em Londres
e em Nova-York e no Rio e em Buenos Aires:
quando chega ao mar vai nos navios,
cria seus lodos em garrafeiras velhas,
desemboca nos clubes e nos bars.

O Douro é um rio de barcos
onde remam os barqueiros suas desgraças,
primeiro se afundam em terra as suas vidas
que no rio se afundam as barcaças.

Nas sobremesas finas, as garrafas
assemelham cristais cheios de rubis,
em Cape-Town, em Sidney, em Paris,
tem um sabor generoso e fino
o sangue que dos cais exportamos em barris.
As margens do Douro são penedos
fecundados de sangue e amarguras
onde cava o meu povo as vinhas
como quem abre as próprias sepulturas:
nos entrepostos dos cais, em armazéns,
comerciantes trocam por esterlinos
o vinho que é o sangue dos seus corpos,
moeda pobre que são os seus destinos.

Em Londres os lords e em Paris os snobs,
no Cabo e no Rio os fazendeiros ricos
acham no Porto um sabor divino,

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Solitário

Como um fantasma que se refugia
Na solidão da natureza morta,
Por trás dos ermos túmulos, um dia,
Eu fui refugiar-me à tua porta!

Fazia frio e o frio que fazia
Não era esse que a carne nos conforta
Cortava assim como em carniçaria
O aço das facas incisivas corta!

Mas tu não vieste ver minha Desgraça!
E eu saí, como quem tudo repele,
– Velho caixão a carregar destroços –

Levando apenas na tumbas carcaça
O pergaminho singular da pele
E o chocalho fatídico dos ossos!

O Mundo Está tão Cheio de Livros como Falto de Verdades

O mundo está tão cheio de livros, como falto de verdades. E oxalá que nos homens fossem de algum modo tantos os frutos, quantas são sem número nos livros as folhas; mas a desgraça é que, por mais que sejam muitos os notadores dos livros, são muito mais os que no mundo vivem notados; e não basta vermos encadernados os livros, para que deixemos de ver desencademados os homens. Com efeito, são os livros os suores dos homens ou o engenho dos homens; e está o mundo tão emendado, que já ninguém vive do suor alheio.

De que Serve Discutir as Ideologias?

Para compreendermos o homem e as suas necessidades, para o conhecermos naquilo que ele tem de essencial, não precisamos de pôr em confronto as evidências das nossas verdades. Sim, têm razão. Têm todos razão. A lógica demonstra tudo. Tem razão aquele que rejeita que todas as desgraças do mundo recaiam sobre os corcundas. Se declararmos guerra aos corcundas, aprenderemos rapidamente a exaltar-nos. Vingaremos os crimes dos corcundas. E, sem dúvida, também os corcundas cometem crimes.
A fim de tentarmos separar este essencial, é necessário esquecermos por um instante as divisões que, uma vez admitidas, implicam todo um Corão de verdades inabaláveis e o inerente fanatismo. Podemos classificar os homens em homens de direita e em homens de esquerda, em corcundas e não corcundas, em fascistas e em democratas, e estas distinções são incontestáveis.
Mas sabem que a verdade é aquilo que simplifica o mundo, e não aquilo que cria o caos. A verdade é a linguagem que desencadeia o universal.
Newton não «descobriu» uma lei há muito disfarçada de solução de enigma, Newton efectuou uma operação criativa. Instituiu uma linguagem de homem capaz de exprimir simultaneamente a queda da maçã num prado ou a ascensão do sol.

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A Voz da Tília

Diz-me a tília a cantar: “Eu sou sincera,
Eu sou isto que vês: o sonho, a graça,
Deu ao meu corpo, o vento, quando passa,
Este ar escultural de bayadera…

E de manhã o sol é uma cratera,
Uma serpente de oiro que me enlaça…
Trago nas mãos as mãos da Primavera…
E é para mim que em noites de desgraça

Toca o vento Mozart, triste e solene,
E à minha alma vibrante, posta a nu,
Diz a chuva sonetos de Verlaine…”

E, ao ver-me triste, a tília murmurou:
“Já fui um dia poeta como tu…
Ainda hás de ser tília como eu sou…”

XXVI

Não vês, Nise, este vento desabrido,
Que arranca os duros troncos? Não vês esta,
Que vem cobrindo o céu, sombra funesta,
Entre o horror de um relâmpago incendido?

Não vês a cada instante o ar partido
Dessas linhas de fogo? Tudo cresta,
Tudo consome, tudo arrasa, e infesta,
O raio a cada instante despedido.

Ah! não temas o estrago, que ameaça
A tormenta fatal; que o Céu destina
Vejas mais feia, mais cruel desgraça:

Rasga o meu peito, já que és tão ferina;
Verás a tempestade, que em mim passa;
Conhecerás então, o que é ruína.

Entusiasmo-me às vezes, mas dura pouco o entusiasmo; isto enquanto a sensações e pensamentos, porque com os sentimentos é o contrário, infelizmente para mim. Tenho o pouco juízo e a patetice de ser constante; não é isso uma desgraça?

Para conhecermos os amigos é necessário passar pelo sucesso e pela desgraça. No sucesso, verificamos a quantidade e, na desgraça, a qualidade.

O Poder e o Conhecimento

Entre o conhecimento e o poder existe não só a relação de servilismo, mas também de verdade. Muitos conhecimentos, embora formalmente verdadeiros, são nulos fora de toda a proporção com a repartição de poderes. Quando o médico expatriado diz- “Para mim, Adolf Hitler é um caso patológico” – o resultado clínico acabará talvez por confirmar o seu juízo, mas a desproporção deste com a desgraça objectiva que, em nome do paranóico, se espalha pelo mundo faz de tal diagnóstico, com que se incha o diagnosticador, algo ridículo. Talvez Hitler seja “em si” um caso patológico, mas certamente não “para ele”. A vaidade e a pobreza de muitas manifestações do exílio contra o fascismo ligam-se a este facto. Os que expressam os seus pensamentos na forma de juízo livre, distanciado e desinteressado são os que não foram capazes de assumir nessa forma a experiência da violência, o que torna inútil tal pensamento. O problema, quase insolúvel, consiste aqui em não se deixar imbecilizar nem pelo poder dos outros nem pela impotência própria.