O Método é Necessário para a Procura da Verdade
Os mortais são dominados por uma curiosidade tão cega que, muitas vezes, envenenam o espírito por caminhos desconhecidos, sem qualquer esperança razoável, mas unicamente para se arriscarem a encontrar o que procuram: é como se alguém, incendiado pelo desejo tão estúpido de encontrar um tesouro, vagueasse sem cessar pelas praças públicas para ver se, casualmente, encontrava algum perdido por um transeunte. (…) não nego que tenham por vezes muita sorte nos seus caminhos errantes e encontrem alguma verdade; contudo, não estou de acordo que sejam mais competentes, mas apenas mais afortunados. Ora, vale mais nunca pensar em procurar a verdade de alguma coisa que fazê-lo sem método: é certíssimo, pois, que os estudos feitos desordenadamente e as meditações confusas obscurecem a luz natural e cegam os espíritos. Quem se acostuma a andar assim nas trevas enfraquece de tal modo a acuidade do olhar que, depois, não pode suportar a luz do pleno dia.
É a experiência que o diz: vemos muitissimas vezes os que nunca se dedicaram às letras julgar o que se lhes depara com muito maior solidez e clareza do que aqueles que sempre frequentaram as escolas. Entendo por método regras certas e fáceis, que permitem a quem exactamente as observar nunca tomar por verdadeiro algo de falso,
Passagens sobre Dia
2705 resultadosProcuro ser um artesão das palavras. Escrevo e reescrevo continuamente cada parágrafo, dia e noite, como se fosse um escultor compulsivo.
Desespero
Não eram meus os olhos que te olharam
Nem este corpo exausto que despi
Nem os lábios sedentos que poisaram
No mais secreto do que existe em ti.Não eram meus os dedos que tocaram
Tua falsa beleza, em que não vi
Mais que os vícios que um dia me geraram
E me perseguem desde que nasci.Não fui eu que te quis. E não sou eu
Que hoje te aspiro e embalo e gemo e canto,
Possesso desta raiva que me deuA grande solidão que de ti espero.
A voz com que te chamo é o desencanto
E o espermen que te dou, o desespero.
A Melhor Companhia
Considero saudável estar só na maior parte do tempo. Estar acompanhado, mesmo pelos melhores, cedo se torna enfadonho e dispersivo. Adoro estar só. Nunca encontrei um companheiro tão sociável como a solidão. Estamos geralmente mais sós quando viajamos com outros homens do que quando permanecemos nos nossos aposentos. Um homem quando pensa ou trabalha está sempre só, deixai-o pois estar onde ele deseja. A solidão não é medida pelas milhas de espaço que separam um homem e os seus congéneres.
O estudante verdadeiramente diligente de um dos enxames da Universidade de Cambridge está tão solitário como um derviche no deserto. O agricultor pode trabalhar sozinho no campo ou nos bosques durante todo o dia, mondando ou podando, e não se sentir solitário porque está ocupado; mas quando chega a casa, à noite, não consegue sentar-se numa sala sozinho, à mercê dos seus pensamentos. Tem que ir onde possa «estar com as pessoas», distrair-se e ser compensado pela solidão do seu dia; e, assim, interroga-se como pode o estudante estar só em casa durante toda a noite e grande parte do dia sem se aborrecer ou sentir-se deprimido. Mas ele não entende que o estudante, se bem que em casa,
Juventude
Lembras-te, Carlos, quando, ao fim do dia,
Felizes, ambos, íamos nadar
E em nossa boca a espuma persistia
Em dar ao Sol o nome do Luar?Tudo era fácil, melodioso e longo.
Aqui e além, um súbito ditongo
Ecoava em nós certa canção pagã.Contudo o azul do mar não tinha fundo
E o mundo continuava a ser o mundo
Banhado pela aragem da manhã!…
Identidade
Matei a lua e o luar difuso.
Quero os versos de ferro e de cimento.
E em vez de rimas, uso
As consonâncias que há no sofrimento.Universal e aberto, o meu instinto acode
A todo o coração que se debate aflito.
E luta como sabe e como pode:
Dá beleza e sentido a cada grito.Mas como as inscrições nas penedias
Têm maior duração,
Gasto as horas e os dias
A endurecer a forma da emoção.
A Eficiência no Trabalho, Hoje em Dia
A improbidade e ineficiência profissionais são talvez as características distintivas da nossa época. O artífice de outrora tinha que trabalhar; o operário actual tem de fazer uma máquina trabalhar. É um simples capataz de escravos de metal; torna-se tão embrutecido como um capataz de escravos, mas menos interessante, porque nem sequer se lhe pode chamar tirano.
Tal como o capataz de escravos se torna escravo da sua função e adquire, desse modo uma mentalidade de escravo, ainda que de um escravo mais afortunado, também o capataz de máquinas se transforma numa mera alavanca biótica, numa espécie de mecanismo de arranque associado a um motor.Participar na produção em massa pode permitir que um homem continue a ser um ser humano decente; na verdade, é algo tão vil que não o afecta necessariamente. Mas participar na produção em massa não permite que ele continue a ser um operário humano decente.
A eficiência é menos complexa, hoje em dia. A ineficiência pode, por isso, passar facilmente por eficiência e ser, na verdade, eficiente.
Balada de Lisboa
Em cada esquina te vais
Em cada esquina te vejo
Esta é a cidade que tem
Teu nome escrito no cais
A cidade onde desenho
Teu rosto com sol e TejoCaravelas te levaram
Caravelas te perderam
Esta é a cidade onde chegas
Nas manhãs de tua ausência
Tão perto de mim tão longe
Tão fora de seres presenteEsta e a cidade onde estás
Como quem não volta mais
Tão dentro de mim tão que
Nunca ninguém por ninguém
Em cada dia regressas
Em cada dia te vaisEm cada rua me foges
Em cada rua te vejo
Tão doente da viagem
Teu rosto de sol e Tejo
Esta é a cidade onde moras
Como quem está de passagemÀs vezes pergunto se
Às vezes pergunto quem
Esta é a cidade onde estás
Com quem nunca mais vem
Tão longe de mim tão perto
Ninguém assim por ninguém
Só as crianças e os bem velhinhos conhecem a volúpia de viver dia a dia, hora a hora, e suas esperanças são breves.
Deixa cair as tuas interrogações sobre o que o amanhã te pode trazer, e considera como um lucro cada dia que o Destino te dá.
O tempo é um ponto de vista. Velho é quem é um dia mais velho que a gente…
O que Nós Vemos das Cousas São as Cousas
O que nós vemos das cousas são as cousas.
Por que veríamos nós uma cousa se houvesse outra?
Por que é que ver e ouvir seria iludirmo-nos
Se ver e ouvir são ver e ouvir?
O essencial é saber ver,
Saber ver sem estar a pensar,
Saber ver quando se vê,
E nem pensar quando se vê
Nem ver quando se pensa.
Mas isso (tristes de nós que trazemos a alma vestida!),
Isso exige um estudo profundo,
Uma aprendizagem de desaprender
E uma seqüestração na liberdade daquele convento
De que os poetas dizem que as estrelas são as freiras eternas
E as flores as penitentes convictas de um só dia,
Mas onde afinal as estrelas não são senão estrelas
Nem as flores senão flores.
Sendo por isso que lhes chamamos estrelas e flores.
Estes Versos Antigos
Estes versos antigos que eu dizia
Ao compasso que marca o coração
Lembram ainda?… Lembrarão um dia…
— Nas memórias dispersas recolhidas
Sequer na piedosa devoçãoDe algum livro de cousas esquecidas?
— Acaso o que ora canta… vive… existe
Nunca mais lembrará — eternamente?
E vindo do não ser, vai, finalmente,
Dormir no nada… majestoso e triste?
espaço interior
quando o poema
são restos do naufrágio
do espaço interior
numa furtiva luz
desesperada,resvalando até
à superfície,
lisa, firme, compacta,
das coisas que todos
os dias agarramos,quando
o poema as envolve
numa aura verbal
e se incorpora nelas,
ou são elas a impor-lhea sua metafísica
e o espaço exterior
que povoam de
temporalidades eriçadas,
luzes cruas, sons ínfimos, poeiras.
Contra a Esperança
É preciso esperar contra a esperança.
Esperar, amar, criar
contra a esperança
e depois desesperar a esperança
mas esperar,
enquanto um fio de água, um remo,
peixes
existem e sobrevivem
no meio dos litígios;
enquanto bater a máquina de coser
e o dia dali sair
como um colete novo.É preciso esperar
por um pouco de vento,
um toque de manhãs.
E não se espera muito.
Só um curto-circuito
na lembrança. Os cabelos,
ninhos de andorinhas
e chuvas. A esperança,
cachorro
a correr sobre o campo
e uma pequena lebre
que a noite em vão esconde.O universo é um telhado
com sua calha tão baixo
e as estrelas, enxame
de abelhas na ponta.É preciso esperar contra a esperança
e ser a mão pousada
no leme de sua lança.E o peito da esperança
é não chegar;
seu rosto é sempre mais.
É preciso desesperar
a esperança
como um balde no mar.Um balde a mais
na esperança.
CHOVEU durante quatro anos, onze meses e dois dias.
Mil dias não bastam para aprender o bem; mas para aprender o mal, uma hora é demais.
A Inépcia é Pior que a Falsidade
Toda a gente pode falar com verdade; mas falar com ordem, com prudência e capazmente, poucos o podem. Por isso, a falsidade que vem da ignorância não me ofende; a inépcia, sim. Quebrei várias negociações que me eram úteis, por causa da estupidez que punham nas discussões aqueles com quem negociava. Nem uma vez por ano me irrito com as faltas dos meus subordinados; mas, no que respeita à idiotice e teimosia das suas alegações, às desculpas e defesas asininas e brutas, andamos todos os dias às turras. Não entendem nem o que se lhes diz nem a razão das coisas e respondem na mesma; é de desesperar.
Só outra cabeça é capaz de impressionar fortemente a minha e acomodo-me melhor com os erros dos meus do que com a sua leviandade, impertinência e estupidez. Que façam menos, contanto que façam bem alguma coisa; vive-se na esperança de lhes excitar a vontade, mas de estúpidos não há que esperar nem que lucrar coisa que valha.
Amar restitui a alegria. O desamor nos leva por veredas da tristeza, encurta nossas noites, aflige nossos dias. Amar nos recompõe o equilíbrio, nos eleva o astral e nos permite encontrar a paz em nós mesmos!
Colhe o dia presente e sê o menos confiante possível no futuro.