Quem conta sem o hĂłspede, conta duas vezes.
Passagens sobre Dois
1685 resultadosDuas semi-verdades nĂŁo fazem uma verdade.
MĂşsica Da Hora
Habito a pausa no hábito da pauta
música de silêncios e soluços
a refrear desmandos dos impulsos
que se querem agudos sons de flauta.A vida Ă© toda mĂşsica em seu curso
do grito original em rima incauta
ao sussurro que se ouve em cama infausta
nesse fim dissonante do percurso.O tempo se encarrega do metrĂ´nomo
unido a dois ponteiros de um cronĂ´metro
em que o delgado veste-se de momopara alegrar as horas do pequeno
que dança a marcha gris em chão sereno
fugindo ao dois por quatro do abandono.
Há tĂŁo pouca distância entre a felicidade e a infelicidade, que apenas as separa uma pequena sĂlaba e diferem uma da outra em duas letras.
O amor sĂł existe quando duas pessoas se encontram no meio de duas viagens diferentes.
SolidĂŁo
Aproximo-me da noite
o silĂŞncio abre os seus panos escuros
e as coisas escorrem
por Ăłleo frio e espessoEsta deveria ser a hora
em que me recolheria
como um poente
no bater do teu peito
mas a solidĂŁo
entra pelos meus vidros
e nas suas enlutadas mĂŁos
solto o meu delĂrioÉ entĂŁo que surges
com teus passos de menina
os teus sonhos arrumados
como duas tranças nas tuas costas
guiando-me por corredores infinitos
e regressando aos espelhos
onde a vida te encarouMas os ruĂdos da noite
trazem a sua esponja silenciosa
e sem luz e sem tinta
o meu sonho resignaLonge
os homens afundam-se
com o caju que fermenta
e a onda da madrugada
demora-se de encontro
Ă s rochas do tempo
Há duas coisas que a experiência deve ensinar: a primeira é que é preciso corrigir muita coisa; a segunda é que não se deve corrigir demais.
Eu cantarei de amor tão docemente, Por uns termos em si tão concertados, Que dois mil acidentes namorados Faça sentir ao peito que não sente
Pecadora
Tinha no olhar cetĂneo, aveludado,
A chama cruel que arrasta os corações,
Os seios rijos eram dois brasões
Onde fulgia o simb’lo do Pecado.Bela, divina, o porte emoldurado
No mármore sublime dos contornos,
Os seios brancos, palpitantes, mornos,
Dançavam-lhe no colo perfumado.No entanto, esta mulher de grã beleza,
Moldada pela mĂŁo da Natureza,
Tornou-se a pecadora vil. Do fado,Do destino fatal, presa, morria
Uma noute entre as vascas da agonia
Tendo no corpo o verme do pecado!
Pessoas que nĂŁo se arriscam geralmente cometem dois grandes erros por ano. Pessoas que se arriscam normalmente cometem dois grandes erros por ano.
O Estado de Transe
O estado de transe Ă© um estado quase normal no ser humano; basta muito pouco para provocá-lo. Uma coisa de nada, um pouco de álcool no sangue, um pouco de droga, excesso de oxigĂ©nio, a cĂłlera, o cansaço. Mas este estado Ă© interessante na medida em que Ă© orientável. Trata-se de um balanço, mas esse lança mĂŁo das regiões desconhecidas do nosso espĂrito. De facto, nĂŁo há fundamentalmente nenhuma diferença, entre um homem intoxicado pelo álcool e um santo que se entregue ao ĂŞxtase. E no entanto há apesar de tudo uma diferença: a da interpretação. O momento de loucura Ă© preparado por uma etapa onde o assunto Ă© mergulhado numa espĂ©cie de vacilação da consciĂŞncia, de excitação cerebral violenta. É esse momento que fabrica verdadeiramente o ĂŞxtase e lhe dá o sentido. Enquanto o ĂŞxtase em si mesmo Ă© cego. É o vazio total, sem ascensĂŁo nem queda. A calma plana. Tanto quanto se possa dizer que o santo nunca conhecerá Deus. Aproxima-O, depois regressa. E estas duas etapas sĂŁo as que sĂŁo. Entre as duas, Ă© o nada. O vazio, a amnĂ©sia completa. No momento X do ĂŞxtase, o santo e o intoxicado sĂŁo semelhantes, estĂŁo no mesmo local.
Quando Toda és Terra a Terra
Marga, teu busto tufa,
Dois gomos e véus de ilhal
Palpitam palmo de gente
Nesse tefe-tefe igual
E há qualquer coisa de ardente
Que se endireita e que rufa
Nem tambor a general.Marga, teu peitinho estringes,
Toca a quebrados na praça
De armas que empunham rapazes
De guarda a uma egĂpcia esfinge,
E um vento de guerra passa
E o pau da bandeira ringe
Antes de fazer as pazes.Marga, que deusa de guerra,
A MiosĂłtis se interpĂ´s
Quando toda és terra a terra
Cálice de rododendro
Zango nunca em ti se pĂ´s
Em estames senĂŁo tremendo…
A força de dois cavalos é igual à de quinze homens.
Reciclagem de Amizades
Um homem de mente activa e elástica desgasta as suas amizades, assim como certamente desgasta os seus casos amorosos, as suas tendĂŞncias polĂticas e a sua epistemologia. Elas tornam-se puĂdas, esfrangalhadas, artificiais, irritantes e deprimentes. Transformam-se de realidades vivas em nulidades moribundas, e entram em sinistra oposição Ă liberdade, ao auto-respeito e Ă verdade. É tĂŁo repelente conservá-las, depois que se tornam ocas e podem ser sopradas como uma mosca, quanto manter uma paixĂŁo depois que esta paixĂŁo já se tornou um cadáver. Todo o homem prudente, ao lembrar-se de que a vida Ă© curta, deveria dispensar uma hora ou duas, de vez em quando, para um exame crĂtico de suas amizades. Deve pesá-las, repensá-las, testar se ainda contĂŞm algum metal. Algumas poderĂŁo sobreviver, talvez com mudanças radicais nos seus termos. Mas a maioria será varrida em poucos minutos e ele tentará esquecĂŞ-las, assim como tenta esquecer os seus frios e pegajosos amores do ano retrasado.
Corte sua própria lenha. Assim, ela aquecerá você duas vezes.
Existem dois lados para cada pergunta.
A Vida Ă© LĂquida
É crua a vida. Alça de tripa e metal.
Nela despenco: pedra mĂłrula ferida.
É crua e dura a vida. Como um naco de vĂbora.
Como-a no livro da lĂngua
Tinta, lavo-te os antebraços, Vida, lavo-me
No estreito-pouco
Do meu corpo, lavo as vigas dos ossos, minha vida
Tua unha pĂşmblea, me casaco rosso
E perambulamos de coturno pela rua
Rubras, gĂłticas, altas de corpo e copos.
A vida Ă© crua. Faminta como o bico dos corvos.
E pode ser tĂŁo generosa e mĂtica: arroio, lágrima
Olho d’água, bebida. A vida Ă© liquĂda.TambĂ©m sĂŁo cruas e duras as palavras e as caras
Antes de nos sentarmos Ă mesa, tu e eu, Vida
Diante do coruscante ouro da bebida. Aos poucos
Vão se fazendo remansos, lentilhas d’água, diamantes
Sobre os insultos do passado e do agora. Aos poucos
Somos duas senhoras, encharcadas de riso, rosadas
De um amora, um que entrevi no teu hálito, amigo
Quando me permitiste o paraĂso. O sinistro das horas
Vai se fazendo olvido. Depois deitadas, a morte
É um rei que nos visita e nos cobre de mirra.
Versos A Um Coveiro
Numerar sepulturas e carneiros,
Reduzir carnes podres a algarismos,
Tal Ă©, sem complicados silogismos,
A aritmĂ©tica hedionda dos coveiros!Um, dois, trĂŞs, quatro, cinco… Esoterismos
Da Morte! E eu vejo, em fĂşlgidos letreiros,
Na progressĂŁo dos nĂşmeros inteiros
A gênese de todos os abismos!Oh! Pitágoras da última aritmética,
Continua a contar na paz ascética
Dos tábidos carneiros sepulcraisTĂbias, cĂ©rebros, crânios, rádios e Ăşmeros,
Porque, infinita como os prĂłprios nĂşmeros
A tua conta nĂŁo acaba mais!
Sempre E Sempre
De longe ou perto, juntas, separadas,
Olhando sempre os mesmos horizontes,
Presas, unidas nossas duas fontes
Gêmeas, ardentes, novas, inspiradas;Vendo cair as lágrimas prateadas,
Sentindo o coro harmĂ´nico das fontes,
Sempre fitando a cĂşspide dos montes
E o rosicler das frescas alvoradas;Sempre embebendo os lĂmpidos olhares
Na claridĂŁo dos humildes luares,
No loiro sol das crenças se embebendo,Vão nossas almas brancas e floridas
Pelo futuro azul das nossas vidas,
Sempre se amando, sempre se querendo.
O sexo, como a vida, deveria ser o mais simples e amigável possĂvel. Misturar as duas coisas, atravĂ©s dos palavrões, parece-me muito saudável. Deixá-los fechados atrás dos lençois e atrás das portas Ă© condená-los a uma existĂŞncia bafienta que nĂŁo merecem.