Para sonhar um ano novo que mereça este nome, você, meu caro, tem de merecê-lo, tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil, mas tente, experimente, consciente. É dentro de você que o Ano Novo cochila e espera desde sempre.
Passagens sobre Espera
482 resultadosEsfinge
Sou filha da charneca erma e selvagem.
Os giestais, por entre os rosmaninhos,
Abrindo os olhos d’oiro, p’los caminhos,
Desta minh’alma ardente são a imagem.Embalo em mim um sonho vão, miragem:
Que tu e eu, em beijos e carinhos,
Eu a Charneca e tu o Sol, sozinhos,
Fôssemos um pedaço de paisagem!E à noite, à hora doce da ansiedade
Ouviria da boca do luar
O De Profundis triste da saudade…E à tua espera, enquanto o mundo dorme,
Ficaria, olhos quietos, a cismar…
Esfinge olhando a planície enorme…
Últimas Vontades
Na branca praia, hoje deserta e fria,
De que se gosta mais do que de gente,
Na branca praia, onde te vi um dia
Para sonhar, já tarde, eternamente,Achei (ia jurá-lo!) à nossa espera,
Intacto o rasto dos antigos passos,
Aquela praia, inamovível, era
Espelho de pés leves, depois lassos!E doravante, imploro, em testamento,
Que, nesta areia, a espuma seja a tiara
Do meu cadáver, preso ao teu e ao vento…— Vaivém sexual, que o mar lega aos defuntos? —
Se em vida, agora, tudo nos separa
Ó meu amor, apodreçamos juntos!
Que o amor é como o mar: sendo infinito espera ainda em outra água se completar.
Iniciação ao Diálogo
I
De início bastará que olhes mais vezes
na mesma direcção hoje evitada
(estandartes nos olhos são mais leves
do que no coração duros tambores),
ainda que o teu olhar próprio não rompa
as lajes de ódio com que te muraste.II
O vento e chuva e tempo, sobre a pedra
passando sempre, hão-de gastá-la: um dia,
antes que a obture o musgo ou algum pássaro
aí faça o ninho fofo, encontrarás,
entre o lado que afirmas teu e o outro,
uma réstia de azul — o azul de todos.III
Talvez rumor de passos, para além
do muro atravessado aos teus desígnios…
Não porás terra onde se pôs o céu:
ver o que diz o ouvido agora queres,
e onde a rocha fendeu-se cabe um olho
humano e mais a boca do fuzil.IV
Provando frágil o que acreditavas
inexpugnável, eis que em ti se fixam
atentos outro olho e outro fuzil!V
Contemplador e contemplado, hesitas
aprendendo na espera o inesperado:
lares como os que tens,
Os adjetivos encomiásticos enfileiram-se no dicionário à espera de novos governantes.
O pessimista queixa-se do vento; o optimista espera que este mude; o realista ajusta as velas.
Surdina
No ar sossegado um sino canta,
Um sino canta no ar sombrio…
Pálida, Vênus se levanta…
Que frio!Um sino canta. O campanário
Longe, entre névoas, aparece…
Sino, que cantas solitário,
Que quer dizer a tua prece?Que frio! embuçam-se as colinas;
Chora, correndo, a água do rio;
E o céu se cobre de neblinas.
Que frio!Ninguém… A estrada, ampla e silente,
Sem caminhantes, adormece…
Sino, que cantas docemente,
Que quer dizer a tua prece?Que medo pânico me aperta
O coração triste e vazio!
Que esperas mais, alma deserta?
Que frio!Já tanto amei! já sofri tanto!
Olhos, por que inda estais molhados?
Por que é que choro, a ouvir-te o canto,
Sino que dobras a finados?Trevas, caí! que o dia é morto!
Morre também, sonho erradio!
A morte é o último conforto…
Que frio!Pobres amores, sem destino,
Soltos ao vento, e dizimados!
Inda vos choro… E, como um sino,
Meu coração dobra a finados.E com que mágoa o sino canta,
Este Retrato Vosso é o Sinal
Este retrato vosso é o sinal
ao longe do que sois, por desamparo
destes olhos de cá, porque um tão claro
lume não pode ser vista mortal.Quem tirou nunca o sol por natural?
Nem viu, se nuvens não fazem reparo,
em noite escura ao longe aceso um faro?
Agora se não vê, ora vê mal.Para uns tais olhos, que ninguém espera
de face a face, gram remédio fora
acertar o pintor ver-vos sorrindo.Mas inda assim não sei que ele fizera,
que a graça em vós não dorme em nenhuma hora.
Falando que fará? Que fará rindo?
O Drama de Amar
O drama de amar é não haver sucedâneos.
E tudo o resto sabe a merda. Porque houve o teu abraço, porque existe o teu cheiro. Amei-te para sempre mesmo que já não te ame. Ficou em mim a tarde em que pela primeira vez o nosso corpo (o teu arfar a mostrar-me que língua se fala no cėu, a tua boca a mostrar-me o tamanho de um beijo), e a partir daí fiquei órfão de um corpo sempre que não fosse o teu corpo. E quando chegou o dia da despedida eu soube que tinha chegado o dia de para sempre.
O drama de amar é não admitir a morte.
Há uma mulher a mais sempre que amo um corpo que não é o teu. E um homem a menos. Deito-me, aperto, espremo (o encaixe perfeito das tuas costas nos meus braços, o cheiro dos teus lábios no suor do meu pescoço). E até um orgasmo comprova a hipocrisia da carne. Despedi-me de orgasmos quando me despedi de ti. Já me deitei com tantas e é sempre o teu boa-noite que me adormece.
O drama de amar é só criar réplicas.
Tudo o que amo és tu.
Tu, que não és senhor do teu amanhã, não adies o momento de gozar o prazer possível! Consumimos nossa vida a esperar e morremos empenhados nessa espera do prazer.
Neste mundo não há ninguém insubstituível. Por muitos conhecimentos e faculdades que uma pessoa tenha, regra geral, existe sempre um sucessor à espera de ser encontrado. Se o mundo estivesse cheio de pessoas insubstituíveis, teríamos sérios problemas.
O Individual como Base do Colectivo
Tudo quanto é apenas colectivo é desordem. A ordem vem da composição individual. Mas a composição individual para formar em si a ordem necessita de que esta também se projecte no colectivo.
A expressão do colectivo é o pânico. O terror só se submete pelo terror. O pânico tem duas expressões de terror: a centrífuga e a centrípeta. A expressão que se desfaz a si mesma e a que permanece estática e se adentra.A única maneira de aparentar a ordem no colectivo é manejar o pânico. Mas como todo o estado psíquico, por mais inteiro que se apresente tende a suavizar-se se era violento e a tornar-se violento se era suave, é necessário para manter o estado de pânico, que se lhe estabeleçam tantas modalidades diferentes e sucessivas que consigam realmente fazer desviar as atenções da sua insistência. Porém, este processo não tem fim. É o processo da mística colectiva. Filha do desespero individual, a mística colectiva não faz alterar a realidade mas consegue temporáriamente submeter todos os indivíduos às mesmas circunstâncias. E até que se formem as novas élites as místicas colectivas são espera.
Ao vermos os grandes exércitos, reluzentes nas paradas ou disfarçados com a própria cor da terra das batalhas,
Sou novo é verdade; mas, para os espíritos bem nascidos. O valor não fica à espera da soma dos anos vividos.
O suicida espera provar que não ser é superior a ser.
A Vida
“A Vida”
IV
“…A vida é assim, uma ânsia… feito a vaga
que se ergue e rola a espumejar na areia,
– apor esse bem que a tua mão semeia
espera o mal que ainda terás por paga!A essa hora boa que te agrada e enleia
sucede uma outra torturante e aziaga,
– a vida é assim… um canto de sereia
que à morte nos convida, e nos afaga…O teu sonho melhor bem pouco dura,
e há sempre”um amanhã”cheio de dor
para”um hoje”nem sempre de ventura…Toma entre as mãos o búzio da alegria
e surpreso verás que no interior
canta profunda e imensa nostalgia!…”
Não Sou Digno de um Anjo Tão Doce como Tu
Bom dia, anjo querido, beijo-te muito. Pensei em ti durante todo o caminho. Acabo de chegar. Sinto-me cansado e instalei-me para te escrever. Acabam de trazer-me chá, e água para me lavar, mas no intervalo escrevo-te umas linhas. (…) Na sala de espera da estação andei de lá para cá a pensar em ti e dizia comigo: mas porque deixei eu a minha Anuska?
Recordava tudo, até ao mais ínfimo escaninho da tua alma e do teu coração. Desde que casámos que descobri não ser digno de um anjo tão doce, tão belo, tão puro como tu – e que crê em mim. Como pude eu deixar-te? Para onde vou? Porquê? Deus confiou-te a mim para que nenhuma das riquezas da tua alma se perdesse – pelo contrário, para que tudo se desenvolva e floresça rica e esplendorosamente. Deus entregou-te a mim para que, por ti, eu resgate os meus enormes pecados, ao apresentar-te a Ele amadurecida, conservada, salva de tudo o que é baixo e ofende o espírito. E eu (…) eu o que faço é perturbar-te com coisas tão estúpidas como a minha viagem a este lugar.
O Prazer em Perspectiva: a Esperança
A esperança é filha do desejo, mas não é o desejo. Constitui uma aptidão mental, que nos fez crer na realização de um desejo. Podemos desejar uma coisa sem que a esperemos. Toda gente deseja a fortuna, muito poucos a esperam. Os sábios desejam descobrir a causa primitiva dos fenômenos; eles não têm nenhuma esperança de consegui-lo. O desejo aproxima-se algumas vezes da esperança, a ponto de confundir-se com ela. Na roleta, eu desejo e espero ganhar.
A esperança é uma forma de prazer em expectativa que, na sua atual fase de espera, constitui uma satisfação freqüentemente maior do que o contentamento produzido pela sua realização. A razão é evidente. O prazer realizado limita-se em quantidade e em duração, ao passo que nada limita a grandeza do sonho criado pela esperança. A força e o encanto da esperança consistem em conter todas as possibilidades de prazer. Ela constitui uma espécie de vara mágica que transforma tudo. Os reformadores nunca fizeram mais do que substituir uma esperança por outra.
Vita Nuova
De onde e veio esse tremor de ninho
A alvorecer na morta madrugada?
Era todo o meu ser… Não era nada,
Senão na pele a sombra de um carinho.Ah, bem velho carinho! Um desalinho
De dedos tontos no painel da escada…
Batia a minha cor multiplicada,
– Era o sangue de Deus mudado em vinho!Bandeiras tatalavam no alto mastro
Do meu desejo. No fervor da espera
Clareou à distância o súbito alabastro.E na memória, em nova primavera,
Revivesceu, candente como um astro,
A flor do sonho, o sonho da quimera.
Soneto Sentimental À Cidade De São Paulo
Ó cidade tão lírica e tão fria!
Mercenária, que importa – basta! – importa
Que à noite, quando te repousas morta
Lenta e cruel te envolve uma agoniaNão te amo à luz plácida do dia
Amo-te quando a neblina te transporta
Nesse momento, amante, abres-me a porta
E eu te possuo nua e frígida.Sinto como a tua íris fosforeja
Entre um poema, um riso e uma cerveja
E que mal há se o lar onde se esperaTraz saudade de alguma Baviera
Se a poesia é tua, e em cada mesa
Há um pecador morrendo de beleza?