As Tuas Lágrimas
As tuas lágrimas respiram e florescem, o lugar onde te sentas é o rio que corre em sobressalto por dentro de uma árvore, seiva renovada que transporta palavras até às folhas felizes de~um amor demorado e ainda puro. E essa ávore fala através das tuas palavras, demora-se em conversas com as abelhas, com os gaios, com o vento.
As tuas lágrimas iluminam as páginas alucinadas dos livros de poesia, e as mesas claras tão cheias de frutos que se assemelham a fogueiras ruivas, alimento privilegiado de um imenso e intenso dragão que me aquece o sangue.
As tuas lágrimas transbordam os grandes lagos dos meus olhos e eu choro contigo os grandes peixes da ternura, esses mesmos peixes que são os arquitectos perturbados de uma relação sem tempo mas alimentada por primaveras que de tão altas são inquestionáveis.
As tuas lágrimas fertilizam as searas celestes, arrefecem o movimento dos vulcões, absorvem toda a beleza do arco-íris, embebedam-se com a doçura das estrelas. E são oferendas à mãe terra, o reconhecimento final do princípio do nosso pequeno mundo. As tuas lágrimas são minhas amigas. São as minhas lágrimas. A forma de chorar-te cheio de alegria, ferido por esta felicidade de amar-te muito,
Passagens sobre Estrelas
607 resultadosPosse II
Ele —
Seduzir o cotidiano pelo corpo.
Penetrá-lo deste brilho longo,
compacto,
onde o cansaço não é tédio
mas úmido intervalo.A paisagem não sustenta
mais os olhos; estrelas
despojaram-se dos monólogos,
a flor voltou a si, não mais
dizer exausto, a primavera guardou
sua intimidade no discurso
das árvores, e o amor,
esgarçado de imagens,
procurou outro equilíbrio
além da frase, de um silêncio
a outro.Nem sempre a paz levou-nos
a suas tácitas paragens:
a liberdade aspirou um ser estranho,
em que de novo nos olhássemos.No corpo prosseguimos
onde o amor parava.
E inventamos. Sem palavras
tornamos nossa a carne da manhã,
a exaurir o tempo, sem fidelidade
alguma, no dia imprevisível,
além do nosso invento.
A Grande Originalidade
É curioso. Só se julga profundo o que disser coisas diferentes de toda a gente. E todavia a grande originalidade está em dizer as mesmas coisas, mas ao nível do espanto e maravilha que nos despertam. Toda a gente sabe que o homem é mortal, mas poucos vêem isso e se espantam de que seja assim. Toda a gente sabe que há bichos e plantas e estrelas e o mais. Mas conhecê-lo ao nível do extraordinário que aí existe é raro como ser doido.
A grande originalidade não é dizer coisas novas mas ser novo diante das coisas velhas.
Se de noite chorares pelo sol, não verás as estrelas.
Criança
Cabecinha boa de menino triste,
de menino triste que sofre sozinho,
que sozinho sofre, — e resiste,Cabecinha boa de menino ausente,
que de sofrer tanto se fez pensativo,
e não sabe mais o que sente…Cabecinha boa de menino mudo
que não teve nada, que não pediu nada,
pelo medo de perder tudo.Cabecinha boa de menino santo
que do alto se inclina sobre a água do mundo
para mirar seu desencanto.Para ver passar numa onda lenta e fria
a estrela perdida da felicidade
que soube que não possuiria.
Equu (Para O Poeta Rafael Courtoisie)
Nos astros me perdia logo cedo
enquanto a luz vestia-me de noites.
Então chorava no meu ombro o enredo
grave galope breve com seus coices.As éguas do destino cospem medos
sabendo-me alazão de muitas foices,
ou pangaré lunar dos meus degredos.
Por isso perseguiam-me nas noitesàquelas mais escuras sem estrelas
nas quais sou presa fácil sem que fosse
porque flechando verbos sei contê-las.Não eram éguas mouras dos desertos
senão potrancas férteis com seus roces
estas que vinham mansas muito perto.
Se as Penas com que Amor Tão Mal me Trata
Se as penas com que Amor tão mal me trata
Permitirem que eu tanto viva delas,
Que veja escuro o lume das estrelas,
Em cuja vista o meu se acende e mata;E se o tempo, que tudo desbarata,
Secar as frescas rosas, sem colhê-las,
Deixando a linda cor das tranças belas
Mudada de ouro fino em fina prata;Também, Senhora, então vereis mudado
O pensamento e a aspereza vossa,
Quando não sirva já sua mudança.Ver-vos-eis suspirar por o passado,
Em tempo quando executar-se possa
No vosso arrepender minha vingança.
A Idade
Falou e disse um pássaro,
dois sóis, uma pequena estrela.
Falou para que calássemos
e disse amor, penúria, brevidade.
E disse disse disse
a idade da eternidade.
Alma Fatigada
Nem dormir nem morrer na fria Eternidade!
Mas repousar um pouco e repousar um tanto,
Os olhos enxugar das convulsões do pranto,
Enxugar e sentir a ideal serenidade.A graça do consolo e da tranqüilidade
De um céu de carinhoso e perfumado encanto,
Mas sem nenhum carnal e mórbido quebranto,
Sem o tédio senil da vã perpetuidade.Um sonho lirial d’estrelas desoladas
Onde as almas febris, exaustas, fatigadas
Possam se recordar e repousar tranqüilas!Um descanso de Amor, de celestes miragens,
Onde eu goze outra luz de místicas paisagens
E nunca mais pressinta o remexer de argilas!
A Certeza do Nosso Amor
A certeza do nosso amor era calma. Ao escrever, algo de nós se tocava. Ao escrever, sentia-a passar por mim, sentia-a atravessar-me. Depois, fechava os olhos e via-a sorrir. Ainda dentro de mim, mas um pouco do seu rosto de anjo e da lonjura do seu olhar e dos seus gestos brandos a existir na página, no texto. Às vezes, levantava-me, segurava as folhas a tremerem-me na mão e lia devagar. Após cada frase, parava e ouvia-a lida na memória. Ela era o texto. Cada palavra a dizia, cada palavra era o nome dos seus gestos e de tudo o que em si era belo. Ela era o sentido das palavras. Ela não era nem material, nem imaterial. Ela era o sentido das palavras. Nem sequer terra, nem sequer céu, estrelas, noite. Existia para lá do que podemos tocar ou entender. Ela era aquilo que existia, porque era sentida por mim. Existia dentro de mim e existia no texto para quem o lesse. Existia porque existia, porque existia para ser sentida. As noites passavam e conhecíamo-nos. Por ela estar dentro de mim e dentro do texto escrito pela minha mão, cheguei a pensar que era parte de mim. Enganei-me. Ela era maior do que eu.
Ainda que chova, ainda que doa. Ainda que a distância corroa as horas do dia e caia a noite sem estrelas, o mundo brilha um pouquinho mais a cada vez que você sorri.
A estrela cadente me caiu ainda quente na palma da mão
Jogando a tarrafa caboclo desfaz a lua. Pesca estrelas de escama.
Enquanto você continuar vendo as estrelas como algo em cima de você continuará sem o conhecimento.
A Tua Beleza para Mim Está em Existires
Última estrela a desaparecer antes do dia,
Pouso no teu trêmulo azular branco os meus olhos calmos,
E vejo-te independentemente de mim;
Alegre pelo critério (?) que tenho em Poder ver-te
Sem “estado de alma” nenhum, sonho ver-te.
A tua beleza para mim está em existires
A tua grandeza está em existires inteiramente fora de mim.
Ela acreditava em anjo e, porque acreditava, eles existiam. (A Hora da Estrela)
Os seus olhos ganharam brilho num silencioso agradecimento: só é olhado pelo céu quem olha para as estrelas.
Bela D’Amor
Pois essa luz cintilante
Que brilha no teu semblante
Donde lhe vem o ‘splendor?
Não sentes no peito a chama
Que aos meus suspiros se inflama
E toda reluz de amor?Pois a celeste fragrância
Que te sentes exalar,
Pois, dize, a ingénua elegância
Com que te vês ondular
Como se baloiça a flor
Na Primavera em verdor,
Dize, dize: a natureza
Pode dar tal gentileza?
Quem ta deu senão amor?Vê-te a esse espelho, querida,
Ai!, vê-te por tua vida,
E diz se há no céu estrela,
Diz-me se há no prado flor
Que Deus fizesse tão bela
Como te faz meu amor.
Subi a montanha para alcançar as estrelas, voltei invejando os cegos e surdos que encontrava no caminho.
XII
Sonhei que me esperavas. E, sonhando,
Saí, ansioso por te ver: corria…
E tudo, ao ver-me tão depressa andando,
Soube logo o lugar para onde eu ia.E tudo me falou, tudo! Escutando
Meus passos, através da ramaria,
Dos despertados pássaros o bando:
“Vai mais depressa! Parabéns!” dizia.Disse o luar: “Espera! que eu te sigo:
Quero também beijar as faces dela!”
E disse o aroma: “Vai, que eu vou contigo!”E cheguei. E, ao chegar, disse uma estrela:
“Como és feliz! como és feliz, amigo,
Que de tão perto vais ouvi-la e vê-la!”