Passagens sobre Fome

360 resultados
Frases sobre fome, poemas sobre fome e outras passagens sobre fome para ler e compartilhar. Leia as melhores citações em Poetris.

Álbum de Família

Reconheço a mãe
comia legumes
vivia roendo
entre um cheiro
herbívoro
dizendo
«como vegetais
por vício»

a minha outra mãe
mansa provinha
do ventre polar
de sua mãe
deu-me à luz
eléctrica
sob a luz solar

a terceira mãe
porque tinha fome
ou vertigem santa
tomba de onde mora
de um arranha-céus à hora

A Quimera da Felicidade

(…) do alto de uma montanha, inclinei os olhos a uma das vertentes, e contemplei, durante um tempo largo, ao longe, através de um nevoeiro, uma cousa única. Imagina tu, leitor, uma redução dos séculos, e um desfilar de todos eles, as raças todas, todas as paixões, o tumulto dos impérios, a guerra dos apetites e dos ódios, a destruição recíproca dos seres e das cousas. Tal era o espectáculo, acerbo e curioso espectáculo. A história do homem e da terra tinha assim uma intensidade que não lhe podiam dar nem a imaginação nem a ciência, porque a ciência é mais lenta e a imaginação mais vaga, enquanto que o que eu ali via era a condensação viva de todos os tempos. Para descrevê-la seria preciso fixar o relâmpago. Os séculos desfilavam num turbilhão, e, não obstante, porque os olhos do delírio são outros, eu via tudo o que passava diante de mim, – flagelos e delícias, – desde essa cousa que se chama glória até essa outra que se chama miséria, e via o amor multiplicando a miséria, e via a miséria agravando a debilidade. Aí vinham a cobiça que devora, a cólera que inflama, a inveja que baba,

Continue lendo…

A Cegueira da Governação

Príncipes, Reis, Imperadores, Monarcas do Mundo: vedes a ruína dos vossos Reinos, vedes as aflições e misérias dos vossos vassalos, vedes as violências, vedes as opressões, vedes os tributos, vedes as pobrezas, vedes as fomes, vedes as guerras, vedes as mortes, vedes os cativeiros, vedes a assolação de tudo? Ou o vedes ou o não vedes. Se o vedes como o não remediais? E se o não remediais, como o vedes? Estais cegos. Príncipes, Eclesiásticos, grandes, maiores, supremos, e vós, ó Prelados, que estais em seu lugar: vedes as calamidades universais e particulares da Igreja, vedes os destroços da Fé, vedes o descaimento da Religião, vedes o desprezo das Leis Divinas, vedes o abuso do costumes, vedes os pecados públicos, vedes os escândalos, vedes as simonias, vedes os sacrilégios, vedes a falta da doutrina sã, vedes a condenação e perda de tantas almas, dentro e fora da Cristandade? Ou o vedes ou não o vedes. Se o vedes, como não o remediais, e se o não remediais, como o vedes? Estais cegos. Ministros da República, da Justiça, da Guerra, do Estado, do Mar, da Terra: vedes as obrigações que se descarregam sobre vosso cuidado, vedes o peso que carrega sobre vossas consciências,

Continue lendo…

O Pregador de Verdades

Ontem o pregador de verdades dele
Falou outra vez comigo.
Falou do sofrimento das classes que trabalham
(Não do das pessoas que sofrem, que é afinal quem sofre).
Falou da injustiça de uns terem dinheiro,
E de outros terem fome, que não sei se é fome de comer.
Ou se é só fome da sobremesa alheia.
Falou de tudo quanto pudesse fazê-lo zangar-se.

Livro de minha alma aqui o tenho: é a Bíblia. Não o encerro na biblioteca, entre os de estudo, conservo-o sempre à minha cabeceira, à mão. É dele que tiro o pão para a minha fome de consolo, é dele que tiro a luz nas trevas das minhas agonias.

Por muito educados e esclarecidos que nos julguemos, o nosso metabolismo ainda vive nas cavernas. É um grunho; um troglodita; um bicho. Está desactualizadíssimo. Tem terror de morrer à fome. Daí que aproveite tudo o que papamos.

Já esqueceu falar, outra vez? É da fome isso. Sabe o que você faz? Você engole com força. É, engole saliva, faz conta está entrar comida na garganta. A fome fica confusa, assim.

Natureza de Escravo

Desde quando é que se tornou digno de louvor o facto de alguém possuir uma natureza de escravo? Depois de todos os símbolos do poder terem desaparecido, já não tinhas qualquer razão para obedecer, mas continuaste a fazê-lo. Que força misteriosa te impelia a obedecer às ordens de pessoas tão desgraçadas como tu, tão nuas e miseráveis como tu? Eras demasiado cobarde para tentares fazer como os outros, para experimentares dizer uma vez que fosse ao capitão: vai buscar lenha, preciso de me aquecer à fogueira. Não, tinhas descoberto uma outra solução; enquanto estavas ainda saciado, calculavas friamente que chegaria a hora em que a tua fome seria maior do que a dos outros todos. E então pensavas: em breve ficarei faminto, tornar-me-ei selvagem e sem escrúpulos, revoltar-me-ei, não abertamente, mas de modo dissimulado, contra estes terroristas. Com a cabeça fria, fazias projectos sobre a maneira como utilizarias a tua embriaguez, e é isso que é desprezível.

Não Creio nesse Deus

I

Não sei se és parvo se és inteligente
— Ao disfrutares vida de nababo
Louvando um Deus, do qual te dizes crente,
Que te livre das garras do diabo
E te faça feliz eternamente.

II

Não vês que o teu bem-estar faz d’outra gente
A dor, o sofrimento, a fome e a guerra?
E tu não queres p’ra ti o céu e a terra..
— Não te achas egoísta ou exigente?

III

Não creio nesse Deus que, na igreja,
Escuta, dos beatos, confissões;
Não posso crer num Deus que se maneja,
Em troca de promessas e orações,
P’ra o homem conseguir o que deseja.

IV

Se Deus quer que vivamos irmãmente,
Quem cumpre esse dever por que receia
As iras do divino padre eterno?…
P’ra esses é o céu; porque o inferno
É p’ra quem vive a vida à custa alheia!

A Esperança é o Bordão da Vida

A esperança é o bordão da vida. Há uma coisa do Padre Vieira, muito bonita, em que ele fala do Non. Terrível palavra é o non, de qualquer lado por onde se pegue, é sempre Non – isto aparece no meu filme “Non ou a vã glória de mandar”, dito por esse grande actor, o Ruy de Carvalho. A última palavra do Vieira sobre Non é: “O Non tira a esperança, que é a última coisa que a natureza deixou ao homem”. Sem esperança não se pode viver.

[A esperança e o desejo são o que nos impele a fazer, prosseguir. Mas não é supremamente difícil mantê-los vivos?]

O desejo não nos impele para existir. O desejo impele para a continuidade da espécie. O que nos impele à existência é o que diz o maia, “come para viveres”, e isso é a fome. A fome é o que nos garante a subsistência. Se não tivéssemos fome, não comíamos, não comendo, não sobrevivíamos. Se não tivéssemos o desejo, não teríamos a relação sexual e a relação sexual é que garante a continuidade da espécie. O desejo é uma coisa, a fome é outra. São os dois para a continuidade: um para a continuidade do indivíduo,

Continue lendo…

Os putos

Uma bola de pano, num charco
Um sorriso traquina, um chuto
Na ladeira a correr, um arco
O céu no olhar, dum puto.

Uma fisga que atira a esperança
Um pardal de calções, astuto
E a força de ser criança
Contra a força dum chui, que é bruto.

Parecem bandos de pardais à solta
Os putos, os putos
São como índios, capitães da malta
Os putos, os putos
Mas quando a tarde cai
Vai-se a revolta
Sentam-se ao colo do pai
É a ternura que volta
E ouvem-no a falar do homem novo
São os putos deste povo
A aprenderem a ser homens.

As caricas brilhando na mão
A vontade que salta ao eixo
Um puto que diz que não
Se a porrada vier não deixo

Um berlinde abafado na escola
Um pião na algibeira sem cor
Um puto que pede esmola
Porque a fome lhe abafa a dor.

Nos lugares em que homens e mulheres e crianças carregam o fardo da fome, um discurso sobre democracia e liberdade que não reconheça estes aspectos materiais pode soar falso e minar os valores que procuramos promover.