Passagens sobre Jardim

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Espero Curar-me em Tua Intenção

O que me eleva, o que em mim perdurará, é a felicidade de ser amado por ti. Veneza, o Grande Canal, a Piazzetta, a Praça de S. Marcos – um mundo desvanecido. Tudo se torna objectivo como uma obra de arte. Instalei-me num imenso palácio debruçado para o Grande Canal, de que neste momento sou o único habitante. Salas enormes, espaçosas, onde vagueio à minha vontade. Tendo a minha instalação uma importância grande no aspecto técnico e material do meu trabalho, nela ponho todo o meu cuidado. Escrevi logo para que me mandem o «Erard». Soará admiravelmente nos salões do meu palácio. O singular silêncio do Canal convém-me às mil maravilhas. Só deixo a casa pelas cinco horas, para ir comer. Depois passeio pelo jardim público; breve paragem na Praça de S. Marcos, de um tão teatral efeito, por entre uma multidão que me é completamente estranha e apenas me distrai a imaginação. Pelas nove horas regresso de gôndola, encontro o candeeiro aceso, e leio um pouco antes de adormecer…

Esta solidão, único alvo que procuro e que aqui se torna agradável, anima-me. Sim, espero curar-me em tua intenção. Conservar-me para ti significa consagrar-me à minha arte. Tornar-me tua consolação,

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Eis-me

Eis-me
Tendo-me despido de todos os meus mantos
Tendo-me separado de adivinhos mágicos e deuses
Para ficar sozinha ante o silêncio
Ante o silêncio e o esplendor da tua face

Mas tu és de todos os ausentes o ausente
Nem o teu ombro me apoia nem a tua mão me toca
O meu coração desce as escadas do tempo
[em que não moras
E o teu encontro
São planícies e planícies de silêncio

Escura é a noite
Escura e transparente
Mas o teu rosto está para além do tempo opaco
E eu não habito os jardins do teu silêncio
Porque tu és de todos os ausentes o ausente

Vive Plenamente

Vê se consegues apanhar-te a lamentar-te, quer por palavras quer por pensamentos, por causa de determinada situação em que te encontres, do que as outras pessoas fazem ou dizem, do teu meio envolvente, da situação da tua vida, ou até mesmo por causa do tempo. Uma lamentação é sempre uma não aceitação daquilo que é. E traz invariavelmente consigo uma carga negativa inconsciente. Quando te lamentas, tu próprio te fazes de vítima. Quando elevas a voz, estás no teu poder. Por isso muda a situação tomando providências, levantando a voz se for necessário ou possível; deixa a situação ou aceita-a. Tudo o mais é loucura.

De certa forma, a inconsciência ordinária está sempre ligada à recusa do Agora. O Agora, evidentemente, também significa o aqui. Estás a resistir ao teu aqui e agora? Há pessoas que só estão bem onde não estão. O seu “aqui” nunca é suficientemente bom. Através da auto-observação, vê se é esse o teu caso. Estejas onde estiveres, está lá plenamente. Se achares que o teu aqui e agora é intolerável e te deixa infeliz, tens três opções à escolha: ou te retiras da situação, ou a mudas, ou a aceitas totalmente. Se quiseres tomar a responsabilidade pela tua vida,

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Flor de Ventura

A flor de ventura
Que amor me entregou,
Tão bela e tão pura
Jamais a criou:

Não brota na selva
De inculto vigor,
Não cresce entre a relva
De virgem frescor;

Jardins de cultura
Não pode habitar
A flor de ventura
Que amor me quis dar.

Semente é divina
Que veio dos Céus;
Só n’alma germina
Ao sopro de Deus.

Tão alva e mimosa
Não há outra flor;
Uns longes de rosa
Lhe avivam a cor;

E o aroma… Ai!, delírio
Suave e sem fim!
É a rosa, é o lírio,
É o nardo, o jasmim;

É um filtro que apura,
Que exalta o viver,
E em doce tortura
Faz de ânsias morrer.

Ai!, morrer… que sorte
Bendita de amor!
Que me leve a morte
Beijando-te, flor.

Ars De Eros

Enquanto vias vi fôrmas e formas
mas sabia que vinhas ver os versos
depois de veres várias folhas mortas
desse outono jardim nosso em regressos.

Não adianta rosnar pantera morna
o tempo rasga sempre um vento espesso
embora não queiramos ser da horta
estrume de um adubo tão perverso,

E não me venha viúva simbolista
reclamar dos poemas tão transgressos
pois te mostro a visão livre e anarquista.

Se é para ver que venha então diverso
o modo de te amar mais tribalista
que morro nesse clímax dos possessos.

O amor é como uma bela flor que não podemos tocar, mas cuja fragrância torna o jardim um lugar de encantamento.

Símios Aperfeiçoados II

A tragédia é a cristalização da massa humana, tão perigosa como a estagnação do espírito do homem que se torna académico ou fenece por falta de entusiasmo. Gostava de saber quantas pessoas pensam em macacos durante o correr de um dia? Quantas? O homem-massa, num futuro próximo – em relações antropológicas o próximo leva geralmente centenas de anos – transformar-se-á num novo espectáculo de jardim zoológico. Em vez de jaula e aldeias de símios, ele terá balneários públicos e campos para habilidades desportivas, com ocasionais jogos nocturnos. Dará palmas em delírio ouvindo ainda o som distante da sineta tocada pelo elefante num acto máximo de inteligência paquidérmica. Terá circuitos fechados, com pistas perfeitamente cimentadas, para passear o tédio da família aos domingos, circulará repetidamente em metropolitanos convencido de que cada nova paragem é diferente da anterior.
E estou absolutamente crente que do naufrágio calamitoso apenas se hão-de salvar os que pela porta do cavalo fugirem ao triturar das grandes colectividades humanas, ou os que por força invencível e instintiva se libertarem para uma nova categoria de homem, ou, melhor dizendo, para a sua verdadeira categoria de homem, de homem-pensamento, na linha directa de um Platão, de um Homero, de um Aristófanes,

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Iniciação ao Diálogo

I

De início bastará que olhes mais vezes
na mesma direcção hoje evitada
(estandartes nos olhos são mais leves
do que no coração duros tambores),
ainda que o teu olhar próprio não rompa
as lajes de ódio com que te muraste.

II

O vento e chuva e tempo, sobre a pedra
passando sempre, hão-de gastá-la: um dia,
antes que a obture o musgo ou algum pássaro
aí faça o ninho fofo, encontrarás,
entre o lado que afirmas teu e o outro,
uma réstia de azul — o azul de todos.

III

Talvez rumor de passos, para além
do muro atravessado aos teus desígnios…
Não porás terra onde se pôs o céu:
ver o que diz o ouvido agora queres,
e onde a rocha fendeu-se cabe um olho
humano e mais a boca do fuzil.

IV

Provando frágil o que acreditavas
inexpugnável, eis que em ti se fixam
atentos outro olho e outro fuzil!

V

Contemplador e contemplado, hesitas
aprendendo na espera o inesperado:
lares como os que tens,

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Como Está Sereno o Céu

Como está sereno o céu,
como sobe mansamente
a Lua resplandecente
e esclarece este jardim!

Os ventos adormeceram;
das frescas águas do rio
interrompe o murmúrio
de longe o som de um clarim.

Acordam minhas ideias,
que abrangem a Natureza;
e esta nocturna beleza
vem meu estro incendiar.

Mas, se à lira lanço a mão,
apagadas esperanças
me apontam cruéis lembranças,
e choro em vez de cantar.

Ser Escritor

E, então, porque não podemos viver de outra maneira, escrevemos. E cai-nos o cabelo e apodrecem-nos os dentes, como dizia Flannery O’Connor.

E somos uns chatos. E somos maus maridos e maus filhos e maus amigos. E sentimos culpa, e sentimo-nos indignos de estima, e continuamos, mesmo assim, a não responder quando falam connosco.

E não telefonamos nos anos, nem aparecemos nos churrascos, nem vamos ao café. E, se vamos, a única coisa de que falamos é disso: do livro. E tudo aquilo sobre que se conversa pode servir ao livro, caso contrário não nos importa.

E somos os maiores quando um parágrafo nos sai bem, e ficamos de rastos quando não encontramos um verbo. E sabemos que tem de ser mesmo assim, porque se não for o romance fica uma merda. Mas sentimos culpa na mesma.

E não pagamos as contas, e esquecemo-nos de pedir a garrafa do gás, e calçamos meias de pares diferentes. E de repente queremos fumar dois maços de cigarros e beber meia garrafa de uísque, sozinhos no jardim, a olhar para a noite e a chorar.

E temos de fazer um esforço para mudar de roupa,

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Aqui

Aqui, deposta enfim a minha imagem,
Tudo o que é jogo e tudo o que é passagem,
No interior das coisas canto nua.

Aqui livre sou eu — eco da lua
E dos jardins, os gestos recebidos
E o tumulto dos gestos pressentidos,
Aqui sou eu em tudo quanto amei.

Não por aquilo que só atravessei,
Não pelo meu rumor que só perdi,
Não pelos incertos actos que vivi,

Mas por tudo de quanto ressoei
E em cujo amor de amor me eternizei.

O Significado do Amor

Eu pensava que conhecia o significado do amor. O amor é o sangue do sol dentro do sol. A inocência repetida mil vezes na vontade sincera de desejar que o céu compreenda. Levantam-se tempestades frágeis e delicadas na respiração vegetal do amor. Como uma planta a crescer da terra. O amor é a luz do sol a beber a voz doce dessa planta. Algo dentro de qualquer coisa profunda.

O amor é o sentido de todas as palavras impossíveis. Atravessar o interior de uma montanha. Correr pelas horas originais do mundo. O amor é a paz fresca e a combustão de um incêndio dentro, dentro, dentro, dentro, dentro dos dias. Em cada instante de manhã, o céu a deslizar como um rio. A tarde, o sol como uma certeza. O amor é feito de claridade e da seiva das rochas. O amor é feito de mar, de ondas na distância do oceano e de areia eterna. O amor é feito de tantas coisas opostas e verdadeiras. Nascem lugares para o amor e, nesses jardins etéreos, a salvação é uma brisa que cai sobre o rosto suavemente.

Eu acreditava mesmo que o amor é o sangue do sol dentro do sol.

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Metanáutica

Deixa-te ser viável como um bosque
ou jardim ou pomar por onde possa
ir passando a pessoa pela sombra
ou pela flor ou pelo fruto ou pela
singular vocação ambulatória:
deixa-te ser viável como um rio
ou lago ou mar por onde possa ir
passando o navegante ou nadador
pelo afã de chegar ou pelo puro
sentir-se em ti flutuante ou imerso:
deixa-te ser viável como um ar
por onde possa ir passando a asa
que como tal se procure ou encontre
firme ou frágil… Mas bosque ou jardim ou
pomar ou rio ou lago ou mar ou ar,
deixa em ti leccionar-se o transeunte
que viver são instâncias de passar.

Em uma Tarde de Outono

Outono. Em frente ao mar. Escancaro as janelas
Sobre o jardim calado, e as águas miro, absorto.
Outono… Rodopiando, as folhas amarelas
Rolam, caem. Viuvez, velhice, desconforto…

Por que, belo navio, ao clarão das estrelas,
Visitaste este mar inabitado e morto,
Se logo, ao vir do vento, abriste ao vento as velas,
Se logo, ao vir da luz, abandonaste o porto?

A água cantou. Rodeava, aos beijos, os teus flancos
A espuma, desmanchada em riso e flocos brancos…
Mas chegaste com a noite, e fugiste com o sol!

E eu olho o céu deserto, e vejo o oceano triste,
E contemplo o lugar por onde te sumiste,
Banhado no clarão nascente do arrebol…