Passagens sobre Luz

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As Palavras Interditas

Os navios existem, e existe o teu rosto
encostado ao rosto dos navios.
Sem nenhum destino flutuam nas cidades,
partem no vento, regressam nos rios.

Na areia branca, onde o tempo começa,
uma criança passa de costas para o mar.
Anoitece. Não há dúvida, anoitece.
É preciso partir, é preciso ficar.

Os hospitais cobrem-se de cinza.
Ondas de sombra quebram nas esquinas.
Amo-te… E entram pela janela
as primeiras luzes das colinas.

As palavras que te envio são interditas
até, meu amor, pelo halo das searas;
se alguma regressasse, nem já reconhecia
o teu nome nas suas curvas claras.

Dói-me esta água, este ar que se respira,
dói-me esta solidão de pedra escura,
estas mãos nocturnas onde aperto
os meus dias quebrados na cintura.

E a noite cresce apaixonadamente.
Nas suas margens nuas, desoladas,
cada homem tem apenas para dar
um horizonte de cidades bombardeadas.

Como Vemos os Outros

Nós temos em toda a vida, especialmente na esfera da comunicação espiritual, o hábito errado de emprestarmos às outras pessoas muito daquilo que nos é próprio, como se tivesse de ser mesmo assim. Mas como elas, além disso, nos mostram também o que têm de si próprias, daí resultam, dado que nós procuramos criar uma unidade com as duas partes, autênticos monstros, semelhantes àqueles que, numa casa com muitos cantos, a luz de uma lanterna produz com uma parte de sombras e uma parte de objectos reais. Não há nenhuma operação mais útil mas, ao mesmo tempo, mais difícil que deduzir da imagem do outro aquilo que inconscientemente lhe foi emprestado. No entanto, só assim fazemos dos outros verdadeiras pessoas – ou, dito de uma forma mais breve: o homem julga compreender os homens quando acrescenta a uma suposta e ilimitada analogia com o seu próprio eu ainda alguma coisa que é contrária a esse eu. É a experiência que leva cada um a poder lidar com pessoas que tem de imaginar, na sua essência, diferentes de si mesmo.

A Melhor Maneira de Viajar é Sentir

Afinal, a melhor maneira de viajar é sentir.
Sentir tudo de todas as maneiras.
Sentir tudo excessivamente,
Porque todas as coisas são, em verdade, excessivas
E toda a realidade é um excesso, uma violência,
Uma alucinação extraordinariamente nítida
Que vivemos todos em comum com a fúria das almas,
O centro para onde tendem as estranhas forças centrífugas
Que são as psiques humanas no seu acordo de sentidos.

Quanto mais eu sinta, quanto mais eu sinta como várias pessoas,
Quanto mais personalidade eu tiver,
Quanto mais intensamente, estridentemente as tiver,
Quanto mais simultaneamente sentir com todas elas,
Quanto mais unificadamente diverso, dispersadamente atento,
Estiver, sentir, viver, for,
Mais possuirei a existência total do universo,
Mais completo serei pelo espaço inteiro fora.
Mais análogo serei a Deus, seja ele quem for,
Porque, seja ele quem for, com certeza que é Tudo,
E fora d’Ele há só Ele, e Tudo para Ele é pouco.

Cada alma é uma escada para Deus,
Cada alma é um corredor-Universo para Deus,
Cada alma é um rio correndo por margens de Externo
Para Deus e em Deus com um sussurro soturno.

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O Acto de Criação é de Natureza Obscura

O acto de criação é de natureza obscura; nele é impossível destrinçar o que é da razão e o que é do instinto, o que é do mundo e o que é da terra. Nunca nenhum dualismo serviu bem o poeta. Esse «pastor do Ser», na tão bela expressão de Heidegger, é, como nenhum outro homem, nostálgico de uma antiga unidade. As mil e uma antinomias, tão escolarmente elaboradas, quando não pervertem a primordial fonte do desejo, pecam sempre por cindir a inteireza que é todo um homem. Não há vitória definitiva sem a reconciliação dos contrários. É no mar crepuscular e materno da memória, onde as águas «superiores» não foram ainda separadas das «inferiores», que as imagens do poeta sonham pela primeira vez com a precária e fugidia luz da terra.
Diante do papel, que «la blancheur défend», o poeta é uma longa e só hesitação. Que Ifigénia terá de sacrificar para que o vento propício se levante e as suas naves possam avistar os muros de Tróia? Que augúrios escuta, que enigmas decifra naquele rumor de sangue em que se debruça cheio de aflição? Porque ao princípio é o ritmo; um ritmo surdo, espesso, do coração ou do cosmos — quem sabe onde um começa e o outro acaba?

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Um Único Poema

Quando olho para esse livro («Poesia Toda»), vejo que não fabriquei ou instruí ou afeiçoei objectos — estas palavras não supõem o mesmo modo de fazer—, vejo que escrevi apenas um poema, um poema em poemas; durante a vida inteira brandi em todas as direcções o mesmo aparelho, a mesma arma furiosa. Fui um inocente, porque só se consegue isso com inocência. E se a inocência é uma condição insubstituível de escândalo, uma transparente e mobilizadora familiaridade com a terra, constitui também um revés: pois há uma altura em que se sabe: as coisas ludibriaram-nos, ludibriámo-nos nas coisas; a inocência deveria ter-nos oferecido uma vida estupenda, um tumulto: o ar em torno proporcionado como pura levitação; ver, tocar; os mais simples actos e factos próximos como instantâneo e completo conhecimento. Era assim, foi assim, mas a dor, as vozes demoníacas, o abismo junto à dança, a noite que se vai insinuando a toda a altura e largura da luz, tudo Isso invade a inocência — e então já não sabemos nada, por exemplo: será inocente a nossa inocência? A inocência é um estado clandestino na ditadura do mundo; tem se der astuta, tem de recorrer a todas as torpezas para lutar e escapar,

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A Um Grande Sujeito Invejado E Aplaudido

Temerária, soberba, confiada,
Por altiva, por densa, por lustrosa,
A exalação, a névoa, a mariposa,
Sobe ao sol, cobre o dia, a luz lhe enfada.

Castigada, desfeita, malograda,
Por ousada, por débil, por briosa,
Ao raio, ao resplendor, à luz formosa,
Cai triste, fica vã, morre abrasada.

Contra vós solicita, empenha, altera,
Vil afeto, ira cega, ação perjura,
Forte ódio, rumor falso, inveja fera.

Esta cai, morre aquele, este não dura,
Que em vós logra, em vós acha, em vós venera,
Claro sol, dia cândido, luz pura.

Não Existe Prosa

Não existe prosa. A menos que se refiram os escritos, em prosa ou verso, que pretendem ensinar. Não há nada a ensinar embora haja tudo a aprender. Aquilo que se aprende vem do nosso próprio ensino, vem da pergunta; vão-se aprendendo, pelas esperas, pela imobilidade às portas, pela invisibilidade dos rostos depois de vistos tão prometedoramente, pela emenda sucessiva, pela insónia sucessiva dos olhos e das figurações, sempre, vão-se aprendendo sempre as maneiras da pergunta. Uma pergunta em perguntas, um poema em poemas, uma rebarbativa constelação de objectos ofuscantes. Aprende-se que a pergunta se desloca com a luz inerente; ilumina-se a si mesma, a pergunta constelar; ensina a si mesma, ao longo de si mesma, os estilos de ser dotada dessa luz para fora e para dentro. Leio romances desde que perceba que não estão a responder. Alguns são extraordinárias máquinas interrogativas: “Ulisses”, “Filhos e Amantes”, “O Doutor Fausto”, “O Processo”, “A Morte de Virgílio”, “O Som e a Fúria”, “Debaixo do Vulcão”, “A Obra ao Negro”, “Lolita”, “Diário do Ladrão”, todos os romances de Céline como se fossem um só, alguns outros, antes, agora. Os romances de Agustina Bessa-Luís, porventura os menos amados, são entre nós as quase únicas máquinas vivas de perguntar.

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Soneto

A Moreira de Vasconcelos

Na luta dos impossíveis,
do espirito e da matéria,
tu és a águia sidérea
dos pensamentos terríveis!
(Do Autor)

É um pensar flamejador, dardânico
Uma explosão de rápidas idéias,
Que como um mar de estranhas odisséias
Saem-lhe do crânio escultural, titânico!…

Parece haver um cataclismo enorme
Lá dentro, em ânsia, a rebentar, fremente!…
Parece haver a convulsão potente,
Dos rubros astros num fragor disforme!…

Hão de ruir na transfusão dos mundos
Os monumentos colossais profundos,
As cousas vãs da brasileira história!

Mas o seu vulto, sobre a luz alçado,
Oh! há de erguer-se de arrebóis c’roado,
Como Atalaia nos umbrais da glória!!…

Manhã

A manhã nasce das muitas janelas
deste sereno corpo fatigado,
sede dos meus caminhos sem cancelas,
na luz de muitos astros albergados.

Casa em que me recolho das mazelas,
dos louros, derroteiros, lado a lado,
para de mim ouvir franca seqüela:
Ecce Homo! Eis o triste camuflado.

Essa tristeza antiga em residência,
às vezes se constrói em face alegre,
máscara sem eu mesmo em aparência

num carnaval insólito em seu frege.
O que me salva a cor nessa vivência
é saber que a poesia é quem me rege.

O Que Verdadeiramente Mata Portugal

O que verdadeiramente nos mata, o que torna esta conjuntura inquietadora, cheia de angústia, estrelada de luzes negras, quase lutuosa, é a desconfiança. O povo, simples e bom, não confia nos homens que hoje tão espectaculosamente estão meneando a púrpura de ministros; os ministros não confiam no parlamento, apesar de o trazerem amaciado, acalentado com todas as doces cantigas de empregos, rendosas conezias, pingues sinecuras; os eleitores não confiam nos seus mandatários, porque lhes bradam em vão: «Sede honrados», e vêem-nos apesar disso adormecidos no seio ministerial; os homens da oposição não confiam uns nos outros e vão para o ataque, deitando uns aos outros, combatentes amigos, um turvo olhar de ameaça. Esta desconfiança perpétua leva à confusão e à indiferença. O estado de expectativa e de demora cansa os espíritos. Não se pressentem soluções nem resultados definitivos: grandes torneios de palavras, discussões aparatosas e sonoras; o país, vendo os mesmos homens pisarem o solo político, os mesmos ameaços de fisco, a mesma gradativa decadência. A política, sem actos, sem factos, sem resultados, é estéril e adormecedora.

Quando numa crise se protraem as discussões, as análises reflectidas, as lentas cogitações, o povo não tem garantias de melhoramento nem o país esperanças de salvação.

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Arrojos

Se a minha amada um longo olhar me desse
Dos seus olhos que ferem como espadas,
Eu domaria o mar que se enfurece
E escalaria as nuvens rendilhadas.

Se ela deixasse, extático e suspenso
Tomar-lhe as mãos mignonnes e aquecê-las,
Eu com um sopro enorme, um sopro imenso
Apagaria o lume das estrelas.

Se aquela que amo mais que a luz do dia,
Me aniquilasse os males taciturnos,
O brilho dos meus olhos venceria
O clarão dos relâmpagos noturnos.

Se ela quisesse amar, no azul do espaço,
Casando as suas penas com as minhas,
Eu desfaria o Sol como desfaço
As bolas de sabão das criancinhas.

Se a Laura dos meus loucos desvarios
Fosse menos soberba e menos fria,
Eu pararia o curso aos grandes rios
E a terra sob os pés abalaria.

Se aquela por quem já não tenho risos
Me concedesse apenas dois abraços,
Eu subiria aos róseos paraísos
E a Lua afogaria nos meus braços.

Se ela ouvisse os meus cantos moribundos
E os lamentos das cítaras estranhas,

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Frutas De Maio

Maio chegou — alegre e transparente
Cheio de brilho e música nos ares,
De cristalinos risos salutares,
Frio, porém, ó gota alvinitente.

Corre um fluido suave e odorescente
Das laranjeiras, como dos altares
O incenso — e, como a gaze azul dos mares,
Leve — há por tudo um beijo, docemente.

Isto bem cedo, de manhã — adiante
Pela tarde um sol calmo, agonizante,
Põe no horizonte resplendentes franjas.

Há carinhos, da luz em cada raio,
Filha — e eu que adoro este frescor de maio
Muito, mas muito — trago-te laranjas.

Saint-Just

Quando à tribuna ele se ergueu, rugindo,
– Ao forte impulso das paixões audazes
Ardente o lábio de terríveis frases
E a luz do gênio em seu olhar fulgindo,

A tirania estremeceu nas bases,
De um rei na fronte ressumou, pungindo,
Um suor de morte e um terror infindo
Gelou o seio aos cortesãos sequazes –

Uma alma nova ergueu-se em cada peito,
Brotou em cada peito uma esperança,
De um sono acordou, firme, o Direito –

E a Europa – o mundo – mais que o mundo, a França –
Sentiu numa hora sob o verbo seu
As comoções que em séculos não sofreu!

Como Realiza o Corpo este Exercício da Queda

Como realiza o corpo este exercício
da queda no súbito conhecimento
do espanto, quando os olhos estão vencidos,
cerrados pela transparência e pela luz
ofuscante da alva? À medida que o corpo
seca e se aplacam os seus, outrora, amáveis
dons, se ensombram os ossos, míseras as mãos
emagrecidas e se desnuda a carne
no fundo fôlego das águas, aumenta
o assombro da claridade. Só a vida
gerou o tempo, eis que ausente, ao resplendor
inesperado da luz descida. Onde vai
o humilde corpo, se corpo resta ou se outro,
receber a miraculosa mudança
de nada existir a não ser o profundo
bando do grito terrível de todos
os mortos? Ah, que estupor sela os músculos,
enrijece as unhas e aspira a voz,
resfria o suor e nos conduz, inertes
e cegos, ao núcleo da luz deslumbrante?
Ó mar de que futuro, rumor volúvel,
sopro claro, envolve-nos de compaixão!

Quem tem a mente alegre não precisa recorrer especialmente ao método de sorrir diante de um espelho. Basta contemplar a própria alegria interior. Assim, finalmente conseguirá ver com os olhos da mente a sua própria imagem plena de luz. Este é o estado espiritual mais elevado.

O Companheiro de Viagem

A alma da tua mãe flutua adiante.
A alma da tua mãe ajuda a noite a navegar, escolho após escolho.
A alma da tua mãe fustiga os tubarões à tua frente.

Esta palavra é a disciplina da tua mãe.
A discípula da tua mãe partilha o teu jazigo, pedra a pedra.
A discípula da tua mãe inclina-se para a migalha de luz.

Tradução de João Barrento e Y. K. Centeno

As esperanças são como as estrelas: brilham, mas não trazem luz; lindas, mas ninguém as alcança.