Passagens sobre Muro

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Frases sobre muro, poemas sobre muro e outras passagens sobre muro para ler e compartilhar. Leia as melhores citações em Poetris.

Toada Para Solo De Ocarina

Fio tênue do céu em claridade
tece esse manto gris meu agasalho
colhido pelos muros da cidade:
mucosa verde musgo que se espalha

como tapete denso em chão de jade
Meus pés de crivo cravam esse atalho
riscando seu grafite no mar que arde
o fogo-de-santelmo em céu talhado

Nesse caminho caio em minha sina
caio no mar que lava essa lavoura
num barco ébrio que sempre desafina

E colho o sal da noite a lua moura
crescente luz de foice me assassina
e me morro no haxixe com Rimbaud

Iniciação ao Diálogo

I

De início bastará que olhes mais vezes
na mesma direcção hoje evitada
(estandartes nos olhos são mais leves
do que no coração duros tambores),
ainda que o teu olhar próprio não rompa
as lajes de ódio com que te muraste.

II

O vento e chuva e tempo, sobre a pedra
passando sempre, hão-de gastá-la: um dia,
antes que a obture o musgo ou algum pássaro
aí faça o ninho fofo, encontrarás,
entre o lado que afirmas teu e o outro,
uma réstia de azul — o azul de todos.

III

Talvez rumor de passos, para além
do muro atravessado aos teus desígnios…
Não porás terra onde se pôs o céu:
ver o que diz o ouvido agora queres,
e onde a rocha fendeu-se cabe um olho
humano e mais a boca do fuzil.

IV

Provando frágil o que acreditavas
inexpugnável, eis que em ti se fixam
atentos outro olho e outro fuzil!

V

Contemplador e contemplado, hesitas
aprendendo na espera o inesperado:
lares como os que tens,

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A Impossibilidade de Renunciar

Eu decido correr a uma provável desilusão: e uma manhã recebo na alma mais uma vergastada – prova real dessa desilusão. Era o momento de recuar. Mas eu não recuo. Sei já, positivamente sei, que só há ruínas no termo do beco, e continuo a correr para ele até que os braços se me partem de encontro ao muro espesso do beco sem saída. E você não imagina, meu querido Fernando, aonde me tem conduzido esta maneira de ser!… Há na minha vida um bem lamnetável episódio que só se explica assim. Aqueles que o conhecem, no momento em que o vivi, chamaram-lhe loucura e disparate inexplicável. Mas não era, não era. É que eu, se começo a beber um copo de fel, hei-de forçosamente bebê-lo até ao fim. Porque – coisa estranha! – sofro menos esgotando-o até à última gota, do que lançando-o apenas encetado. Eu sou daqueles que vão até ao fim. Esta impossibilidade de renúncia, eu acho-a bela artisticamente, hei-de mesmo tratá-la num dos meus contos, mas na vida é uma triste coisa. Os actos da minha existência íntima, um deles quase trágico, são resultantes directos desse triste fardo. E, coisas que parecem inexplicáveis, explicam-se assim. Mas ninguém as compreende.

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Sabedoria I, III

Que dizes, viajante, de estações, países?
Colheste ao menos tédio, já que está maduro,
Tu, que vejo a fumar charutos infelizes,
Projectando uma sombra absurda contra o muro?

Também o olhar está morto desde as aventuras,
Tens sempre a mesma cara e teu luto é igual:
Como através dos mastros se vislumbra a lua,
Como o antigo mar sob o mais jovem sol,

Ou como um cemitério de túmulos recentes.
Mas fala-nos, vá lá, de histórias pressentidas,
Dessas desilusões choradas plas correntes,
Dos nojos como insípidos recém-nascidos.

Fala da luz de gás, das mulheres, do infinito
Horror do mal, do feio em todos os caminhos
E fala-nos do Amor e também da Política
Com o sangue desonrado em mãos sujas de tinta.

E sobretudo não te esqueças de ti mesmo,
Arrastando a fraqueza e a simplicidade
Em lugares onde há lutas e amores, a esmo,
De maneira tão triste e louca, na verdade!

Foi já bem castigada essa inocência grave?
Que achas? É duro o homem; e a mulher? E os choros,
Quem os bebeu?

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Mãe!

Mãe! a oleografia está a entornar o amarelo do Deserto por cima da
minha vida. O amarelo do Deserto é mais comprido do que um dia todo!
Mãe! eu queria ser o árabe! Eu queria raptar a menina loira!
Eu queria saber raptar.
Dá-me um cavalo, mãe! Até a palmeira verde está esmeralda! E o anel?!

A minha cabeça amolece ao sol sobre a areia movediça do Deserto!
A minha cabeça está mole como a minha almofada!

Há uns sinais dentro da minha cabeça, como os sinais do Egípcio,
como os sinais do Fenício. Os sinais destes já têm antecedentes e eu
ainda vou para a vida.

Não há muros para que haja estrada! Não há muros para pôr cartazes!
Não está a mão de tinta preta a apontar — por aqui!
Só há sombras do sol nas laranjeiras da outra margem, e todas as noites
o sono chega roubado!

Mãe! As estrelas estão a mentir. Luzem quando mentem. Mentem
quando luzem. Estão a luzir, ou mentem?
Já ia a cuspir para o céu!

Mãe! a minha estrela é doida!

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Escola

O que significa o rio,
a pedra, os lábios da terra
que murmuram, de manhã,
o acordar da respiração?

O que significa a medida
das margens, a cor que
desaparece das folhas no
lodo de um charco?

O dourado dos ramos na
estação seca, as gotas
de água na ponta dos
cabelos, os muros de hera?

A linha envolve os objectos
com a nitidez abstracta
dos dedos; traça o sentido
que a memória não guardou;

e um fio de versos e verbos
canta, no fundo do pátio,
no coro de arbustos que
o vento confunde com crianças.

A chave das coisas está
no equívoco da idade,
na sombria abóbada dos meses,
no rosto cego das nuvens.

A Escola Portuguesa

Eis as crianças vermelhas
Na sua hedionda prisão:
Doirado enxame de abelhas!
O mestre-escola é o zangão.

Em duros bancos de pinho
Senta-se a turba sonora
Dos corpos feitos de arminho,
Das almas feitas d’aurora.

Soletram versos e prosas
Horríveis; contudo, ao lê-las
Daquelas bocas de rosas
Saem murmúrios de estrela.

Contemplam de quando em quando,
E com inveja, Senhor!
As andorinhas passando
Do azul no livre esplendor.

Oh, que existência doirada
Lá cima, no azul, na glória,
Sem cartilhas, sem tabuada,
Sem mestre e sem palmatória!

E como os dias são longos
Nestas prisões sepulcrais!
Abrem a boca os ditongos,
E as cifras tristes dão ais!

Desgraçadas toutinegras,
Que insuportáveis martírios!
João Félix co’as unhas negras,
Mostrando as vogais aos lírios!

Como querem que despontem
Os frutos na escola aldeã,
Se o nome do mestre é — Ontem
E o do discíp’lo — Amanhã!

Como é que há-de na campina
Surgir o trigal maduro,
Se é o Passado quem ensina
O b a ba ao Futuro!

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Três Coisas

Não consigo entender
O tempo
A morte
Teu olhar

O tempo é muito comprido
A morte não tem sentido
Teu olhar me põe perdido

Não consigo medir
O tempo
A morte
Teu olhar

O tempo, quando é que cessa?
A morte, quando começa?
Teu olhar, quando se expressa?

Muito medo tenho
Do tempo
Da morte
De teu olhar

O tempo levanta o muro.

A morte será o escuro?

Em teu olhar me procuro.

Alma Serena

Alma serena, a consciência pura,
assim eu quero a vida que me resta.
Saudade não é dor nem amargura,
dilui-se ao longe a derradeira festa.

Não me tentam as rotas da aventura,
agora sei que a minha estrada é esta:
difícil de subir, áspera e dura,
mas branca a urze, de oiro puro a giesta.

Assim meu canto fácil de entender,
como chuva a cair, planta a nascer,
como raiz na terra, água corrente.

Tão fácil o difícil verso obscuro!
Eu não canto, porém, atrás dum muro,
eu canto ao sol e para toda a gente.

Sê alegre apenas depois de dares a volta à vida toda. E regressares então a uma flor, ao sol num muro, a um verme no chão. A profunda alegria não é a do começo mas a do fim.

Voz Que Se Cala

Amo as pedras, os astros e o luar
Que beija as ervas do atalho escuro,
Amo as águas de anil e o doce olhar
Dos animais, divinamente puro.

Amo a hera que entende a voz do muro
E dos sapos, o brando tilintar
De cristais que se afagam devagar,
E da minha charneca o rosto duro.

Amo todos os sonhos que se calam
De corações que sentem e não falam,
Tudo o que é Infinito e pequenino!

Asa que nos protege a todos nós!
Soluço imenso, eterno, que é a voz
Do nosso grande e mísero Destino!…

Elogio da Morte

I

Altas horas da noite, o Inconsciente
Sacode-me com força, e acordo em susto.
Como se o esmagassem de repente,
Assim me pára o coração robusto.

Não que de larvas me povôe a mente
Esse vácuo nocturno, mudo e augusto,
Ou forceje a razão por que afugente
Algum remorso, com que encara a custo…

Nem fantasmas nocturnos visionários,
Nem desfilar de espectros mortuários,
Nem dentro de mim terror de Deus ou Sorte…

Nada! o fundo dum poço, húmido e morno,
Um muro de silêncio e treva em torno,
E ao longe os passos sepulcrais da Morte.

II

Na floresta dos sonhos, dia a dia,
Se interna meu dorido pensamento.
Nas regiões do vago esquecimento
Me conduz, passo a passo, a fantasia.

Atravesso, no escuro, a névoa fria
D’um mundo estranho, que povôa o vento,
E meu queixoso e incerto sentimento
Só das visões da noite se confia.

Que místicos desejos me enlouquecem?
Do Nirvana os abismos aparecem,
A meus olhos, na muda imensidade!

N’esta viagem pelo ermo espaço,

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Carta (Esboço)

Lembro-me agora que tenho de marcar um
encontro contigo, num sítio em que ambos
nos possamos falar, de facto, sem que nenhuma
das ocorrências da vida venha
interferir no que temos para nos dizer. Muitas
vezes me lembrei de que esse sítio podia
ser, até, um lugar sem nada de especial,
como um canto de café, em frente de um espelho
que poderia servir de pretexto
para reflectir a alma, a impressão da tarde,
o último estertor do dia antes de nos despedirmos,
quando é preciso encontrar uma fórmula que
disfarce o que, afinal, não conseguimos dizer. É
que o amor nem sempre é uma palavra de uso,
aquela que permite a passagem à comunicação ;
mais exacta de dois seres, a não ser que nos fale,
de súbito, o sentido da despedida, e que cada um de nós
leve, consigo, o outro, deixando atrás de si o próprio
ser, como se uma troca de almas fosse possível
neste mundo. Então, é natural que voltes atrás e
me peças: «Vem comigo!», e devo dizer-te que muitas
vezes pensei em fazer isso mesmo,

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Dói-me a Vida aos Poucos

Estou num daqueles dias em que nunca tive futuro. Há só um presente imóvel com um muro de angústia em torno. A margem de lá do rio nunca, enquanto é a de lá, é a de cá, e é esta a razão intima de todo o meu sofrimento. Há barcos para muitos portos, mas nenhum para a vida não doer, nem há desembarque onde se esqueça. Tudo isto aconteceu há muito tempo, mas a minha mágoa é mais antiga.
Em dias da alma como hoje eu sinto bem, em toda a consciência do meu corpo, que sou a criança triste em quem a vida bateu. Puseram-me a um canto de onde se ouve brincar. Sinto nas mãos o brinquedo partido que me deram por uma ironia de lata. Hoje, dia catorze de Março, às nove horas e dez da noite, a minha vida sabe a valer isto.
No jardim que entrevejo pelas janelas caladas do meu sequestro, atiraram com todos os balouços para cima dos ramos de onde pendem; estão enrolados muito alto, e assim nem a ideia de mim fugido pode, na minha imaginação, ter balouços para esquecer a hora.
Pouco mais ou menos isto, mas sem estilo,

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Jesus não exclui ninguém. Construiu pontes, não muros. A Sua mensagem de salvação é para todos. O bom evangelizador está aberto a todos, pronto a ouvir todos, sem exclusão.

Perdi o jeito de ser gente. Não sei mais como se é. E uma espécie toda nova da solidão de não pertencer começou a me invadir como heras num muro.

És Linda

És linda. E nem sabes quantos pedaços de beleza tive de juntar para chegar a esta conclusão. Para te construir, tive de misturar a conspiração das searas com a tristeza do choupo, a inquietação da cotovia com o cheiro lavado do vento do ocidente. E a firmeza repartida dos livros, com a alegria explosiva dos miosótis e a luz escura das violetas. Juntei depois um pouco de ansiedade das estrelas, a paciência das casas à beira da falésia, a espuma da terra, o respirar do sul, as perguntas de gesso que se fazem à lua. Acrescentei-lhe a canção das margens e pequenos pedaços da angústia do olhar. Não esqueci a intimidade do frio nem a dor branca que habita o coração dos muros. Por fim, deitei na tua pele o sono dos alperces, aos teus músculos prometi a violência das cascatas, no teu sexo acordei a memória do universo.
A tua beleza está no meu desejo, nos meus olhos, na minha desigual maneira de te amar. És linda, repito. Mas tenta não encarar o que te digo como um elogio.

Cantata de Dido

Já no roxo oriente branqueando,
As prenhes velas da troiana frota
Entre as vagas azuis do mar dourado
Sobre as asas dos ventos se escondiam.
A misérrima Dido,
Pelos paços reais vaga ululando,
C’os turvos olhos inda em vão procura
O fugitivo Eneias.
Só ermas ruas, só desertas praças
A recente Cartago lhe apresenta;
Com medonho fragor, na praia nua
Fremem de noite as solitárias ondas;
E nas douradas grimpas
Das cúpulas soberbas
Piam nocturnas, agoureiras aves.
Do marmóreo sepulcro
Atónita imagina
Que mil vezes ouviu as frias cinzas
De defunto Siqueu, com débeis vozes,
Suspirando, chamar: – Elisa! Elisa!
D’Orco aos tremendos numens
Sacrifícios prepara;
Mas viu esmorecida
Em torno dos turícremos altares,
Negra escuma ferver nas ricas taças,
E o derramado vinho
Em pélagos de sangue converter-se.
Frenética, delira,
Pálido o rosto lindo
A madeixa subtil desentrançada;
Já com trémulo pé entra sem tino
No ditoso aposento,
Onde do infido amante
Ouviu, enternecida,
Magoados suspiros, brandas queixas.
Ali as cruéis Parcas lhe mostraram
As ilíacas roupas que,

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A Flor Do Sonho

A Flor do Sonho, alvíssima, divina,
Miraculosamente abriu em mim,
Como se uma magnólia de cetim
Fosse florir num muro todo em ruína.

Pende em meu seio a haste branda e fina
E não posso entender como é que, enfim,
Essa tão rara flor abriu assim! …
Milagre… fantasia… ou, talvez, sina…

Ó flor que em mim nasceste sem abrolhos,
Que tem que sejam tristes os meus olhos
Se eles são tristes pelo amor de ti?!…

Desde que em mim nasceste em noite calma,
Voou ao longe a asa da minh’alma
E nunca, nunca mais eu me entendi…