Vertigem Civilizacional Desumana
O homem nĂŁo pode manter-se humano a esta velocidade, se viver como um autĂłmato será aniquilado. A serenidade, uma certa lentidĂŁo, Ă© tĂŁo inseparável da vida do homem como a sucessĂŁo das estações Ă© inseparável das plantas, ou do nascimento das crianças. Estamos no caminho mas nĂŁo a caminhar, estamos num veĂculo sobre o qual nos movemos incessantemente, como uma grande jangada ou como essas cidades satĂ©lites que dizem que haverá. E ninguĂ©m anda a passo de homem, por acaso algum de nĂłs caminha devagar? Mas a vertigem nĂŁo está sĂł no exterior, assimilá-mo-la na nossa mente que nĂŁo pára de emitir imagens, como se tambĂ©m fizesse zapping; talvez a aceleração tenha chegado ao coração que já lateja num compasso de urgĂŞncia para que tudo passe rapidamente e nĂŁo permaneça. Este destino comum Ă© a grande oportunidade, mas quem se atreve a saltar para fora? Já nem sequer sabemos rezar porque perdemos o silĂŞncio e tambĂ©m o grito.
Na vertigem tudo Ă© temĂvel e desaparece o diálogo entre as pessoas. O que nos dizemos sĂŁo mais nĂşmeros do que palavras, contĂ©m mais informação do que novidade. A perda do diálogo afoga o compromisso que nasce entre as pessoas e que pode fazer do prĂłprio medo um dinamismo que o vença e que lhes outurgue uma maior liberdade.
Passagens sobre Pânico
26 resultadosA Mulher Virgem e o Amor
A mulher virgem, em geral, nĂŁo ama o homem com quem casa, embora frequentemente de tal se persuada: gosta dele, e esse gostar, que Ă© uma amizade, provocada em geral pelo amor do homem por ela, somando-se ao instinto sexual insatisfeito, ou seja Ă atracção sexual abstracta, forma um composto semi-emotivo que dá a ilusĂŁo do amor, (…) as suas emoções — aquela parte da sexualidade que nĂŁo Ă© sĂł sexual — ficam insatisfeitas. Nuns casos o instinto maternal, exercendo-se no aparecimento dos filhos, ou satisfaz essas emoções ou as esbate e acalma; noutros casos, a vida imaginativa consegue, em maior ou menor grau, satisfazĂŞ-las. Há casos, porĂ©m, em que ficam insatisfeitas e entĂŁo sĂł o fundo moral seguro e a […] moral forte, ou o senso […] e medroso da respeitabilidade social, podem — quando podem, e isso depende muito do temperamento que está por trás d’essas emoções — resistir ao aparecimento, quando e se ele se der, do homem em quem essas emoções se possam concentrar. Em todo o caso, e para bem moral dos resultados, o melhor Ă© o homem nĂŁo aparecer.
SĂł o maior dos sensos morais e da honestidade do dever pode evitar um desastre.
Lidar com a Ansiedade
A ansiedade tanto pode ser uma sensação de vazio que antecede momentos de real perigo, como momentos imaginários, e sĂŁo esses que nos interessam neste contexto do livro. A maior parte da ansiedade que sentes Ă© devida a uma mente obstruĂda por problemas, incapaz de te obedecer e com uma capacidade tremenda de inventar cenários sombrios, criar situações desconfortáveis e de transformar a potencial calmaria da tua vida numa «estĂłria» verdadeiramente soturna. Na verdade, tudo isto nĂŁo passa de pura manipulação, caso contrário como Ă© que seria possĂvel faltar-te o ar, entrares em pânico ou sentires um aperto no peito relativamente a nada que ainda nĂŁo aconteceu e que Ă© impossĂvel de prever? SĂł sentes tudo isto e muito mais porque nunca te esforçaste por disciplinar a mente e ela, como dominadora que Ă©, exerce toda a sua criatividade no sentido de te aprisionar, retirando-te a autoestima e confiança. Viver refĂ©m da mente dá precisamente nisto, numa agonia sem fim onde o passado bloqueia, o presente inibe e o futuro assusta. É isto que queres? Calculo que nĂŁo, mas o que Ă© tens feito para mudar essa sensação de prisioneiro? A mente sĂł deixa de mentir quando tu lhe ordenares a tua verdade e nĂŁo existe verdade acerca do futuro,
Esta Ă© a Cidade
Esta Ă© a Cidade, e Ă© bela.
Pela ocular da janela
foco o sémen da rua.
Um formigueiro se agita,
se esgueira, freme, crepita,
ziguezagueia e flutua.Freme como a sede bebe
numa avidez de garganta,
como um cavalo se espanta
ou como um ventre concebe.Treme e freme, freme e treme,
friorento voo de libélula
sobre o charco imundo e estreme.
Barco de incĂłgnito leme
cada homem, cada célula.
É como um tecido orgânico
que nĂŁo seca nem coagula,
que a si mesmo se estimula
e vai, num medido pânico.Aperfeiçoo a focagem.
Olho imagem por imagem
numa comoção crescente.
Enchem-se-me os olhos de água.
Tanto sonho! Tanta mágoa!
Tanta coisa! Tanta gente!
SĂŁo automĂłveis, lambretas,
motos, vespas, bicicletas,
carros, carrinhos, carretas,
e gente, sempre mais gente,
gente, gente, gente, gente,
num tumulto permanente
que não cansa nem descança,
um rio que no mar se lança
em caudalosa corrente.Tanto sonho! Tanta esperança!
Tanta mágoa! Tanta gente!
Mais te amo,ó poesia, Quando a realidade transcendes,Em pânico, desvairando,Na voz de um Murilo Mendes
Verosimilhança não é Verdade
Quase sempre as suspeitas nos inquietam; somos sempre o joguete desses boatos de opiniĂŁo, que tantas vezes põe em fuga um exĂ©rcito, quanto mais um simples indivĂduo. (…) nĂłs rendemo-nos prontamente Ă opiniĂŁo. NĂŁo fazemos a crĂtica das razões que nos levam ao temor, nĂŁo as esquadrinhamos. Perdemos todo o sangue-frio, batemos em retirada, como os soldados expulsos do seu campo Ă vista da nuvem de poeira que levanta uma tropa a galope, ou tomados de terror colectivo por causa de um boato semeado sem garante.
NĂŁo sei como, mas as falsidades perturbam-nos desde logo. A verdade traz consigo a sua prĂłpria medida; tudo quanto se funda sobre uma incerteza, porĂ©m, fica entregue Ă conjectura e Ă s fantasias de um espĂrito perturbado.
Eis porque, entre as mais diversas formas do medo, nĂŁo há outra mais desastrosa, mais incoercĂvel que o medo pânico. Nos casos ordinários, a reflexĂŁo Ă© falha; nestes, a inteligĂŞncia está ausente.
Interroguemos, pois, cuidadosamente a realidade. É verosĂmil que uma desgraça venha a produzir-se? Verosimilhança nĂŁo Ă© verdade. Quantos acontecimentos ocorreram sem que os esperássemos! Quantos acontecimentos esperados que jamais ocorreram! Mesmo que venham a produzir-se, que Ă© que lucraremos em nos anteciparmos Ă nossa dor?