Terra – 7
Onde ficava o mundo?
Só pinhais, matos, charnecas e milho
para a fome dos olhos.
Para lá da serra, o azul de outra serra e outra serra ainda.
E o mar? E a cidade? E os rios?
Caminhos de pedra, sulcados, curtos e estreitos,
onde chiam carros de bois e há poças de chuva.
Onde ficava o mundo?
Nem a alma sabia julgar.
Mas vieram engenheiros e máquinas estranhas.
Em cada dia o povo abraçava um outro povo.
E hoje a terra é livre e fácil como o céu das aves:
a estrada branca e menina é uma serpente ondulada
e dela nasce a sede da fuga como as águas dum rio.
Passagens sobre Pedras
521 resultadosXXXIII
Aqui sobre esta pedra, áspera, e dura,
Teu nome hei de estampar, ó Francelisa,
A ver, se o bruto mármore eterniza
A tua, mais que ingrata, formosura.Já cintilam teus olhos: a figura
Avultando já vai; quanto indecisa
Pasmou na efígie a idéia, se divisa
No engraçado relevo da escultura.Teu rosto aqui se mostra; eu não duvido,
Acuses meu delírio, quando trato
De deixar nesta pedra o vulto erguido;É tosca a prata, o ouro é menos grato;
Contemplo o teu rigor: oh que advertido!
Só me dá esta penha o teu retrato!
Canção do Verdadeiro Abandono
Podem todos rir de mim,
podem correr-me à pedrada,
podem espreitar-me à janela
e ter a porta fechada.Com palavras de ilusão
não me convence ninguém.
Tudo o que guardo na mão
não tem vislumbres de além.Não sou irmã das estrelas,
nem das pombas nem dos astros.
Tenho uma dor consciente
de bicho que sofre as pedras
e se desloca de rastos.
Negócio, palavra de pedra e cal.
Coda
Inútil escapar. A presença perdura.
Desde que sinto chão
ou de verde
ou de pedraé teu rastro que encontro e encontro em ti meu chão.
E quando te pressinto
o de verde é mais terno
e o de mais dura pedra
um sensível durâmen.Tu que arrancas até da rocha viva o sangue,
tu que vens pela foz destes veios de eu te amo:
— Em que século, amor, nossas almas se fundem?
Em que terra?Através de que mar? Ah que céu
velho céu já chorou por nós — perdidos cúmulos —
guaiando em nosso mundo impossíveis azuis?
E desde quando o amor se abriu aos nossos olhos?
De que abrolhos e sal de amar nos marejou?Em meu solo és madeiro
e nave
e asa que sonha.
Em todo canto te acho e onde é teu canto eu sou.
Há que Pôr Pedra sobre Pedra
Nunca pensei em ser governo, nunca o quis mesmo, mas interessei-me sempre muito pelos negócios públicos, pelos negócios do País. E aí tem um exemplo, anterior à minha entrada no Governo, que lhe pode dar uma ideia do ritmo da minha acção, da tal marcha vagarosa de que me acusam…
(…) É que me fui habilitando, lentamente, sem precipitações, quase sem dar por isso, liberto de qualquer ambição de ordem pessoal. E assim, quando a minha intervenção na máquina do Estado pôde ser útil, ela foi aproveitada, talvez, como não seria se eu tivesse improvisado uma cultura. Pois com a marcha do País o mesmo acontece. Há que pôr pedra sobre pedra, mas desinteressadamente, sem pensar na glória própria e sem pensar até, excessivamente, na abóbada, na finalidade. A ânsia de chegar ao fim, de fazer muitas coisas ao mesmo tempo leva, às vezes, ao fim, mas ao fim de tudo…
Tédio
Sobre minh’alma, como sobre um trono,
Senhor brutal, pesa o aborrecimento.
Como tardas em vir, último outono,
Lançar-me as folhas últimas ao vento!Oh! dormir no silêncio e no abandono,
Só, sem um sonho, sem um pensamento,
E, no letargo do aniquilamento,
Ter, ó pedra, a quietude do teu sono!Oh! deixar de sonhar o que não vejo!
Ter o sangue gelado, e a carne fria!
E, de uma luz crepuscular velada,Deixar a alma dormir sem um desejo,
Ampla, fúnebre, lúgubre, vazia
Como uma catedral abandonada!…
Conta Comigo Sempre
Conta comigo sempre. Desde a sílaba inicial até à última gota de sangue. Venho do silêncio incerto do poema e sou, umas vezes constelação e outras vezes árvore, tantas vezes equilíbrio, outras tantas tempestade. A nossa memória é um mistério, recordo-me de uma música maravilhosa que nunca ouvi, na qual consigo distinguir com clareza as flautas, os violinos, o oboé.
O sonho é, e será sempre e apenas, dos vivos, dos que mastigam o pão amadurecido da dúvida e a carne deslumbrada das pupilas. Estou entre vazios e plenitudes, encho as mãos com uma fragilidade que é um pássaro sábio e distraído que se aninha no coração e se alimenta de amor, esse amor acima do desejo, bem acima do sofrimento.
Conta comigo sempre. Piso as mesmas pedras que tu pisas, ergo-me da face da mesma moeda em que te reconheço, contigo quero festejar dias antigos e os dias que hão-de vir, contigo repartirei também a minha fome mas, e sobretudo, repartirei até o que é indivisível. Tu sabes onde estou.
Sabes como me chamo. Estarei presente quando já mais ninguém estiver contigo, quando chegar a hora decisiva e não encontrares mais esperança, quando a tua antiga coragem vacilar.
A honra é como a pedra preciosa: com um pequeno defeito, tem o preço enormemente reduzido.
A tirania da humanidade era como o gotejamento obstinado da água que cai em cima de uma pedra e a desgasta a pouco a pouco; e este gotejamento continua, caindo obstinadamente, caindo sem parar sobre as almas das crianças.
A vantagem estratégica desenvolvida por bons guerreiros é como o movimento de uma pedra redonda, rolando por uma montanha de 300 metros de altura. A força necessária é insignificante; o resultado, espetacular.
O Amor E A Morte
(com tema de Augusto dos Anjos)
Sobre essa estrada ilumineira e parda
dorme o Lajedo ao sol, como uma Cobra.
Tua nudez na minha se desdobra
— ó Corça branca, ó ruiva Leoparda.O Anjo sopra a corneta e se retarda:
seu Cinzel corta a pedra e o Porco sobra.
Ao toque do Divino, o bronze dobra,
enquanto assolo os peitos da javarda.Vê: um dia, a bigorna desses Paços
cortará, no martelo de seus aços,
e o sangue, hão de abrasá-lo os inimigos.E a Morte, em trajos pretos e amarelos,
brandirá, contra nós, doidos Cutelos
e as Asas rubras dos Dragões antigos.
O Meu Amor
O meu amor, que livre anda de engano,
ambiente natural
encontra nestes campos, onde a relva,
levemente movida pela brisa,
ao contacto é macia,
e o boi rumina, sem espanto, a sua
doçura de vagar,
olhos postos nas coisas, distraído;
um cavalo anda longe,
e a crina se desfralda como um leque,
aberto por um vento muito brando.Meu amor se acomoda entre estas pedras
como a seu leito o rio,
a asa do insecto ao corpo delicado,
ao morno ventre o bicho não nascido.
Como fronde se inclina
aos meus suspiros, que deitando vou
aos transparentes ares,
quando o arvoredo a fina brisa agita.
Ah deleitosa vida,
pelo arado do sonho sou levada,
e o que fazes de mim é o que me fica.Sem qualquer pensamento ou sentimento
que de leve me afaste,
mergulho na secura do que vejo.
Cada coisa está viva em seu lugar,
cada coisa está certa:
o inverno seca apenas o exterior,
deixa a humidade interna.
Que sei de olmos e faias e olorosas
ervas?
Ah, todo o cais é uma saudade de pedra!
Pedra roliça não cria bolor.
O coração da mulher é um abismo. Este axioma é já tão velho, que não é habilidade nenhuma repeti-lo. Habilidade é sondar o dito abismo e adivinhar a mulher. Muitos o tentam, e poucos conseguem vir a lume com a pedra filosofal. É uma exploração perigosa como a dos exploradores. É como as viagens do pólo, em cujos gelos ficam sepultados os nautas atrevidos. E, se não fosse assim difícil a conquista, a mulher não valia nada. O que a faz preciosa é o segredo.
A Minha Dor
A minha Dor é um convento ideal
Cheio de claustros, sombras, arcarias,
Aonde a pedra em convulsões sombrias
Tem linhas dum requinte escultural.Os sinos têm dobres de agonias
Ao gemer, comovidos, o seu mal…
E todos têm sons de funeral
Ao bater horas, no correr dos dias…A minha Dor é um convento. Há lírios
Dum roxo macerado de martírios,
Tão belos como nunca os viu alguém!Nesse triste convento aonde eu moro,
Noites e dias rezo e grito e choro,
E ninguém ouve… ninguém vê… ninguém…
O Sentimento dum Ocidental
I
Avé-Maria
Nas nossas ruas, ao anoitecer,
Há tal soturnidade, há tal melancolia,
Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia
Despertam-me um desejo absurdo de sofrer.O céu parece baixo e de neblina,
O gás extravasado enjoa-me, perturba;
E os edifícios, com as chaminés, e a turba
Toldam-se duma cor monótona e londrina.Batem carros de aluguer, ao fundo,
Levando à via-férrea os que se vão. Felizes!
Ocorrem-me em revista, exposições, países:
Madrid, Paris, Berlim, S. Petersburgo, o mundo!Semelham-se a gaiolas, com viveiros,
As edificações somente emadeiradas:
Como morcegos, ao cair das badaladas,
Saltam de viga em viga os mestres carpinteiros.Voltam os calafates, aos magotes,
De jaquetão ao ombro, enfarruscados, secos;
Embrenho-me, a cismar, por boqueirões, por becos,
Ou erro pelos cais a que se atracam botes.E evoco, então, as crónicas navais:
Mouros, baixéis, heróis, tudo ressuscitado!
Luta Camões no Sul, salvando um livro a nado!
Singram soberbas naus que eu não verei jamais!E o fim da tarde inspira-me; e incomoda!
O Mundo Do Sertão
(com tema do nosso armorial)
Diante de mim, as malhas amarelas
do mundo, Onça castanha e destemida.
No campo rubro, a Asma azul da vida
à cruz do Azul, o Mal se desmantela.Mas a Prata sem sol destas moedas
perturba a Cruz e as Rosas mal perdidas;
e a Marca negra esquerda inesquecida
corta a Prata das folhas e fivelas.E enquanto o Fogo clama a Pedra rija,
que até o fim, serei desnorteado,
que até no Pardo o cego desespera,o Cavalo castanho, na cornija,
tenha alçar-se, nas asas, ao Sagrado,
ladrando entre as Esfinges e a Pantera.
Decadência
Iguais às linhas perpendiculares
Caíram, como cruéis e hórridas hastas,
Nas suas 33 vértebras gastas
Quase todas as pedras tumulares!A frialdade dos círculos polares,
Em sucessivas atuações nefastas,
Penetrara-lhe os próprios neuroplastas,
Estragara-lhe os centros medulares!Como quem quebra o objeto mais querido
E começa a apanhar piedosamente
Todas as microscópicas partículas,Ele hoje vê que, após tudo perdido,
Só lhe restam agora o último dente
E a armação funerária das clavículas!