Poemas sobre Luta

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Poemas de luta escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Esta Gente

Esta gente cujo rosto
Às vezes luminoso
E outras vezes tosco

Ora me lembra escravos
Ora me lembra reis

Faz renascer meu gosto
De luta e de combate
Contra o abutre e a cobra
O porco e o milhafre

Pois a gente que tem
O rosto desenhado
Por paciência e fome
É a gente em quem
Um país ocupado
Escreve o seu nome

E em frente desta gente
Ignorada e pisada
Como a pedra do chão
E mais do que a pedra
Humilhada e calcada

Meu canto se renova
E recomeço a busca
De um país liberto
De uma vida limpa
E de um tempo justo

Senta-te aí

Está na hora de ouvires o teu pai
Puxa para ti essa cadeira
Cada qual é que escolhe aonde vai
Hora-a-hora e durante a vida inteira

Podes ter uma luta que é só tua
Ou então ir e vir com as marés
Se perderes a direcção da Lua
Olha a sombra que tens colada aos pés

Estou cansado. Aceita o testemunho
Não tenho o teu caminho pra escrever
Tens de ser tu, com o teu próprio punho
Era isto o que te queria dizer

Sou uma metade do que era
Com mais outro tanto de cidade
Vou-me embora que o coração não espera
À procura da mais velha metade

Poeta como Tu, Irmão

Não sou mais poeta do que tu, irmão!
Tu cavas na terra a semente da vida,
eu cavo na vida a semente da libertação.

Somos partes perdidas dum só
que a razão de ser das coisas
separou. Não sou mais poeta do que tu, irmão.
A mãe que te gerou a mim me gerou —
não foi ela quem nos trocou
as mãos, a voz do coração.

Abandona um pouco a charrua, arranca
da terra os olhos cansados, e limpa
o sujo da cara ao sujo das mãos — onde
os calos são um só e as rugas da morte
caminhos cobertos de pó.

E olha
na direcção do meu braço cansado, sem
músculos quadrados
nem merda nas unhas, mas que te aponta
o mundo onde as raízes do dia, a luta, o trabalho
reclamam suor
mas não te roubam o pão.
Arranca os olhos da terra, irmão!

Identidade

Matei a lua e o luar difuso.
Quero os versos de ferro e de cimento.
E em vez de rimas, uso
As consonâncias que há no sofrimento.

Universal e aberto, o meu instinto acode
A todo o coração que se debate aflito.
E luta como sabe e como pode:
Dá beleza e sentido a cada grito.

Mas como as inscrições nas penedias
Têm maior duração,
Gasto as horas e os dias
A endurecer a forma da emoção.

Marília de Dirceu

(excerto)

Eu, Marília, não sou algum vaqueiro,
que viva de guardar alheio gado,
de tosco trato, de expressões grosseiro,
dos frios gelos e dos sóis queimado.
Tenho próprio casal e nele assisto;
dá-me vinho, legume, fruta, azeite;
das brancas ovelhinhas tiro o leite
e mais as finas lãs, de que me visto.
Graças, Marília bela, graças à minha estrela!

Eu vi o meu semblante numa fonte:
dos anos inda não está cortado;
os pastores que habitam este monte
respeitam o poder do meu cajado.
Com tal destreza toco a sanfoninha,
que inveja até me tem o próprio Alceste:
ao som dela concerto a voz celeste,
nem canto letra que não seja minha.
Graças, Marília bela,
graças à minha estrela!

Mas tendo tantos dotes da ventura,
só apreço lhes dou, gentil pastora,
depois que o teu afeto me segura
que queres do que tenho ser senhora.
E bom, minha Marília, é bom ser dono
de um rebanho, que cubra monte e prado;
porém, gentil pastora, o teu agrado
vale mais que um rebanho e mais que um trono.

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O Homem que Contempla

Vejo que as tempestades vêm aí
pelas árvores que, à medida que os dias se tomam mornos,
batem nas minhas janelas assustadas
e ouço as distâncias dizerem coisas
que não sei suportar sem um amigo,
que não posso amar sem uma irmã.

E a tempestade rodopia, e transforma tudo,
atravessa a floresta e o tempo
e tudo parece sem idade:
a paisagem, como um verso do saltério,
é pujança, ardor, eternidade.

Que pequeno é aquilo contra que lutamos,
como é imenso, o que contra nós luta;
se nos deixássemos, como fazem as coisas,
assaltar assim pela grande tempestade, —
chegaríamos longe e seríamos anónimos.

Triunfamos sobre o que é Pequeno
e o próprio êxito torna-nos pequenos.
Nem o Eterno nem o Extraordinário
serão derrotados por nós.
Este é o anjo que aparecia
aos lutadores do Antigo Testamento:
quando os nervos dos seus adversários
na luta ficavam tensos e como metal,
sentia-os ele debaixo dos seus dedos
como cordas tocando profundas melodias.

Aquele que venceu este anjo
que tantas vezes renunciou à luta.

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Ontem à Tarde um Homem das Cidades

Ontem à tarde um homem das cidades
Falava à porta da estalagem.
Falava comigo também.
Falava da justiça e da luta para haver justiça
E dos operários que sofrem,
E do trabalho constante, e dos que têm fome,
E dos ricos, que só têm costas para isso.
E, olhando para mim, viu-me lágrimas nos olhos
E sorriu com agrado, julgando que eu sentia
O ódio que ele sentia, e a compaixão
Que ele dizia que sentia.
(Mas eu mal o estava ouvindo.
Que me importam a mim os homens
E o que sofrem ou supõem que sofrem?
Sejam como eu — não sofrerão.
Todo o mal do mundo vem de nos importarmos uns com os
outros,
Quer para fazer bem, quer para fazer mal.
A nossa alma e o céu e a terra bastam-nos.
Querer mais é perder isto, e ser infeliz.)
Eu no que estava pensando
Quando o amigo de gente falava
(E isso me comoveu até às lágrimas),
Era em como o murmúrio longínquo dos chocalhos
A esse entardecer
Não parecia os sinos duma capela pequenina
A que fossem à missa as flores e os regatos
E as almas simples como a minha.

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Hino à Solidão

Diz-se que a solidão torna a vida um deserto;
Mas quem sabe viver com a sua alma nunca
Se encontra só; a Alma é um mundo, um mundo
[aberto
Cujo átrio, a nossos pés, de pétalas se junca.

Mundo vasto que mil existências povoam:
Imagens, concepções, formas do sentimento,
— Sonhos puros que nele em beleza revoam
E ficam a brilhar, sóis do seu firmamento.

Dia a dia, hora a hora, o Pensamento lavra
Esse fecundo chão onde se esconde e medra
A semente que vai germinar na Palavra,
Cantar no Som, flores na Cor, sorrir na Pedra!

Basta que certa luz de seus raios aqueça
A semente que jaz na sua leiva escondida,
Para que ela, a sorrir, desabroche e floresça,
De perfumes enchendo as estradas da Vida.

Sei que embora essa luz nem para todos tenha
O mesmo brilho, o mesmo impulso criador,
Da Glória, sempre vã, todo o asceta desdenha,
Vivendo como um deus no seu mundo interior.

E que mundo sublime, esse em que ele se agita!
Mundo que de si mesmo e em si mesmo criou,

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Poema da Voz que Escuta

Chamam-me lá em baixo.
São as coisas que não puderam decorar-me:
As que ficaram a mirar-me longamente
E não acreditaram;
As que sem coração, no relâmpago do grito,
Não puderam colher-me.
Chamam-me lá em baixo,
Quase ao nível do mar, quase à beira do mar,
Onde a multidão formiga
Sem saber nadar.
Chamam-me lá em baixo
Onde tudo é vigoroso e opaco pelo dia adiante
E transparente e desgraçado e vil
Quando a noite vem, criança distraída,
Que debilmente apaga os traços brancos
Deste quadro negro – a Vida.
Chamam-me lá em baixo:
Voz de coisas, voz de luta.
É uma voz que estala e mansamente cala
E me escuta.

Ruína

Sem encontrar-se.
Viajante pelo seu próprio torso branco.
Assim ia o ar.

Logo se viu que a lua
era uma caveira de cavalo
e o ar uma maçã escura.

Detrás da janela,
com látegos e luzes se sentia
a luta da areia contra a água.

Eu vi chegarem as ervas
e lhes lancei um cordeiro que balia
sob seus dentezinhos e lancetas.

Voava dentro de uma gota
a casca de pluma e celulóide
da primeira pomba.

As nuvens, em manada,
ficaram adormecidas contemplando
o duelo das rochas contra a aurora.

Vêm as ervas, filho;
já soam suas espadas de saliva
pelo céu vazio.

Minha mão, amor. As ervas!
Pelos cristais partidos da morada
o sangue desatou suas cabeleiras.

Tu somente e eu ficamos;
prepara teu esqueleto para o ar.
Eu só e tu ficamos.

Prepara teu esqueleto;
é preciso ir buscar depressa, amor, depressa,
nosso perfil sem sonho.

A Adoração dos Magos

Aquela noite a três
foi como desenhar a maçarico
numa chapa de ferro
um vento fóssil, um vítreo monograma,
o rasto ao exceder o voo de uma carriça
cativo flutua no vidro de uma jarra.
Suspensos percorriam na polpa da vertigem
léguas sobre o abismo.
Pendentes do zinco da manhã
à espera do início
do seguinte espectáculo
dispersaram o sémen
nas chaminés da noite leprosa.
Nos terraços da luta percorreram
as danças mais funestas da ternura.
Num combinar astuto de referências
abriram-se os portais
e despediram galopes penitentes
os animais libertos
das tecidas mansões.
O unicórnio branco depôs sua cabeça
nos braços da senhora,
compadecida dama,
e lhe tocou fiando suas lãs
entre as unhas crivadas por metralha.
Sinto-lhes o assédio,
em cada joelho poisam
um queixo armadilhado,
a barba já cresceu desde o jantar.
«É a adoração dos magos» – murmuras tu –
fincando na ravina os dedos imanados
enquanto o tronco investe
a pele percorrida por venosas nascentes.
Olho por sobre um ombro
e surpreendo a treva
ofendida esgueirar-se
entre os dedos da porta.

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Poeta

Poeta, a construíres sonhos contraditórios!
Tu tens na vida uns ideais burgueses
Que não te satisfazem!

Poeta, tu desejas
Misérias e reveses
Que te façam cantar.
E amas o conforto,
E gostas de jantar!…

Poeta, sempre em luta vã contigo,
— Que sofres de já ser aquilo que não és,
Que sofres de não ser aquilo que queres ser…

Poeta, é já bem grande o teu castigo.
É preciso viver.

Vida

Sempre a indesencorajada alma do homem
resoluta indo à luta.
(Os contingentes anteriores falharam?
Pois mandaremos novos contingentes
e outros mais novos.)
Sempre o cerrado mistério
de todas as idades deste mundo
antigas ou recentes;
sempre os ávidos olhos, hurras, palmas
de boas-vindas, o ruidoso aplauso;
sempre a alma insatisfeita,
curiosa e por fim não convencida,
lutando hoje como sempre,
batalhando como sempre.

No Teu Rosto

No teu rosto
competem mil madrugadas

Nos teus lábios
a raiz do sangue
procura suas pétalas

A tua beleza
é essa luta de sombras
é o sobressalto da luz
num tremor de água
é a boca da paixão
mordendo o meu sossego

A Casada Infiel

Levei-a comigo ao rio,
pensando que era donzela,
porém já tinha marido.
Foi na noite de Santiago
e quase por compromisso.
Os lampiões se apagaram
e acenderam-se os grilos.
Nas derradeiras esquinas
toquei seus peitos dormidos
e pra mim logo se abriram
como ramos de jacintos.
A goma de sua anágua
soava no meu ouvido,
como uma peça de seda
lacerada por dez facas.
Sem luz de prata nas copas
as árvores têm crescido,
e um horizonte de cães
ladra mui longe do rio.

*

Passadas as sarçamoras
os juncos e os espinheiros,
por debaixo da folhagem
fiz um fojo sobre o limo.
Minha gravata tirei.
Tirou ela seu vestido.
Eu, o cinto com revólver.
Ela, seus quatro corpetes.
Nem nardos nem caracóis
têm uma cútis tão fina,
nem os cristais ao luar
resplandecem com tal brilho.
Suas coxas me fugiam
como peixes surpreendidos,
metade cheia de lume,
metade cheia de frio.
Percorri naquela noite
o mais belo dos caminhos,
montado em potra de nácar
sem bridas e sem estribos.

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Desporto e Pedagogia

I

Diz ele que não sei ler
Isso que tem? Cá na aldeia
Não se arranjam dúzia e meia
Que saibam ler e escrever.

II

P’ra escolas não há bairrismo,
Não há amor nem dinheiro.
Por quê? Porque estão primeiro
O Futebol e o Ciclismo!

III

Desporto e pedagogia
Se os juntassem, como irmãos,
Esse conjunto daria,
Verdadeiros cidadãos!
Assim, sem darem as mãos,
O que um faz, outro atrofia.

IV

Da educação desportiva,
Que nos prepara p’ra vida,
Fizeram luta renhida
Sem nada de educativa.

V

E o povo, espectador em altos gritos,
Provoca, gesticula, a direito e torto,
Crendo assim defender seus favoritos
Sem lhe importar saber o que é desporto.

VI

Interessa é ganhar de qualquer maneira.
Enquanto em campo o dever se atropela,
Faz-se outro jogo lá na bilheiteira,
Que enche os bolsinhos aos que vivem dela.

VII

Convém manter o Zé bem distraído
Enquanto ele se entrega à diversão,

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Guerra

São meus filhos. Gerei-os no meu ventre.
Via-os chegar, às tardes, comovidos,
nupciais e trementes
do enlace da Vida com os sentidos.

Estiveram no meu colo, sonolentos.
Contei-lhes muitas lendas e poemas.
Às vezes, perguntavam por algemas.
Respondia-lhes: mar, astros e ventos.

Alguns, os mais ousados, os mais loucos,
desejavam a luta, o caos, a guerra.
Outros sonhavam e acordavam roucos
de gritar contra os muros que há na Terra.

São meus filhos. Gerei-os no meu ventre.
Nove meses de esperança, lua a lua.

Grandes barcos os levam, lentamente…

Arte de Amar

Metidos nesta pele que nos refuta,
Dois somos, o mesmo que inimigos.
Grande coisa, afinal, é o suor
(Assim já o diziam os antigos):
Sem ele, a vida não seria luta,
Nem o amor amor.

O Teu Riso

Tira-me o pão, se quiseres,
tira-me o ar, mas
não me tires o teu riso.

Não me tires a rosa,
a flor de espiga que desfias,
a água que de súbito
jorra na tua alegria,
a repentina onda
de prata que em ti nasce.

A minha luta é dura e regresso
por vezes com os olhos
cansados de terem visto
a terra que não muda,
mas quando o teu riso entra
sobe ao céu à minha procura
e abre-me todas
as portas da vida.

Meu amor, na hora
mais obscura desfia
o teu riso, e se de súbito
vires que o meu sangue mancha
as pedras da rua,
ri, porque o teu riso será para as minhas mãos
como uma espada fresca.

Perto do mar no outono,
o teu riso deve erguer
a sua cascata de espuma,
e na primavera, amor,
quero o teu riso como
a flor que eu esperava,
a flor azul, a rosa
da minha pátria sonora.

Ri-te da noite,

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