A solidão é tão necessária para a imaginação como a sociedade é saudável para o caráter.
Passagens sobre Solidão
570 resultadosJuventude
Sim, eu conheço, eu amo ainda
esse rumor abrindo, luz molhada,
rosa branca. Não, não é solidão,
nem frio, nem boca aprisionada.
Não é pedra nem espessura.
É juventude. Juventude ou claridade.
É um azul puríssimo, propagado,
isento de peso e crueldade.
Os Amantes
Encheram profunda taça e envolveram-se em fervor.
Ficou-lhes na boca — presa ao crescente desejo
de mais beberem, de mais conhecerem — o sabor
da outra Vida maior, onde os levara o ensejo
de ultrapassarem a carne. Em solidão limitados,
num barco sem dia a dia, compromissos ou tratados,
singram velozes sem tempo, definidos pela estrela
que lhes indica, serena e nitidamente, o norte.Encheram de novo a taça; incha mais a panda vela.
E para serem iguais, apenas lhes falta a Morte!
A civilização converteu a solidão num dos bens mais preciosos que a alma humana possa desejar.
Mãe, Eu Estou tão Cansado
Mãe, eu estou tão cansado e sinto nos ossos
o chamamento da água, o chamamento sibilino
que se confunde com o ranger das portas das casas
onde jamais voltarei: venha veloz o sono capaz
de me resgatar e que dentro dele se perfilem
as sombras e os gestos, exército dos meus medos
mais secretos, temores enrodilhados na roupa húmida
das camas. Mãe, a luz não se demora no meu quarto,
morre nas corolas das flores que trouxeste
para o riso não murchar, e eu fico doente só de olhar
os muros onde a hera é espiral de espanto, raiz
de uma enfermidade latente. Não voltarei
às actas do desespero, que são sombrias e magras
como os corpos dos amantes que definham sobre a
[areia
na fúria da maré, com uma gramática de murmúrios
escondida na solidão branca das dunas, mãe.
Solidão
A solidão é como uma chuva.
Ergue-se do mar ao encontro das noites;
de planícies distantes e remotas
sobe ao céu, que sempre a guarda.
E do céu tomba sobre a cidade.Cai como chuva nas horas ambíguas,
quando todas as vielas se voltam para a manhã
e quando os corpos, que nada encontraram,
desiludidos e tristes se separam;
e quando aqueles que se odeiam
têm de dormir juntos na mesma cama:então, a solidão vai com os rios…
Tradução de Maria João Costa Pereira
A Minha Poesia
A minha poesia e a minha vida fluíram como um rio americano, como uma torrente de águas do Chile, nascidas na intimidade profunda das montanhas austrais e dirigindo sem cessar para uma saída marítima o movimento do caudal. A minha poesia não rejeitou nada do que pôde transportar nas suas águas. Aceitou a paixão, desenvolveu o mistério, abriu passagem nos corações do povo.
Coube-me sofrer e lutar, amar e cantar. Tocaram-me na partilha do mundo o triunfo e a derrota, provei o gosto do pão e do sangue. Que mais quer um poeta? Todas as alternativas, do pranto até aos beijos, da solidão até ao povo, estão vivas na minha poesia, reagem nela, porque vivi para a minha poesia e porque a poesia sustentou as minhas lutas. E se muitos prémios alcancei, prémios fugazes como borboletas de pólen evasivo, alcancei um prémio maior, um prémio que muitos desdenham, mas que, na realidade, é para muitos inatingível.
Consegui chegar, através de uma dura lição de estética e rebusca, através dos labirintos da palavra escrita, à altura de poeta do meu povo. O meu prémio maior é esse — não os livros e os poemas traduzidos, não os livros escritos para descreverem ou dissecarem as palavras dos meus livros.
O casamento é o máximo da solidão com a mínima privacidade.
Falo de Ti às Pedras das Estradas
Falo de ti às pedras das estradas,
E ao sol que e louro como o teu olhar,
Falo ao rio, que desdobra a faiscar,
Vestidos de princesas e de fadas;Falo às gaivotas de asas desdobradas,
Lembrando lenços brancos a acenar,
E aos mastros que apunhalam o luar
Na solidão das noites consteladas;Digo os anseios, os sonhos, os desejos
Donde a tua alma, tonta de vitória,
Levanta ao céu a torre dos meus beijos!E os meus gritos de amor, cruzando o espaço,
Sobre os brocados fúlgidos da glória,
São astros que me tombam do regaço!
Purinha
O Espirito, a Nuvem, a Sombra, a Chymera,
Que (aonde ainda não sei) neste mundo me espera
Aquella que, um dia, mais leve que a bruma,
Toda cheia de véus, como uma Espuma,
O Sr. Padre me dará p’ra mim
E a seus pés me dirá, toda corada: Sim!
Ha-de ser alta como a Torre de David,
Magrinha como um choupo onde se enlaça a vide
E seu cabello em cachos, cachos d’uvas,
E negro como a capa das viuvas…
(Á maneira o trará das virgens de Belem
Que a Nossa Senhora ficava tão bem!)
E será uma espada a sua mão,
E branca como a neve do Marão,
E seus dedos serão como punhaes,
Fuzos de prata onde fiarei meus ais!
E os seus seios serão como dois ninhos,
E seus sonhos serão os passarinhos,
E será sua bocca uma romã,
Seus olhos duas Estrellinhas da Manhã!
Seu corpo ligeiro, tão leve, tão leve,
Como um sonho, como a neve,
Que hei-de suppor estar a ver, ao vel-a,
Cabrinhas montezas da Serra da Estrella…
E ha-de ser natural como as hervas dos montes
E as rolas das serras e as agoas das fontes…
A solidão é impossível, e a sociedade, fatal.
O Indiferente
Posso amar tanto louras como morenas,
A que cede à abundância e a que trai por pobreza,
A que busca a solidão e a que se mascara e brinca,
Aquela que o campo cultivou e a da cidade,
A que acredita, e a que hesita,
A que ainda lacrimeja com olhos esponjosos,
E a rolha seca que nunca chora.
Eu posso amar essa e esta, e tu, e tu,
Posso amar qualquer uma, desde que não seja leal.Nenhum outro vício vos satisfará?
Não vos será útil fazer como as vossas mães?
Ou, gastos todos os velhos vícios, inventaram novos?
Ou atormenta-vos o medo de que os homens sejam fiéis?
Oh, não o somos, não o sejais vós também,
Deixai-me conhecer, eu e vós, mais de vinte.
Roubem-me, mas não me prendam, deixai-me ir.
Devo eu, que vim a estas dores através de vós
Tornar-me vosso fiel súbdito, porque sois leais?Vénus ouviu-me suspirar esta canção,
E pela maior doçura do amor, a variedade, jurou
Que a não ouvira até então, e não mais seria assim.
E foi-se,
A consciência é uma pequena lanterna que a solidão acende à noite.
Odeio quem me rouba a solidão sem verdadeiramente me oferecer companhia.
Há momentos infelizes em que a solidão e o silêncio se tornam meios de liberdade.
Quando se vive só, não se fala muito alto, não se escreve também muito alto: receia-se o eco, o vazio do eco, a crítica da ninfa Eco. A solidão modifica as vozes.
A Solidão do Artista
Diz-se às vezes de certas pessoas, e para isso se reprovar, que têm dupla personalidade. Mas dupla ou múltipla têm-na normalmente os artistas. Ela é pelo menos a do convívio exterior e a do seu intimismo. Se trazem esta para a rua, são quase sempre insuportáveis. Só se suporta o que é de um profundo interesse, quando isso é rentável. Imagino que o capitalista tenha na sua vida íntima um mundo de cifrões. Se o cifrão vier à rua, tem ainda cotação. Mas o artista? Mesmo a coisa minúscula da sua pequena vaidade é irritante. Um político pode blasonar pimponice, que tem adeptos a aplaudir. O artista é um condenado, com o ferrete da ignomínia. O seu dever social é ocultar a degradação ou então marginalizar-se. Para efeitos cívicos ou mundanos, só depois de bem morto. A solidão é assim o seu destino. Aí sofre ou tem alegrias, aí obedece a um estranho mandato que lhe passaram na eternidade. Discreto, envergonhado, todo o seu esforço, no domínio das relações, é esconder a sua mancha. Nenhum povo existe senão pelo seu espírito. Somos o que somos pelo que foi excepção dos que nos precederam. Mas o dia a dia não é espiritual,
Meus planos finais: solidão eremítica nas florestas, escrever tranquilamente na velhice.
Amor será dar de presente um ao outro a própria solidão? Pois é a coisa mais última que se pode dar de si.
Não Sei o que Ha de Vago
Não sei o que ha de vago,
Incoercivel, puro,
No vôo em que divago
Á tua busca, amor!
No vôo em que procuro
O balsamo, o aroma,
Que, se uma fórma toma,
É de impalpavel flôr!Oh como te eu aspiro
Na ventania agreste!
Oh como te eu admiro
Nas solidões do mar!
Quando o azul celeste
Descança n’essas agoas
Bem como n’estas magoas
Descança o teu olhar!Que placida harmonia
Então a pouco e pouco
Me eleva a fantasia
A novas regiões!
Dando-me ao uivo rouco
Do mar, n’essas cavernas,
O timbre das mais ternas
E pias orações!Parece todo o mundo
Só um immenso templo!
O mar já não tem fundo
E não tem fundo o céo!
E, em tudo, o que contemplo,
O que diviso em tudo,
És tu!… esse olhar mudo!…
O mundo… és tu… e eu!…