Dualidade
Sei que é Amor, meu amor…porque o desejo
o meu próprio desejo tão violento,
dir-se-ia ter pudor, ter sentimento,
quando estás junto a mim, quando te vejo.É um clarim a vibrar como um harpejo,
misto de impulso e de deslumbramento.
Sei que é Amor, meu amor…porque o desejo
é desejo e ternura a um só momento.Beijo-te a boca, as mãos, e hei de beijar-te
nessa dupla emoção, (violento e terno)
em que a minha alma inteira se reparte,– e a perceber em meu estranho ardor,
que há uma luta entre o efêmero e o eterno,
entre um demônio e um anjo em todo Amor!
Sonetos sobre Amor
742 resultadosAs Razões
Quando passas por mim depressa, indiferente,
e não me dás sequer, um sorriso… um olhar…
– como um vulto qualquer, em meio a tanta gente
que costuma nos ver sem nunca nos notar…Quando passa assim, distraída, nesse ar
de quem só sabe andar olhando para frente,
e finges não me ver, e avanças sem voltar
o rosto… e vais seguindo displicentemente…– eu penso com tristeza em tua hipocrisia…
Ninguém sabe que a tive ao meu amor vencida
e que um dia choraste… e que choraste um dia…Mas para que contar? Que sejas sempre assim,
e que ninguém descubra nunca em tua vida
as razões por que passas sem olhar pra mim!…
Sonho Oriental
Sonho-me às vezes rei, n’alguma ilha,
Muito longe, nos mares do Oriente,
Onde a noite é balsâmica e fulgente
E a lua cheia sobre as águas brilha…O aroma da magnólia e da baunilha
Paira no ar diáfano e dormente…
Lambe a orla dos bosques, vagamente,
O mar com finas ondas de escumilha…E enquanto eu na varanda de marfim
Me encosto, absorto n’um cismar sem fim,
Tu, meu amor, divagas ao luar,Do profundo jardim pelas clareiras,
Ou descanças debaixo das palmeiras,
Tendo aos pés um leão familiar.
Por Que Falar De Amor ?
“Por Que Falar De Amor ?”
III
Se era preciso ser assim ferido
para ter-te em meus braços e em meu leito,
e sofrer tudo o que já foi sofrido
e aceitar tudo o que já está desfeito…Se era preciso, para ser querido,
ver também, rudemente contrafeito
o coração de ciúmes corrompido
em silêncio, a chorar, dentro do peito!Se era preciso destruir-me tanto
nesses desejos em que se consomem
os restos de um orgulho que foi canto,por que falar de amor? Foste lograda:
tu não tens aos teus pés o amor de um homem,
tens um fauno de rastros… e mais nada!
Na Tebaida
Chegas, com os olhos úmidos, tremente
A voz, os seios nus, como a rainha
Que ao ermo frio da Tebaida vinha
Trazer a tentação do amor ardente.Luto: porém teu corpo se avizinha
Do meu, e o enlaça como uma serpente..
Fujo: porém a boca prendes, quente,
Cheia de beijos, palpitante, à minha…Beija mais, que o teu beijo me incendeia!
Aperta os braços mais! que eu tenha a morte,
Preso nos laços de prisão tão doce!Aperta os braços mais, frágil cadeia
Que tanta força tem não sendo forte,
E prende mais que se de ferro fosse!
Corpo
VII
Pompas e pompas, pompas soberanas
Majestade serene da escultura
A chama da suprema formosura,
A opulência das púrpuras romanas.As formas imortais, claras e ufanas,
Da graça grega, da beleza pura,
Resplendem na arcangélica brancura
Desse teu corpo de emoções profanas.Cantam as infinitas nostalgias,
Os mistérios do Amor, melancolias,
Todo o perfume de eras apagadas…E as águias da paixão, brancas, radiantes,
Voam, revoam, de asas palpitantes,
No esplendor do teu corpo arrebatadas!
Nenhuma outra Viajará pela Sombra Comigo
Já és minha. Repousa com teu sono no meu sono.
Amor, dor, trabalhos, devem dormir agora.
Gira a noite em suas rodas invisíveis
e ao meu lado és pura como o âmbar adormecido.Nenhuma outra, amor, dormirá com meus sonhos.
Irás, iremos juntos pelas águas do tempo.
Nenhuma outra viajará pela sombra comigo,
apenas tu, sempre-viva, sempre sol, sempre lua.Já tuas mãos abriram os punhos delicados
e deixaram cair suaves signos sem rumo,
teus olhos fecharam-se como duas asas cinzentas,enquanto eu sigo a água que levas e me leva:
a noite, o mundo, o vento fiam o seu destino,
e sem ti já não sou senão apenas o teu sonho.
Soneto I – Leandro E Hero
O facho do Helesponto apaga o dia,
Sem que aos olhos de Hero o sono traga,
Que dentro de sua alma não se apaga
O fogo com que o facho se acendia.Aflita o seu Leandro ao mar pedia,
Que abrandado por ela, a prece afaga,
E traz-lhe o morto amante numa vaga,
(Talvez vaga de amor, inda que fria).Ao vê-lo pasma, e clama num transporte —
“Leandro!… és morto?!… Que destino infando
Te conduz aos meus braços desta sorte?!!Morreste!… mas… (e às ondas se arrojando
Assim termina já sorvendo a morte)
Hei de, mártir de amor, morrer te amando.”
Antes que Vosso Amor Meu Peito Vença
Será brando o rigor, firme a mudança,
Humilde a presunção, vária a firmeza,
Fraco o valor, cobarde a fortaleza,
Triste o prazer, discreta a confiança;Terá a ingratidão firme lembrança,
Será rude o saber, sábia a rudeza,
Lhana a ficção, sofística a lhaneza,
Áspero o a mor, benigna a esquivança;Será merecimento a indignidade,
Defeito a perfeição, culpa a defensa,
Intrépito o temor, dura a piedade,Delito a obrigação, favor a ofensa,
Verdadeira a traição, falsa a verdade,
Antes que vosso amor meu peito vença.
Tarde Demais…
Quando chegaste enfim, para te ver
Abriu-se a noite em mágico luar;
E pra o som de teus passos conhecer
Pôs-se o silêncio, em volta, a escutar…Chegaste enfim! Milagre de endoidar!
Viu-se nessa hora o que não pode ser:
Em plena noite, a noite iluminar;
E as pedras do caminho florescer!Beijando a areia d’oiro dos desertos
Procura-te em vão! Braços abertos,
Pés nus, olhos a rir, a boca em flor!E há cem anos que eu fui nova e linda!…
E a minha boca morta grita ainda:
“Por que chegaste tarde, Ó meu Amor?!…”
Noite Escura
Noite escura do amor, em que me deito
com teu corpo de luz, eu assombrado
deste fantasma de repente alado
amplificando a jaula do meu peito.Deixando-o infinito, maculado
de sangue e espuma (é mar este fantasma?
ou pássaro de mar que em onda espalma
seu corpo que é de luz e céu desfeito).E a noite escura que era o amor se ajunta
em feixes de silêncio e de desmaio
para a festa defuntade ver ressurreições: tempo em que caio
para em sombras cantar mais docemente
este sol que me põe preso e demente.
Saudades
Serei eu alguma hora tão ditoso,
Que os cabelos, que amor laços fazia,
Por prémio de o esperar, veja algum dia
Soltos ao brando vento buliçoso?Verei os olhos, donde o sol formoso
As portas da manhã mais cedo abria,
Mas, em chegando a vê-los, se partia
Ou cego, ou lisonjeiro, ou temeroso?Verei a limpa testa, a quem a Aurora
Graça sempre pediu? E os brancos dentes,
por quem trocara as pérolas que chora?Mas que espero de ver dias contentes,
Se para se pagar de gosto uma hora,
Não bastam mil idades diferentes?
Se Comparo Poder ou Ouro ou Fama
Se comparo poder ou ouro ou fama,
Venturas que em si têm occulto o damno,
Com aquele outro affecto soberano,
Que amor se diz e é luz de pura chama,Vejo que são bem como arteira dama,
Que sob honesto riso esconde o engano,
E o que as segue, como homem leviano
Que por um vão prazer deixa quem ama.Nasce do orgulho aquele esteril goso
E a glória d’ele é cousa fraudulenta,
Como quem na vaidade tem a palma:Tem na paixão seu brilho mais formoso
E das paixões tambem some-o a tormenta…
Mas a glória do amor… essa vem d’alma!
Charneca Em Flor
Enche o meu peito, num encanto mago,
O frémito das coisas dolorosas…
Sob as urzes queimadas nascem rosas…
Nos meus olhos as lágrimas apago…Anseio! Asas abertas! O que trago
Em mim? Eu oiço bocas silenciosas
Murmurar-me as palavras misteriosas
Que perturbam meu ser como um afago!E, nesta febre ansiosa que me invade,
Dispo a minha mortalha, o meu burel,
E já não sou, Amor, Soror Saudade…Olhos a arder em êxtases de amor,
Boca a saber a sol, a fruto, a mel:
Sou a charneca rude a abrir em flor!
Diário duma Mulher
Meu rosto já tem vincos de cansaço.
Murcharam como as rosas minhas faces.
Já não posso estreitar-te num abraço,
sem temer, meu Amor, que não me abraces!O luar nos meus olhos fez-se baço.
Meus lábios, se algum dia tu beijasses!…
Meu passado, porém, morreu no espaço,
qual nuvem que em chuvisco transformasses!O futuro não tem de que viver.
O amor — raízes mortas que não nascem —,
os sonhos, estão como se embarcassemnum cruzeiro de calma, sem saber
que o é… Mas essa calma hoje é sinónimo
de um sentimento misterioso, anónimo…
Versos D’um Exilado
Eu vou partir. Na límpida corrente
Rasga o batel o leito d’água fina
– Albatroz deslizando mansamente
Como se fosse vaporosa Ondina.Exilado de ti, oh! Pátria! Ausente
Irei cantar a mágoa peregrina
Como canta o pastor a matutina
Trova d’amor, à luz do sol nascente!Não mais virei talvez e, lá sozinho,
Hei de lembrar-me do meu pátrio ninho,
D’onde levo comigo a nostalgiaE esta lembrança que hoje me quebranta
E que eu levo hoje como a imagem santa
Dos sonhos todos que já tive um dia!
Alencar
Hão de anos volver, – não como as neves
De alheios climas, de geladas cores;
Hão de os anos volver, mas como as flores,
Sobre o teu nome, vívidos e leves…Tu, cearense musa, que os amores
Meigos e tristes, rústicos e breves,
Da indiana escreveste,-ora os escreves
No volume dos pátrios esplendores.E ao tornar este sol, que te há levado,
Já não acha a tristeza. Extinto é o dia
Da nossa dor, do nosso amargo espanto.Porque o tempo implacável e pausado,
Que o homem consumiu na terra fria,
Não consumiu o engenho, a flor, o encanto…
Milagre De Amor
Que mimporta, meu amor, a poesia que tanto
te preocupa porque a fiz antes de ti ?
Hoje… para não ver os teus olhos em pranto
por Deus que eu rasgaria os versos que escrevi…Hoje, já não são meus… Como que por encanto
estes poemas que fiz, que sonhei, que vivi,
são estranhos que seguem cantando o meu canto
a falarem de um velho mundo, que esqueci…De repente a mudança é tão grande, é tamanha,
que o passado se esvai numa sombra perdida,
e a minha própria voz soa falsa e estranha…Óh Milagre de Amor… ( Que por louco me tomem!)
Mas sinto uma alma nova em mim… tenho oura vida!!
E um novo coração no peito… e sou outro homem!
Razões
“Razões…”
I
Pensarás que é mentira e é no entanto verdade
– mas me afasto de ti, propositadamente,
pelo estranho prazer de sentir que a saudade
ainda torna maior o coração da gente…Parto! Bem sei que parto sem necessidade!
Quero ver os teus olhos turvos, de repente,
embora não compreenda essa felicidade
que assim te faz sofrer comigo inutilmente!Quero ouvir-te na hora da despedida
que eu volte bem depressa para a tua vida,
– quero no último beijo um soluço interior…Que enquanto ficas só, e enquanto vou sozinho,
sabemos que a saudade vai tecendo o ninho
que há de aquecer na volta o nosso eterno amor!
Um Rafeiro Fiel de um Pastor Triste
Tó, Mondego, vem cá; pois tu somente
Alivias um pouco o meu cuidado;
Que em parte se consola um desgraçado,
Quando tem quem lhe escute o mal que sente.Tu firme; tu leal; tu finalmente
Me tens na minha ausência acompanhado:
Raro impulso de amor! Porque ao seu lado
Ninguém quer suportar um descontente.Ora deixa, que em prémio da piedade,
Com que o teu zelo ao meu tormento assiste,
Farei teu nome emblema da amizade.E os versos meus que um tempo alegre ouviste
Cantarão, para exemplo da lealdade,
Um Rafeiro fiel de um Pastor triste.