Sonetos sobre Amor

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Sonetos de amor escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Acordando

Em sonho, às vezes, se o sonhar quebranta
Este meu vão sofrer; esta agonia,
Como sobe cantando a cotovia,
Para o céu a minh’alma sobe e canta.

Canta a luz, a alvorada, a estrela santa,
Que ao mundo traz piedosa mais um dia…
Canta o enlevo das cousas, a alegria
Que as penetra de amor e as alevanta…

Mas, de repente, um vento humido e frio
Sopra sobre o meu sonho: um calafrio
Me acorda. — A noite é negra e muda: a dor

Cá vela, como d’antes, ao meu lado…
Os meus cantos de luz, anjo adorado,
São sonho só, e sonho o meu amor!

Ontologia do Amor

Tua carne é a graça tenra dos pomares
e abre-se teu ventre de uma a outra lua;
de teus próprios seios descem dois luares
e desse luar vestida é que ficas nua.

Ânsia de voo em asas de ficar
de ti mesma sou o mar e o fundo.
Praia dos seres, quem te viajar
só naufragando recupera o mundo.

Ritmo de céu, por quem és pergunta
de uma azul resposta que não trazes junta
vitral de carne em catedral infinda.

Ter-te amor é já rezar-te, prece
de um imenso altar onde acontece
quem no próprio corpo é céu ainda.

Supremo Verbo

– Vai, Peregrino do caminho santo,
Faz da tu’alma lâmpada do cego,
Iluminando, pego sobre pego,
As invisíveis amplidões do Pranto.

Ei-lo, do Amor o Cálix sacrossanto!
Bebe-o, feliz, nas tuas mãos o entrego…
És o filho leal, que eu não renego,
Que defendo nas dobras do meu manto.

Assim ao Poeta a Natureza fala!
Enquanto ele estremece ao escutá-la,
Transfigurado de emoção, sorrindo…

Sorrindo a céus que vão se desvendando,
A mundos que vão se multiplicando,
A portas de ouro que vão se abrindo!

Amor E Felicidade

Infeliz de quem passa pelo mundo,
Procurando no amor felicidade:
A mais linda ilusão dura um segundo;
E dura, a partir daí, tristeza e saudade.

Repleto é o amor no íntimo mais profundo.
Onde esconde a linda jóia da verdade;
E só depois de vazia, mostra o fundo.
Só depois, embriaga-se a felicidade.

Eis aqui mais um enamorado descontente,
Escutando a palavra confidente
Que o coração murmura, e a voz não diz.

Percebo afinal meu pecado:
Quanto me falta para ser amado.
Quanto me falta para ser feliz.

Meu Calvário

Ando sempre a seguir-te… a buscar-te distante
como a visão que anseio e os olhos me seduz,
– e espero te encontrar, sentir de perto a luz
do teu olhar feliz em êxtase constante…

Mas tu foges de mim, foges a cada instante,
e eu que a este andar eterno já me predispus,
embora às vezes pare, – sigo logo adiante
sem mesmo perceber que esse amor é uma cruz!

Não sei se hás de ser minha! O teu afastamento
cresce à frente de mim, – no entanto, o imaginário
desejo de alcançar-te ergue o meu desalento…

E, após tanto sofrer, sentir-me-ei consolado,
– se ao cair no caminho… e ao fim do meu Calvário
for morrer sobre a cruz dos braços teus pregado!

Soneto

(Lendo o “Poema de Maio”)

Na rua em funeral ei-la que passa,
A romaria eterna dos aflitos,
A procissão dos tristes, dos proscritos,
Dos romeiros saudosos da desgraça.

E na choça a lamúria que traspassa
O coração, além, ânsias e gritos
De mães que arquejam sobre os probrezitos
Filhos que a Fome derrubou na praça.

Entre todos, porém, lânguida e bela,
Da juventude a virginal capela
A lhe cingir de luz a fronte baça,

Vai Corina mendiga e esfarrapada,
A alma saudosa pelo amor vibrada,
– A Stella Matutina da Desgraça!

Primeira Comunhão

Grinaldas e véus brancos, véus de neve,
Véus e grinaldas purificadores,
Vão as Flores carnais, as alvas Flores
Do Sentimento delicado e leve.

Um luar de pudor, sereno e breve,
De ignotos e de prônubos pudores,
Erra nos pulcros virginais brancores
Por onde o Amor parábolas descreve…

Luzes claras e augustas, luzes claras
Douram dos templos as sagradas aras,
Na comunhão das níveas hóstias frias…

Quando seios pubentes estremecem,
Silfos de sonhos de volúpia crescem,
Ondulantes, em formas alvadias…

Porque Quereis, Senhora, Que Ofereça

Porque quereis, Senhora, que ofereça
a vida a tanto mal como padeço?
Se vos nasce do pouco que mereço,
bem por nascer está quem vos mereça.

Sabei que, enfim, por muito que vos peça,
que posso merecer quanto vos peço;
que não consente Amor que em baixo preço
tão alto pensamento se conheça.

Assi que a paga igual de minhas dores,
com nada se restaura, mas deveis ma,
por ser capaz de tantos disfavores.

E se o valor de vossos servidores
houver de ser igual convosco mesma,
vós só convosco mesma andai d’amores.

Do Viver me Desapossa aquele Riso com que a Vida Dais

Formosos olhos, que na idade nossa
Mostrais do Céu certíssimos sinais,
Se quereis conhecer quanto possais,
Olhai-me a mim, que sou feitura vossa.

Vereis que do viver me desapossa
Aquele riso com que a vida dais;
Vereis como de Amor não quero mais,
Por mais que o tempo corra, o dano possa.

E se ver-vos nesta alma, enfim, quiserdes,
Como num claro espelho, ali vereis
Também a vossa, angélica e serena.

Mas eu cuido que, só por me não verdes,
Ver-vos em mim, Senhora, não quereis:
Tanto gosto levais de minha pena!

Noite do Roubo

A quem foram roubar os pobres trapos:
A mim, que sou humilde pobrezinho?
Olhem bem que o valor desses farrapos
Está em ter minha avó fiado o linho.

Ó rocas a fiar, contos de fadas!
Eu tinha-lhes amor e a simpatia
Que vem das saudades de algum dia,
Longe, das velhas noites seroadas.

Bragais de minha casa, e as roupas feitas
Por mãos de minha mãe, muito me assusta
Que os tomassem perversas mãos suspeitas.

Ah! mãos do furto, olhai, trazei-me à justa
Os meus linhos — suor dumas colheitas —
E amor dos meus que a mim muito me custa.

Transforma-se o Amador na Cousa Amada

Transforma-se o amador na cousa amada,
Por virtude do muito imaginar;
Não tenho logo mais que desejar,
Pois em mim tenho a parte desejada.

Se nela está minha alma transformada,
Que mais deseja o corpo de alcançar?
Em si somente pode descansar,
Pois com ele tal alma está liada.

Mas esta linda e pura semideia,
Que como o acidente em seu sujeito,
Assim co’a alma minha se conforma,

Está no pensamento como ideia;
E o vivo e puro amor de que sou feito,
Como a matéria simples busca a forma.

Que Poderei Do Mundo Já Querer

Que poderei do mundo já querer,
que naquilo em que pus tamanho amor,
não vi senão `desgosto e desamor,
e morte, enfim, que mais não pode ser!

Pois vida me não farta de viver,
pois já sei que não mata grande dor,
se cousa há que mágoa dê maior,
eu a verei; que tudo posso ver.

A morte, a meu pesar, me assegurou
de quanto mal me vinha; já perdi
o que perder o medo me ensinou.

Na vida desamor somente vi,
na morte a grande dor que me ficou:
parece que para isto só nasci!

Do Tempo que Fui Livre me Arrependo

O culto divinal se celebrava
No templo donde toda criatura
Louva o Feitor divino, que a feitura
Com seu sagrado sangue restaurava.

Amor ali, que o tempo me aguardava
Onde a vontade tinha mais segura,
Com uma rara e angélica figura
A vista da razão me salteava.

Eu crendo que o lugar me defendia
De seu livre costume, não sabendo
Que nenhum confiado lhe fugia,

Deixei-me cativar; mas hoje vendo,
Senhora, que por vosso me queria,
Do tempo que fui livre me arrependo.

Vatícinio

Hás-de beber as lágrimas sombrias
que nesta hora eu bebo soluçando!,
e o veneno das minhas ironias
há-de rasgar-te os tímpanos cantando!

Hás-de esgotar a taça de agonias
neste sabor a ódio… e, estertorando
hás-de crispar as tuas mãos vazias
de amor, como eu agora estou crispando!

E hás-de encontrar-me em teu surpreso olhar
com o mesmo sorriso singular
que a minha boca em certas horas tem.

E eu hei-de ver o teu olhar incerto
vagueando no intérmino deserto
dos teus braços tombados sem ninguém!

Canta No Espaço A Passarada E Canta

Ao meu prezado irmão Alexandre Júnior pelas nove primaveras que hoje completou.

Canta no espaço a passarada e canta
Dentro do peito o coração contente.
Tu’alma ri-se descuidosamente,
Minh’alma alegre no teu rir s’encanta.

Irmão querido, bom Papá, consente
Que neste dia de ventura tanta
Vá, num abraço de ternura santa,
Mostrar-te o afeto que meu peito sente.

Somente assim festejarei teus anos;
Enquanto outros que podem, dão-te enganos,
Jóias, bonecos de formoso busto,

Eu só encontro no primor de rima
A justa oferta, a jóia que te exprima
O amor fraterno do teu mano Augusto.

Cara Minha Inimiga, Em Cuja Mão

Cara minha inimiga, em cuja mão
pôs meus contentamentos a ventura,
faltou te a ti na terra sepultura,
porque me falte a mim consolação.

Eternamente as águas lograrão
a tua peregrina fermosura;
mas, enquanto me a mim a vida dura,
sempre viva em minh’alma te acharão.

E se meus rudos versos podem tanto
que possam prometer te longa história
daquele amor tão puro e verdadeiro,

celebrada serás sempre em meu canto;
porque enquanto no mundo houver memória,
será minha escritura teu letreiro.

Ilusões Mortas

A Virgílio Várzea

Os meus amores vão-se mar em fora,
E vão-se mar em fora os meus amores,
A murchar, a murchar, como essas flores
Sem mais orvalho e a doce luz da aurora.

E os meus amores não virão agora,
Não baterão as asas multicores,
Como as aves mansas — dentre os esplendores
Do meu prazer, do meu prazer de outrora.

Tudo emigrou, rasgando a esfera branca
Das ilusões, — tudo em revoada franca
Partiu — deixando um bem-estar saudoso

No fundo ideal de toda a minha vida,
Qual numa taça a gota indefinida
De um bom licor antigo e saboroso.

A uma Rapariga

À Nice

Abre os olhos e encara a vida! A sina
Tem que cumprir-se! Alarga os horizontes!
Por sobre lamaçais alteia pontes
Com tuas mãos preciosas de menina.

Nessa estrada da vida que fascina
Caminha sempre em frente, além dos montes!
Morde os frutos a rir! Bebe nas fontes!
Beija aqueles que a sorte te destina!

Trata por tu a mais longínqua estrela,
Escava com as mãos a própria cova
E depois, a sorrir, deita-te nela!

Que as mãos da terra façam, com amor,
Da graça do teu corpo, esguia e nova,
Surgir à luz a haste duma flor!…

Tu e Eu Devíamos Simplesmente Amar-nos

Amor, quantos caminhos para chegar a um beijo,
que solidão errante até chegar a ti!
Os comboios continuam vazios rolando com a chuva.
Em Taltal a primavera não amanheceu ainda.

Mas tu e eu, meu amor, estamos juntos,
juntos da roupa às raízes,
juntos pelo outono, pela água, pelas ancas,
até sermos apenas tu e eu juntos.

Pensar que custou tantas pedras que o rio arrasta,
a embocadura da água do Boroa,
pensar que separados por comboios e nações

tu e eu devíamos simplesmente amar-nos,
com todos confundidos, com homens e mulheres,
com a terra que implanta e educa os cravos.

A Idade

Ao princípio, era a doença de ser, pura e simples
exaltação das trevas de que a casa era a luz do mundo.
Ao princípio, estava o amor oculto no secreto fio
da memória do mundo. Ao princípio, era o insondável

desconhecido, aberto nas mãos maternais, sortilégio
do mundo. Ao princípio, vinha o silêncio como ponto
de encontro do nada do mundo. Ao princípio, chegava
a dor da pedra opressa nos corações, sublime prodígio

do mundo. Ao princípio, revelava-se o inominável,
o imóvel, o informe, a intimidade temida do mundo.
Ao princípio, clamava-se a concórdia e a piedade,

afirmação absoluta da constância do mundo.
Ao princípio, era o calor e a paz. Depois, a casa
abriu-se à terra fértil, a madre terra, a medonha terra.