Sonetos sobre Ar

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Sonetos de ar escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Testamento do Poeta

Todo esse vosso esforço é vão, amigos:
NĂŁo sou dos que se aceita… a nĂŁo ser mortos.
Demais, jĂĄ desisti de quaisquer portos;
Não peço a vossa esmola de mendigos.

O mesmo vos direi, sonhos antigos
De amor! olhos nos meus outrora absortos!
Corpos jĂĄ hoje inchados, velhos, tortos,
Que fostes o melhor dos meus pascigos!

E o mesmo digo a tudo e a todos, – hoje
Que tudo e todos vejo reduzidos,
E ao meu prĂłprio Deus nego, e o ar me foge.

Para reaver, porém, todo o Universo,
E amar! e crer! e achar meus mil sentidos!….
Basta-me o gesto de contar um verso.

És dos CĂ©us o Composto Mais Brilhante

Marília, nos teus olhos buliçosos
Os Amores gentis seu facho acendem;
A teus lĂĄbios, voando, os ares fendem
TernĂ­ssimos desejos sequiosos.

Teus cabelos subtis e luminosos
Mil vistas cegam, mil vontades prendem;
E em arte aos de Minerva se nĂŁo rendem
Teus alvos, curtos dedos melindrosos.

Reside em teus costumes a candura,
Mora a firmeza no teu peito amante,
A razĂŁo com teus risos se mistura.

És dos CĂ©us o composto mais brilhante;
Deram-se as mĂŁos Virtude e Formosura,
Para criar tua alma e teu semblante.

Idéia-Mãe

Ergueis ousadamente o templo das idéias
Assim como uns herĂłis, por sobre os vossos ombros
E ides atravĂ©s de um negro mar d’escombros,
Traçando pelo ar as loiras epopéias.

A luz tem para vós os filtros magnéticos
Que andam pela flor e brincam pela estrela.
E vĂłs amais a luz, gostais sempre de vĂȘ-la
Em amplo cintilar — nuns ĂȘxtases patĂ©ticos.

É esse o aspirar do sĂ©c’lo que deslumbra,
Que rasga da ciĂȘncia a tĂ©trica penumbra
E gera Vítor Hugo, Haeckel e Littré.

É esse o grande — Fiat — que rola no infinito!…
É esse o palpitar, homĂ©rico e bendito,
De todo o ser que vive, estuda, pensa e lĂȘ!!…

Piano De Bairro

Na rua sossegada onde moro, – Ă  tardinha,
quando em sombras o céu lentamente escure,
– um piano solitĂĄrio, em surdina, – parece
acompanhar ao longe a tarde que definha…

Nessa hora, em que de manso a noite se avizinha,
seus acordes pelo ar tem murmĂșrios de prece…
– Ah! Quem nĂŁo traz como eu tambĂ©m, na alma sozinha,
um piano evocativo que nos entristece?

HĂĄ sempre um velho piano de bairro, esquecido
na memĂłria da gente, – e que nas tardes mansas
sonoriza visÔes de outrora ao nosso ouvido.

Seus monĂłtonos sons, seus estudos sem cor,
repetem no teclado branco das lembranças
o inconcluso prelĂșdio de um longĂ­nquo amor!

Aparição

Um dia, meu amor (e talvez cedo,
Que jå sinto estalar-me o coração!)
RecordarĂĄs com dor e compaixĂŁo
As ternas juras que te fiz a medo…

EntĂŁo, da casta alcova no segredo,
Da lamparina ao trémulo clarão,
Ante ti surgirei, espectro vĂŁo,
Larva fugida ao sepulcral degredo…

E tu, meu anjo, ao ver-me, entre gemidos
E aflitos ais, estenderås os braços
Tentando segurar-te aos meus vestidos…

— «Ouve! espera!» — Mas eu, sem te escutar,
Fugirei, como um sonho, aos teus abraços
E como fumo sumir-me-ei no ar!

Anoitecer

Esbraseia o Ocidente na Agonia
O sol… Aves, em bandos destacados,
Por cĂ©us de ouro e de pĂșrpuras raiados,
Fogem… Fecha-se a pĂĄlpebra do dia…

Delineiam-se, além, da serrania
Os vértices de chama aureolados,
E em tudo, em torno, esbatem derramados
Uns tons suaves de melancolia…

Um mundo de vapores no ar flutua…
Como uma informe nĂłdoa, avulta e cresce
A sombra, ĂĄ proporção que a luz recua…

A natureza apĂĄtica esmaece…
Pouco a pouco, entre as ĂĄrvores, a lua
Surge trĂȘmula, trĂȘmula… Anoitece.

Soneto XVII

A Pero de Maris sobre o seu livro

Sentindo-se de força e vigor falta,
Mal a que o tempo enfim todos condena,
Renovar-se outra vez a Águia ordena,
Abre as asas ao Sol, e as nuvens salta.

Depois que lĂĄ se vĂȘ soberba e alta,
Lança-se ao mar com fĂșria nĂŁo pequena,
E caindo-lhe a velha e antiga pena,
De nova glĂłria se reveste e esmalta.

Mar sois Maris, a lĂ­ngua lusitana
É esta Águia, que antiga se renova
E os ares sobre todas livre raia.

Temo-lhe o caso de Ícaro de ufana;
Mas se do Sol queimada em mar o prova,
SerĂĄ para que sempre nova saia.

A uma Mulher

Para tristezas, para dor nasceste.
Podia a sorte pÎr-te o berço estreito
N’algum palĂĄcio e ao pĂ© de rĂ©gio leito,
Em vez d’este areal onde cresceste:

Podia abrir-te as flores — com que veste
As ricas e as felizes — n’esse peito:
Fazer-te… o que a Fortuna hĂĄ sempre feito…
Terias sempre a sorte que tiveste!

Tinhas de ser assim… Teus olhos fitos,
Que nĂŁo sĂŁo d’este mundo e onde eu leio
Uns mistérios tão tristes e infinitos,

Tua voz rara e esse ar vago e esquecido,
Tudo me diz a mim, e assim o creio,
Que para isto sĂł tinhas nascido!

O Beijo

Congresso de gaivotas neste céu
Como uma tampa azul cobrindo o Tejo.
Querela de aves, pios, escarcéu.
Ainda palpitante voa um beijo.

Donde teria vindo! (NĂŁo Ă© meu…)
De algum quarto perdido no desejo?
De algum jovem amor que recebeu
Mandado de captura ou de despejo?

É uma ave estranha: colorida,
Vai batendo como a prĂłpria vida,
Um coração vermelho pelo ar.

E é a força sem fim de duas bocas,
De duas bocas que se juntam, loucas!
De inveja as gaivotas a gritar…

Harpas Eternas

Hordas de Anjos titĂąnicos e altivos,
Serenos, colossais, flamipotentes,
De grandes asas vĂ­vidas, frementes,
De formas e de aspectos expressivos.

Passam, nos sĂłis da GlĂłria redivivos,
Vibrando as de ouro e de Marfim dolentes,
Finas harpas celestes, refulgentes,
Da luz nos altos resplendores vivos

E as harpas enchem todo o imenso espaço
De um cĂąntico pagĂŁo, lascivo, lasso,
Original, pecaminoso e brando…

E fica no ar, eterna, perpetuada
A lĂąnguida harmonia delicada
Das harpas, todo o espaço avassalando.

As Minhas IlusÔes

Hora sagrada dum entardecer
De Outono, Ă  beira-mar, cor de safira,
Soa no ar uma invisĂ­vel lira …
O sol Ă© um doente a enlanguescer …

A vaga estende os braços a suster,
Numa dor de revolta cheia de ira,
A doirada cabeça que delira
Num Ășltimo suspiro, a estremecer!

O sol morreu … e veste luto o mar …
E eu vejo a urna de oiro, a balouçar,
À flor das ondas, num lençol de espuma.

As minhas IlusÔes, doce tesoiro,
Também as vi levar em urna de oiro,
No mar da Vida, assim … uma por uma …

À Sua Esperança

Esta esperança vã, doce tormento,
Com que amor lisonjeiro determina
Acumular estragos Ă  ruĂ­na
Por levantar padrÔes ao escarmento,

Foi crepĂșsculo breve de um momento,
Delicado jasmim, frĂĄgil bonina,
Rosa, que se murchou duma aura fina,
Vidro, que se quebrou de um leve vento.

Morreu minha esperança às mãos de um rogo
E nas cinzas se alenta o meu cuidado,
Que amor nos impossĂ­veis mais se inflama:

Mas se a esperança é ar, e amor é fogo,
Justo é que nela cresça o meu agrado,
Pois ao sopro do vento cresce a chama.

Amo!

Amo a terra! Amo o sol! Amo o céu! Amo o mar!
Amo a vida! Amo a luz! Amo as ĂĄrvores! Amo
a poesia que escrevo e entusiasta declamo
aos que sentem como eu a alegria de amar!

Amo a noite! Amo a antiga palidez do luar!
A flor presa aos cabelos soltos de algum ramo!
Uma folha que cai! Um perfume no ar
onde um desejo extinto sem querer inflamo!

Amo os rios! E a estranha solidĂŁo em festa,
dessa alma que possuo multiforme e inquieta
como a alma multiforme e inquieta da floresta!

Amo a cor que hĂĄ nos sons! Amo os sons que hĂĄ na cor!
E em mim mesmo – amo a glĂłria de sentir-me um Poeta
e amar imensamente o meu imenso amor!.

Entro Pelo Uraguai: Vejo A Cultura

Entro pelo Uraguai: vejo a cultura
Das novas terras por engenho claro;
Mas chego ao Templo magnĂ­fico e paro
Embebido nos rasgos da pintura.

Vejo erguer-se a RepĂșblica perjura
Sobre alicerces de um domĂ­nio avaro:
Vejo distintamente, se reparo,
De Caco usurpador a cova escura.

Famoso Alcides, ao teu braço forte
Toca vingar os cetros e os altares:
Arranca a espada, descarrega o corte.

E tu, Termindo, leva pelos ares
A grande ação jå que te coube em sorte
A gloriosa parte de a cantares

Um Mover D’olhos, Brando E Piadoso

Um mover d’olhos, brando e piadoso,
sem ver de quĂȘ; um riso brando e honesto,
quase forçado; um doce e humilde gesto,
de qualquer alegria duvidoso;

um despejo quieto e vergonhoso;
um repouso gravĂ­ssimo e modesto;
ĂŒa pura bondade, manifesto
indĂ­cio da alma, limpo e gracioso;

um encolhido ousar; ĂŒa brandura;
um medo sem ter culpa; um ar sereno;
um longo e obediente sofrimento;

esta foi a celeste fermosura
da minha Circe, e o mĂĄgico veneno
que pĂŽde transformar meu pensamento.

DelĂ­rio Do Som

O Boabdil mais doce que um carinho,
O teu piano ebĂșrneo soluçava,
E cada nota, amor, que ele vibrava,
Era-me n’alma um sol desfeito em vinho.

Me parecia a mĂșsica do arminho,
O perfume do lĂ­rio que cantava,
A estrela-d’alva que nos cĂ©us entoava
Uma canção dulcíssima baixinho.

IncomparĂĄvel, teu piano — e eu cria
Ver-te no espaço, em fluidos de harmonia,
Bela, serena, vaporosa e nua;

Como as visÔes olímpicas do Reno,
Cantando ao ar um delicioso treno
Vago e dolente, com uns tons de lua.

À Tua Porta Há um Pinheiro Manso

À tua porta há um pinheiro manso
De cabeça pendida, a meditar,
Amor! Sou eu, talvez, a contemplar
Os doces sete palmos do descanso.

Sou eu que para ti atiro e lanço,
Como um grito, meus ramos pelo ar,
Sou eu que estendo os braços a chamar
Meu sonho que se esvai e não alcanço.

Eu que do sol filtro os ruivos brilhos
Sobre as louras cabeças dos teus filhos
Quando o meio-dia tomba sobre a serra…

E, Ă  noite, a sua voz dolente e vaga
É o soluço da minha alma em chaga:
Raiz morta de sede sob a terra!

PĂŽs-se o Sol

PĂŽs-se o sol… Como jĂĄ na sombra feia
Do dia pouco a pouco a luz desmaia,
E a parda mĂŁo da noite, antes que caia,
De grossas nuvens todo o ar semeia!

Apenas jĂĄ diviso a minha aldeia;
JĂĄ do cipreste nĂŁo distingo a faia.
Tudo em silĂȘncio estĂĄ; sĂł lĂĄ na praia
Se ouvem quebrar as ondas pela areia.

Co’a mĂŁo na face, a vista ao cĂ©u levanto;
E cheio de mortal melancolia,
Nos tristes olhos mal sustenho o pranto.

E se inda algum alĂ­vio ter podia,
Era ver esta noite durar tanto
Que nunca mais amanhecesse o dia!

A Voz da TĂ­lia

Diz-me a tĂ­lia a cantar: “Eu sou sincera,
Eu sou isto que vĂȘs: o sonho, a graça,
Deu ao meu corpo, o vento, quando passa,
Este ar escultural de bayadera…

E de manhĂŁ o sol Ă© uma cratera,
Uma serpente de oiro que me enlaça…
Trago nas mĂŁos as mĂŁos da Primavera…
E é para mim que em noites de desgraça

Toca o vento Mozart, triste e solene,
E Ă  minha alma vibrante, posta a nu,
Diz a chuva sonetos de Verlaine…”

E, ao ver-me triste, a tĂ­lia murmurou:
“JĂĄ fui um dia poeta como tu…
Ainda hĂĄs de ser tĂ­lia como eu sou…”