Sonetos sobre Dia

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Sonetos de dia escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

XVIII

Dormes… Mas que sussurro a umedecida
Terra desperta? Que rumor enleva
As estrelas, que no alto a Noite leva
Presas, luzindo, à túnica estendida?

São meus versos! Palpita a minha vida
Neles, falenas que a saudade eleva
De meu seio, e que vão, rompendo a treva,
Encher teus sonhos, pomba adormecida!

Dormes, com os seios nus, no travesseiro
Solto o cabelo negro… e ei-los, correndo,
Doudejantes, sutis, teu corpo inteiro

Beijam-te a boca tépida e macia,
Sobem, descem, teu hálito sorvendo
Por que surge tão cedo a luz do dia?!

Espera…

Não me digas adeus, ó sombra amiga,
Abranda mais o ritmo dos teus passos;
Sente o perfume da paixão antiga,
Dos nossos bons e cândidos abraços!

Sou a dona dos místicos cansaços,
A fantástica e estranha rapariga
Que um dia ficou presa nos teus braços…
Não vás ainda embora, ó sombra amiga!

Teu amor fez de mim um lago triste:
Quantas ondas a rir que não lhe ouviste,
Quanta canção de ondinas lá no fundo!

Espera… espera… ó minha sombra amada…
Vê que pra além de mim já não há nada
E nunca mais me encontras neste mundo!…

C

Musas, canoras musas, este canto
Vós me inspirastes, vós meu tenro alento
Erguestes brandamente àquele assento
Que tanto, ó musas, prezo, adoro tanto.

Lágrimas tristes são, mágoas, e pranto,
Tudo o que entoa o músico instrumento;
Mas se o favor me dais, ao mundo atento
Em assunto maior farei espanto.

Se em campos não pisados algum dia
Entra a ninfa, o pastor, a ovelha, o touro,
Efeitos são da vossa melodia;

Que muito, ó musas, pois, que em fausto agouro
Cresçam do pátrio rio à margem fria
A imarcescível hera, o verde louro!

A Minha Ausência de Ti

Foi tal e qual o inverno a minha ausência
de ti, prazer dum ano fugitivo:
dias nocturnos, gelos, inclemência;
que nudez de dezembro o frio vivo.

E esse tempo de exílio era o do verão;
era a excessiva gravidez do outono
com a volúpia de maio em cada grão:
um seio viúvo, sem senhor nem dono.

Essa posteridade em seu esplendor
uma esperança de órfãos me parecia:
contigo ausente, o verão teu servidor

emudeceu as aves todo o dia.
Ou tanto as deprimiu, que a folha arfava
e no temor do inverno desmaiava.

Tradução de Carlos de Oliveira

Diana Prateada, Esclarecia

Diana prateada, esclarecia
com a luz que do claro Febo ardente,
por ser de natureza transparente,
em si, como em espelho, reluzia.

Cem mil milhões de graças lhe influía,
quando me apareceu o excelente
raio de vosso aspecto, diferente
em graça e em amor do que soía.

Eu, vendo-me tão cheio de favores,
e tão propínquo a ser de todo vosso,
louvei a hora clara, e a noite escura,

Sois nela destes cor a meus amores;
donde colijo claro que não posso
de dia para vós já ter ventura.

LXIX

Se à memória trouxeres algum dia,
Belíssima tirana, ídolo amado,
Os ternos ais, o pranto magoado,
Com que por ti de amor Alfeu gemia;

Confunda-te a soberba tirania,
O ódio injusto, o violento desagrado,
Com que atrás de teu olhos arrastado
Teu ingrato rigor o conduzia.

E já que enfim tão mísero o fizeste,
Vê-lo-ás, cruel, em prêmio de adorar-te,
Vê-lo-ás, cruel, morrer; que assim quiseste.

Dirás, lisonjeando a dor em parte:
Fui-te ingrata, pastor; por mim morreste;
Triste remédio a quem não pode amar-te!

Desespero

Não eram meus os olhos que te olharam
Nem este corpo exausto que despi
Nem os lábios sedentos que poisaram
No mais secreto do que existe em ti.

Não eram meus os dedos que tocaram
Tua falsa beleza, em que não vi
Mais que os vícios que um dia me geraram
E me perseguem desde que nasci.

Não fui eu que te quis. E não sou eu
Que hoje te aspiro e embalo e gemo e canto,
Possesso desta raiva que me deu

A grande solidão que de ti espero.
A voz com que te chamo é o desencanto
E o esperma que te dou, o desespero.

A Um Grande Sujeito Invejado E Aplaudido

Temerária, soberba, confiada,
Por altiva, por densa, por lustrosa,
A exalação, a névoa, a mariposa,
Sobe ao sol, cobre o dia, a luz lhe enfada.

Castigada, desfeita, malograda,
Por ousada, por débil, por briosa,
Ao raio, ao resplendor, à luz formosa,
Cai triste, fica vã, morre abrasada.

Contra vós solicita, empenha, altera,
Vil afeto, ira cega, ação perjura,
Forte ódio, rumor falso, inveja fera.

Esta cai, morre aquele, este não dura,
Que em vós logra, em vós acha, em vós venera,
Claro sol, dia cândido, luz pura.

Por Quê ?

Foi tudo uma surpresa, tudo de repente,
talvez nenhum de nós saiba explicar porque,
– você deixou de ser o que era antigamente
e o que era antigamente eu já não sou, se vê…

Eu era um seu amigo. E pra mim, você
por muito tempo foi a amiga e a confidente,
– deixei-a ler, assim como um cigano lê
nas mãos, toda a minha alma indiferentemente…

Por muito tempo, os dois, felizes, nos julgamos,
ate que certo dia… (e eu não lhe disse nada
nem você disse nada) nós nos afastamos…

Hoje você me evita… Hoje evito a você…
E seguimos então, cada um por sua estrada
sem que nenhum de nós saiba explicar porque…

A uma Mulher

Pra vós são estes versos, pla consoladora
Graça dos olhos onde chora e ri um sonho
Doce, pla vossa alma pura e sempre boa,
Versos do fundo desta aflição opressora.

Porque, ai! o pesadelo hediondo que me assombra
Não dá tréguas e, louco, furioso, ciumento,
Multiplica-se como um cortejo de lobos
E enforca-se com o meu destino que ensanguenta!

Ah! sofro horrivelmente, ao ponto de o gemido
Desse primeiro homem expulso do Paraíso
Não passar de uma écloga à vista do meu!

E os cuidados que vós podeis ter são apenas
Andorinhas voando à tarde pelo céu
— Querida — num belo dia de um Setembro ameno.

Tradução de Fernando Pinto do Amaral

Para Que Serve A Poesia?

De servir-se utensílio dia a dia
utilidade prática aplicada,
o nada sobre o nada anula o nada
por desvendar mistério na magia.

O sonho em fantasia iluminada
aqui se oferta em módica quantia
por camelôs de palavras aladas
marreteiros de mansa mercancia.

De pagamento, apenas um sorriso
de nuvens, uma fatia de grama
de orvalho e o fugaz fulgor de astro arisco.
Serena sentença em sina servida,

seu valor se aquilata e se esparrama
na livre chama acesa de quem ama.

Eu

Até agora eu não me conhecia.
Julgava que era Eu e eu não era
Aquela que em meus versos descrevera
Tão clara como a fonte e como o dia.

Mas que eu não era Eu não o sabia
E, mesmo que o soubesse, não o dissera…
Olhos fitos em rútila quimera
Andava atrás de mim…e não me via!

Andava a procurar-me — pobre louca!
E achei o meu olhar no teu olhar,
E a minha boca sobre a tua boca!

E esta ânsia de viver, que nada acalma,
É a chama da tua alma a esbrasear
As apagadas cinzas da minha alma!

Ela Ia, Tranquila Pastorinha

Ela ia, tranquila pastorinha,
Pela estrada da minha imperfeição.
Segui-a, como um gesto de perdão,
O seu rebanho, a saudade minha…

“Em longes terras hás de ser rainha”
Um dia lhe disseram, mas em vão…
Seu vulto perde-se na escuridão…
Só sua sombra ante meus pés caminha…

Deus te dê lírios em vez desta hora,
E em terras longe do que eu hoje sinto
Serás, rainha não, mas só pastora

Só sempre a mesma pastorinha a ir,
E eu serei teu regresso, esse indistinto
Abismo entre o meu sonho e o meu porvir…

Recordação

Foi por aqui, sob estes árvoredos,
Sob este doce e plácido horizonte,
Perto da clara e pequenina fonte
Que murmura lá baixo os seus segredos…

Recordo bem todos os cantos ledos
Da passarada — e lembro-me da ponte
Por sobre a qual via-se além, de fronte,
O mar azul batendo nos penedos.

Sinto a impressão ainda da paisagem,
Do trêmolo (…)* da folhagem,
Das culturas rurais, do sítio agreste.

A luz do dia vinha então morrendo…
Foi por aqui que eu pude ficar crendo
O quanto pode o teu olhar celeste.

* Rasurado

Ao Mundo Esconde O Sol Seus Resplendores

Ao mundo esconde o Sol seus resplendores,
e a mão da Noite embrulha os horizontes;
não cantam aves, não murmuram fontes,
não fala Pã na boca dos pastores.

Atam as Ninfas, em lugar de flores,
mortais ciprestes sobre as tristes frontes;
erram chorando nos desertos montes,
sem arcos, sem aljavas, os Amores.

Vênus, Palas e as filhas da Memória,
deixando os grandes templos esquecidos,
não se lembram de altares nem de glória.

Andam os elementos confundidos:
ah, Jônia, Jônia, dia de vitória
sempre o mais triste foi para os vencidos!

Aos Mesmos

De insípida sessão no inútil dia
Juntou-se do Parnaso a galegage;
Em frase hirsuta, em gótica linguage,
Belmiro um ditirambo principia.

Taful que o português não lhe entendia,
Nem ao resto da cômica salsage,
Saca o soneto que lhe fez Bocage,
E conheceu-se nele a Academia.

Dos sócios o pior silvou qual cobra,
Desatou-se em trovões, desfez-se em raios,
Dando ao triste Bocage o que lhe sobra.

Fez na calúnia vil cruéis ensaios,
E jaz com grandes créditos a obra
Entre mãos de marujos e lacaios.

Campesinas I

Camponesa, camponesa,
Ah! quem contigo vivesse
Dia e noite e amanhecesse
Ao sol da tua beleza.

Quem livre, na natureza,
Pelos campos se perdesse
E apenas em ti só cresse
E em nada mais, camponesa.

Quem contigo andasse à toa
Nas margens duma lagoa,
Por vergéis e por desertos,

Beijando-te o corpo airoso,
Tão fresco e tão perfumoso,
Cheirando a figos abertos.

História Antiga

Vendo-a, fico a pensar que entre nós, certo dia…
Mas, para que falar desse tempo feliz?
Eu a quis – nem eu sei dizer como a queria!
Ela – Quem poderá dizer quanto me quis?!

Foi romance talvez, foi talvez fantasia,
vida que quase chega, e foge, por um triz…
Nosso amor, mas nem eu me lembro o que dizia!
Quem há de se lembrar do que a sonhar se diz!

Era um misto de sonho e tímido desejo:
eu – temendo manchar uma afeição tão bela!
ela – a entregar-me a vida e a boca num só beijo!

Ah! a Vida… Afinal quem a vida adivinha?
Nem eu – que tanto a quis – sei por que não sou dela!
nem ela, há de saber por que nunca foi minha!

A umas Lágrimas de uma Despedida

Quando de ambos os céus caindo estava
O rico orvalho, em pérolas formado,
E sobre as frescas rosas derramado,
Igual beleza recebia e dava.

Amor que sempre ali presente estava,
Como competidor de meu cuidado,
Num vaso de cristal de ouro lavrado
As gotas uma a uma entesourava.

Eu, c’os olhos na luz, que aquele dia,
Entre as nuvens do novo sentimento,
Escassamente os raios descobria,

Se me matar (dizia) apartamento,
Ao menos não fará que esta alegria
Não seja paga igual de meu tormento.

Língua Portuguesa

Da avena dos pastores, da harmonia
Que o vento imprime às palmas das palmeiras,
Do bramido do mar e das cachoeiras,
Da voz que impreca à voz que balbucia;

Do sol que fala quando nasce o dia,
Do luar que enche de unção as cordilheiras,
Vem este claro idioma, que é poesia
E alma das gentes luso-brasileiras.

Rumor de asas de abelha, um ruído apenas…
Doce afago de arminhos e de penas,
Perdão, queixume, lágrima, reclamo,

Ou grito estuante de alma incompreendida,
Do desgraçado: “Eu te condeno, ó vida!”
Do poeta que sofreu: “Ó vida, eu te amo!”