Sonetos sobre Folhas

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Sonetos de folhas escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Soneto XXXX

Num seco ramo, nú de fruto e folha,
Ua queixosa rola geme e sente
Do casto ninho seu parceiro ausente,
E vê-lo a cada sombra se lhe antolha.

Dali dece a ua fonte onde recolha
Algum alento, e porque não consente
A dor ver água clara, juntamente
A envolve c’os pés e o bico molha.

Se ausência e amor sentida a rola tem,
Que nem de ausência, nem de amor conhece,
Em quem pesar nem sentimento cabe,

Que farão em quem sente o que padece
Quem de seu mal conhece, e de seu bem
Temo que venha a não sentir, e acabe.

O Nosso Livro

Livro do meu amor, do teu amor,
Livro do nosso amor, do nosso peito…
Abre-lhe as folhas devagar, com jeito,
Como se fossem pétalas de flor.

Olha que eu outro já não sei compor
Mais santamente triste, mais perfeito
Não esfolhes os lírios com que é feito
Que outros não tenho em meu jardim de dor!

Livro de mais ninguém! Só meu! Só teu!
Num sorriso tu dizes e digo eu:
Versos só nossos mas que lindos sois!

Ah, meu Amor! Mas quanta, quanta gente
Dirá, fechando o livro docemente:
“Versos só nossos, só de nós os dois!…”

As Vozes Da Natureza

As vozes que nos vêm da natureza
Traduzem sempre um mútuo sentimento.
Cantam as frondes pela voz do vento,
Pelo manancial canta a represa.

Pelas estrelas canta o firmamento
Nas suas grandes noites de beleza.
Cada nota a outra nota vive presa,
É um pensamento de outro pensamento.

Pelas folhas murmura a voz da estrada,
Pelos salgueiros canta a água parada
E o amigo sol, apenas se levanta,

Jogando o manto de ouro ao céu deserto,
Chama as cigarras todas para perto,
Que é na voz das cigarras que ele canta.

O Nosso Mundo

Eu bebo a Vida, a Vida, a longos tragos
Como um divino vinho de Falerno!
Pousando em ti o meu olhar eterno
Como pousam as folhas sobre os lagos…

Os meus sonhos agora são mais vagos…
O teu olhar em mim, hoje, é mais terno…
E a Vida já não é o rubro inferno
Todo fantasmas tristes e pressagos!

A Vida, meu Amor, quero vivê-la!
Na mesma taça erguida em tuas mãos,
Bocas unidas, hemos de bebê-la!

Que importa o mundo e as ilusões defuntas?…
Que importa o mundo e seus orgulhos vãos?…
O mundo, Amor! … As nossas bocas juntas!…

À Alma De Minha Mãe

Partiu-se o fio branco e delicado
Dos sonhos de minh’alma desditosa…
E as contas do rosário assim quebrado
Caíram como folhas de uma rosa.

Debalde eu as procuro lacrimosa,
Estas doces relíquias do Passado,
Para guardá-las na urna perfumosa,
Do meu seio no cofre imaculado.

Aí! se eu ao menos uma só pudesse
D’estas contas achar que me fizesse
Lembrar um mundo de alegrias doidas…

Feliz seria… Mas minh’alma atenta
Em vão procura uma continha benta:
Quando partiste m’as levaste todas!

Prende o Teu Coração ao Meu

De noite, amada, prende o teu coração ao meu
e que no sono eles dissipem as trevas
como um duplo tambor combatendo no bosque
contra o espesso muro das folhas molhadas.

Nocturna travessia, brasa negra do sono
interceptando o fio das uvas terrestres
com a pontualidade dum comboio desvairado
que sombra e pedras frias sem cessar arrastasse.

Por isso, amor, prende-me ao movimento puro,
à tenacidade que em teu peito bate
com as asas dum cisne submerso,

para que às perguntas estreladas do céu
responda o nosso sono com uma única chave,
com uma única porta fechada pela sombra.

Auto-Retrato

Poeta é certo mas de cetineta
fulgurante de mais para alguns olhos
bom artesão na arte da proveta
narciso de lombardas e repolhos.

Cozido à portuguesa mais as carnes
suculentas da auto-importância
com toicinho e talento ambas partes
do meu caldo entornado na infância.

Nos olhos uma folha de hortelã
que é verde como a esperança que amanhã
amanheça de vez a desventura.

Poeta de combate disparate
palavrão de machão no escaparate
porém morrendo aos poucos de ternura.

Minha Árvore

Olha: É um triângulo estéril de ínvia estrada!
Como que a erva tem dor… Roem-na amarguras
Talvez humanas, e entre rochas duras
Mostra ao Cosmos a face degradada!

Entre os pedrouços maus dessa morada
É que, às apalpadelas e às escuras,
Hão de encontrar as gerações futuras
Só, minha árvore humana desfolhada!

Mulher nenhuma afagará meu tronco!
Eu não me abalarei, nem mesmo ao ronco
Do furacão que, rábido, remoinha…

Folhas e frutos, sobre a terra ardente
Hão de encher outras árvores! Somente
Minha desgraça há de ficar sozinha!

Supremo Enleio

Quanta mulher no teu passado, quanta!
Tanta sombra em redor! Mas que me importa?
Se delas veio o sonho que conforta,
A sua vinda foi três vezes santa!

Erva do chão que a mão de Deus levanta,
Folhas murchas de rojo à tua porta…
Quando eu for uma pobre coisa morta,
Quanta mulher ainda! Quanta! Quanta!

Mas eu sou a manhã: apago estrelas!
Hás de ver-me, beijar-me em todas elas,
Mesmo na boca da que for mais linda!

E quando a derradeira, enfim, vier,
Nesse corpo vibrante de mulher
Será o meu que hás de encontrar ainda…

Página Vazia

Quem volta da região assustadora
De onde eu venho, revendo, inda na mente,
Muitas cenas do drama comovente
De guerra despiedada e aterradora.

Certo não pode ter uma sonora
Estrofe ou canto ou ditirambo ardente
Que possa figurar dignamente
Em vosso álbum gentil, minha senhora.

E quando, com fidalga gentileza
Cedestes-me esta página, a nobreza
De nossa alma iludiu-vos, não previstes

Que quem mais tarde, nesta folha lesse
Perguntaria: “Que autor é esse
De uns versos tão mal feitos e tão tristes?”

Junquilhos

Nessa tarde mimosa de saudade
Em que eu te vi partir, ó meu amor,
Levaste-me a minh’alma apaixonada
Nas folhas perfumadas duma flor.

E como a alma, dessa florzita,
Que é minha, por ti palpita amante!
Oh alma doce, pequenina e branca,
Conserva o teu perfume estonteante!

Quando fores velha, emurchecida e triste,
Recorda ao meu amor, com teu perfume
A paixão que deixou e qu’inda existe…

Ai, dize-lhe que se lembre dessa tarde,
Que venha aquecer-se ao brando lume
Dos meus olhos que morrem de saudade!

Solitário

Longe de ti, do mundo – solitário.
sem o riso das falsas alegrias
vou desfiando, um a um, todos os dias,
como contas de dor, no meu rosário…

E assim – sem Ter ninguém – oh, quantas vezes!
– no amor que já deixei fico a pensar…
E as semanas se escoam sem parar:
a primeira… outra mais… mais outra… e os meses…

O outono já chegou, e as folhas solta…
E eu, sem querer, nostálgico, me ponho
a pensar que esse amor aos poucos volta…

Mentira!… Vã mentira que me ilude!…
Como é triste a ilusão mesmo num sonho,
Eu que na vida me iludir não pude!…

Despois Que Viu Cibele O Corpo Humano

Despois que viu Cibele o corpo humano
do fermoso Átis seu verde pinheiro,
em piedade o vão furar primeiro
convertido, chorou seu grave dano.

E, fazendo a sua dor ilustre engano,
a Júpiter pediu que o verdadeiro
preço da nova palma e do loureiro,
ao seu pinheiro desse, soberano.

Mais lhe concede o filho poderoso
que, as estrelas, subindo, tocar possa,
vendo os segredos lá do Céu superno.

Oh! ditoso Pinheiro! Oh! mais ditoso
quem se vir coroar da folha vossa,
cantando à vossa sombra verso eterno!

Aboio De Ternura Para Uma Rês Desgarrada Para Astrid Cabral

Fora de tua tribo peixe fora d’água,
bordando as muitas dores no ponto de cruz,
alinhavas rebanhos reunidos na frágua
dos rios da tua infância com escamas de luz.

Versos tecidos na cambraia das anáguas
de alices caboclas, yaras-cunhãs do fundo,
encantadas dos peraus, afogando mágoas,
mas que sabem, sestrosas, dos botos do mundo.

E os teus pés desgarrados pisaram em nuvens
de ventos sem mormaços, no azul de outras línguas:
águas despidas do alfenim de nossas chuvas.

Te sabias folha de relva da ravina
irmã de Whitman e do Khayam simum
próxima do teu gado e rês da própria sina.

Tempestade Amazônica

O calor asfixia e o ar escurece. O rio,
Quieto, não tem uma onda. Os insetos na mata
Zumbem tontos de medo. E o pássaro, o sombrio
Da floresta procura, onde a chuva não bata.

Súbito, o raio estala. O vento zune. Um frio
De terror tudo invade… E o temporal desata
As peias pelo espaço e, bufando, bravio,
O arvoredo retorce e as folhas arrebata.

O anoso buriti curva a copa, e farfalha.
Aves rodam no céu, num estéril esforço,
Entre nuvens de folha e fragmentos de palha.

No alto o trovão repousa e em baixo a mata brama.
Ruge em meio a amplidão. Das nuvens pelo dorso
Correm serpes de fogo. E a chuva se derrama…

Crepúsculo

Alada, corta o espaço uma estrela cadente.
As folhas fremem. Sopra o vento. A sombra avança.
Paira no ar um languor de mística esperança
e de docúra triste, inexprimivelmente.

À surdina da luz irrompe, de repente,
o coro vesperal das cigarras. E mansa,
E marmórea, no céu, curvo e claro, balança,
entre nuvens de opala, a concha do crescente.

Na alma, como na terra, a noite nasce. É quando,
da recôndita paz das horas esquecidas,
vão, ao luar da saudade, os sonhos acordando…

E, na torre do peito, em plácidas batidas,
melancolicamente o coração chorando,
plange o réquiem de amor das ilusões perdidas.

Eterna Dor

Alma de meu amor, lírio celeste,
Sonho feito de um beijo e de um carinho,
Criatura gentil, pomba de arminho,
Arrulhando nas folhas de um cipreste.

Ó minha mãe! Por que no mundo agreste,
Rola formosa, abandonaste o ninho?
Se as roseiras do Céu não têm espinhos,
Quero ir contigo, ó lírio meu celeste!

Ah! se soubesses como sofro, e tanto!
Leva-me à terra onde não corre o pranto,
Leva-me, santa, onde a ventura existe…

Aqui na vida – que tamanha mágoa! –
O próprio olhar de Deus encheu-se d’água…
Ó minha mãe, como este mundo é triste!

Mocidade

A mocidade esplêndida, vibrante,
Ardente, extraordinária, audaciosa.
Que vê num cardo a folha duma rosa,
Na gota de água o brilho dum diamante;

Essa que fez de mim Judeu Errante
Do espírito, a torrente caudalosa,
Dos vendavais irmã tempestuosa,
– Trago-a em mim vermelha, triunfante!

No meu sangue rubis correm dispersos:
– Chamas subindo ao alto nos meus versos,
Papoilas nos meus lábios a florir!

Ama-me doida, estonteadoramente,
O meu Amor! que o coração da gente
É tão pequeno… e a vida, água a fugir…

Amo!

Amo a terra! Amo o sol! Amo o céu! Amo o mar!
Amo a vida! Amo a luz! Amo as árvores! Amo
a poesia que escrevo e entusiasta declamo
aos que sentem como eu a alegria de amar!

Amo a noite! Amo a antiga palidez do luar!
A flor presa aos cabelos soltos de algum ramo!
Uma folha que cai! Um perfume no ar
onde um desejo extinto sem querer inflamo!

Amo os rios! E a estranha solidão em festa,
dessa alma que possuo multiforme e inquieta
como a alma multiforme e inquieta da floresta!

Amo a cor que há nos sons! Amo os sons que há na cor!
E em mim mesmo – amo a glória de sentir-me um Poeta
e amar imensamente o meu imenso amor!.

Tristêza

O sol do outomno, as folhas a cair,
A minha voz baixinho soluçando,
Os meus olhos, em lagrimas, beijando
A terra, e o meu espirito a sorrir…

Eis como a minha vida vae passando
Em frente ao seu Phantasma… E fico a ouvir
Silencios da minh’alma e o resurgir
De mortos que me fôram sepultando…

E fico mudo, extatico, parado
E quasi sem sentidos, mergulhando
Na minha viva e funda intimidade…

Só a longinqua estrela em mim actua…
Sou rocha harmoniosa á luz da lua,
Petreficada esphinge de saudade…