Sonetos sobre Gosto

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Sonetos de gosto escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Ignoto Deo

Desisti de saber qual Ă© o Teu nome,
Se tens ou nĂŁo tens nome que Te demos,
Ou que rosto Ă© que toma, se algum tome,
Teu sopro tão além de quanto vemos.

Desisti de Te amar, por mais que a fome
Do Teu amor nos seja o mais que temos,
E empenhei-me em domar, nem que os nĂŁo dome,
Meus, por Ti, passionais e vĂŁos extremos.

Chamar-Te amante ou pai… grotesco engano
Que por demais tresanda a gosto humano!
Grotesco engano o dar-te forma! E enfim,

Desisti de Te achar no quer que seja,
De Te dar nome, rosto, culto, ou igreja…
– Tu é que não desistirás de mim!

Vendo A Anarda Depõe O Sentimento

A serpe, que adornando várias cores,
com passos mais oblĂ­quos, que serenos,
entre belos jardins, prados amenos,
Ă© maio errante de torcidas flores;

se quer matar da sede os desfavores,
Os cristais bebe com a peçonha menos,
por que nĂŁo morra com os mortais venenos,
se acaso gosta dos vitais licores.

Assim também meu coração queixoso,
na sede ardente do feliz cuidado
bebe cos olhos teu cristal formoso;

Pois para nĂŁo morrer no gosto amado,
depõe logo o tormento venenoso,
se acaso gosta o cristalino agrado.

Colegial

Gosto de vĂŞ-la, assim… Quando Ă  tarde ela vem
fisionomia suave, ingenuamente franca…
Toda a rua se alegra, e eu me alegro também
com o seu vulto feliz: saia azul, blusa branca…

Quantos nadas de sonho o seu olhar contém!
A luz viva do olhar ninguém talvez lhe arranca.
– Gosto de ve-la, sim… E ficam-lhe tĂŁo bem
aquela saia azul, e aquela blusa branca…

Azul: – azul Ă© a cor da vida que ela sonha!
E branca: – branca Ă© a cor da sua alma de criança
onde ela prĂłpria se olha irrequieta e risonha

Feliz… NĂŁo tem presente e ainda nem tem passado…
SĂł o futuro, – e o futuro Ă© uma imensa esperança
um mundo que ainda fica oculto do outro lado!

Pinheiro Manso

Copado, alto, gentil Pinheiro Manso;
Debaixo cujos ramos debruçados
Do sol ou lua nunca penetrados,
Já gozei, já gozei mais que descanso…

Quando para onde estás os olhos lanço,
Tantos gostos ao pé de ti passados
Vejo na fantasia retratados,
TĂŁo vivos, que jĂ mais de ver-te canso!

Ah! deixa o outono vir; de um jasmineiro
te hei-de cobrir, terás cópia crescida
De flores, serás honra dêste outeiro.

E para te dar glĂłria mais subida,
No meu tronco feliz, alto Pinheiro,
O teu nome escreverei de Margarida.

E por Vezes

E por vezes as noites duram meses
E por vezes os meses oceanos
E por vezes os braços que apertamos
nunca mais são os mesmos    E por vezes

encontramos de nĂłs em poucos meses
o que a noite nos fez em muitos anos
E por vezes fingimos que lembramos
E por vezes lembramos que por vezes

ao tomarmos o gosto aos oceanos
só o sarro das noites      não dos meses
lá no fundo dos copos encontramos

E por vezes sorrimos ou choramos
E por vezes por vezes ah por vezes
num segundo se evolam tantos anos

Retrato de um BĂŞbado

Perdi-me vendo a pipa, o torno aberto;
Minha alma está metida em vinho tinto;
Tão bêbado estou que já não sinto
Ser bĂŞbado coberto ou encoberto.

Tenho a cama longe, o sono perto,
No chĂŁo estou e erguer-me nĂŁo consinto,
A barriga de inchada aperta o cinto,
Falando estou dormindo qual desperto.

Venha mais vinho e dĂŞem-mo vezes cento,
Que alegra o coração, sustenta a vida,
E pouco vai que engrosse o entendimento.

Vingar-me quero, que Ă© grande a bebida;
Tudo o que nĂŁo Ă© beber Ă© lixo e vento,
Que para tĂŁo grande gosto Ă© curta a vida.

A umas Saudades

Saudades de meu bem, que noite e dia
A alma atormentais, se Ă© vosso intento
Acabardes-me a vida com tormento,
Mais lisonja será que tirania.

Mas, quando me matar vossa porfia,
De morrer tenho tal contentamento,
Que em me matando vosso sentimento,
Me há-de ressuscitar minha alegria.

Porém matai-me embora, que pretendo
Satisfazer com mortes repetidas
O que Ă  beleza sua estou devendo.

Vidas me dai para tirar-me vidas,
Que ao grande gosto com que as for perdendo
SerĂŁo todas as mortes bem devidas.

Enquanto Quis Fortuna Que Tivesse

Enquanto quis Fortuna que tivesse
esperança de algum contentamento,
o gosto de um suave pensamento
me fez que seus efeitos escrevesse.

Porém, temendo Amor que aviso desse
minha escritura a algum juĂ­zo isento,
escureceu-me o engenho co tormento,
para que seus enganos nĂŁo dissesse.

Ă“ vĂłs que Amor obriga a ser sujeitos
a diversas vontades! Quando lerdes
num breve livro casos tĂŁo diversos,

verdades puras sĂŁo, e nĂŁo defeitos…
E sabei que, segundo o amor tiverdes,
tereis o entendimento de meus versos!

XLVIII

Traidoras horas do enganoso gosto,
Que nunca imaginei, que o possuĂ­a,
Que ligeiras passastes! mal podia
Deixar aquele bem de ser suposto.

Já de parte o tormento estava posto;
E meu peito saudoso, que isto via,
As imagens da pena desmentia,
Pintando da ventura alegre o rosto.

Desanda então a fábrica elevada,
Que o plácido Morfeu tinha erigido,
Das espécies do sono fabricada:

EntĂŁo Ă©, que desperta o meu sentido,
Para observar na pompa destroçada,
Verdadeira a ruĂ­na, o bem fingido.

Se, Despois D’esperança TĂŁo Perdida

Se, despois d’esperança tĂŁo perdida,
Amor pola ventura consentisse
que inda algĂĽ’hora breve alegre visse
de quantas tristes viu tĂŁo longa vida;

ĂĽ’alma já tĂŁo fraca e tĂŁo caĂ­da,
por mais alto que a sorte me subisse,
nĂŁo tenho para mim que consentisse
alegria tĂŁo tarde consentida.

NĂŁo tĂŁo somente Amor me nĂŁo mostrou
um’hora em que vivesse alegremente,
de quantas nesta vida me negou;

mas inda tanta pena me consente,
que co contentamento me tirou
o gosto de algĂĽ’hora ser contente.

Em Prisões Baixas Fui Um Tempo Atado

Em prisões baixas fui um tempo atado,
vergonhoso castigo de meus erros;
inda agora arrojando levo os ferros
que a Morte, a meu pesar, tem já quebrado.

Sacrifiquei a vida a meu cuidado,
que Amor nĂŁo quer cordeiros, nem bezerros;
vi mágoas, vi misérias, vi desterros:
parece me que estava assi ordenado.

Contentei me com pouco, conhecendo
que era o contentamento vergonhoso,
sĂł por ver que cousa era viver ledo.

Mas minha estrela, que eu já’gora entendo,
a Morte cega, e o Caso duvidoso,
me fizeram de gostos haver medo.

Nascemos para Amar

Nascemos para amar; a Humanidade
Vai, tarde ou cedo, aos laços da ternura.
Tu Ă©s doce atractivo, Ăł Formosura,
Que encanta, que seduz, que persuade.

Enleia-se por gosto a liberdade;
E depois que a paixĂŁo na alma se apura,
Alguns entĂŁo lhe chamam desventura,
Chamam-lhe alguns entĂŁo felicidade.

Qual se abisma nas lĂ´bregas tristezas,
Qual em suaves jĂşbilos discorre,
Com esperanças mil na ideia acesas.

Amor ou desfalece, ou pára, ou corre:
E, segundo as diversas naturezas,
Um porfia, este esquece, aquele morre.

Apostrofe À Carne

Quando eu pego nas carnes do meu rosto.
Pressinto o fim da orgânica batalha:
– Olhos que o hĂşmus necrĂłfago estraçalha,
Diafragmas, decompondo-se, ao sol posto…

E o Homem – negro e heterĂłclito composto,
Onde a alva flama psĂ­quica trabalha,
Desagrega-se e deixa na mortalha
O tacto, a vista, o ouvido, o olfato e o gosto!

Carne, feixe de mĂ´nadas bastardas,
Conquanto em flâmeo fogo efêmero ardas,
A dardejar relampejantes brilhos,

DĂłi-me ver, muito embora a alma te acenda,
Em tua podridão a herança horrenda,
Que eu tenho de deixar para os meus filhos!

Enquanto to Permite a Mocidade

Enquanto to permite a mocidade,
Teu Pai disfarça, tua Mãe consente,
E enquanto, Nize, a moda o nĂŁo desmente
Nos brincos gasta a flor da tua idade.

Joga, dança, conversa, e a variedade,
Que causa tanta prenda, assombre a gente;
Deixa-te ver, que o SĂ©culo presente
Hoje chama ao pudor rusticidade.

Os corações de quem te aplaude enlaça:
desfruta o tempo: e tem por aforismo
Que o gosto Ă© fugitivo, a sorte escassa

Engolfa-te de amor no doce abismo;
Busca o prazer; a vida alegre passa;
Logra-te enfim; que o mais Ă© fanatismo.

Soneto 549 Tematizado

De duas coisas todo bom poeta
dever tem de falar para ser posto
no cĂ­rculo dos grandes e no gosto
do povo ser mais um que se projeta:

de estrelas e de rosas. Nada veta
que seja seu soneto sĂł composto
de pétalas que espelhem-lhe o desgosto
do amor que feneceu e nos afeta.

Também ninguém proíbe que as estrelas
figurem esperanças ou paixões
e todos os sonetos tentem lĂŞ-las.

Não morre um de Bilac ou de Camões,
mas falta o que um poeta mede pelas
(dum cego) fantasias e visões…

Diálogo da Vida e o Tempo

V. Quem chama dentro em mi? – T. O tempo ousado
V. Entraste sem licença? – T. Tenho-a há muito.
V. Que me queres? – T. Que me ouças. – V. Já te escuto.
T. Prometes de me crer? – V. Fala avisado.

T. Errada vás. – V. TambĂ©m tu vás errado.
T. Essa Ă© condição minha. – V. Esse Ă© meu fruto.
T. És mulher descuidada. – V. És velho astuto.
T. Erro sem dano meu. – V. Assás tens dado.

T. Ai, vida como passas? – V. Perseguida.
T. De quem? – V. De ti. – T. O Tempo o gosto nega.
V. O tempo Ă© ar. – T. A Vida Ă© passatempo.

V. Tu já nem Tempo Ă©s. – T. Nem tu Ă©s já Vida.
V. Vai para louco. – T. Vai-te para cega.
– Vedes como se vĂŁo a Vida e o Tempo?

Campesinas VII

Engrinaldada de rosas,
Surge a manhĂŁ pitoresca…
Que linda aquarela fresca
Nas veigas deliciosas!

Que bom gosto e perfumosas
Frutas traz, madrigalesca
A rapariga tudesca
Que vem das searas cheirosas!

Como os rios vĂŁo cantando,
Em sons de prata, ondulando,
Abaixo pelos marnéis!

Que carĂ­cia nas verduras,
Que vigor pelas culturas,
Que de ouro pelos vergéis!

AtĂ© que um Dia…

Meus versos eram rosas, lĂ­rios, heras,
borboletas, regatos, cotovias
cantando suas doces melodias,
anjos, sereias, ninfas e quimeras.

Meus versos eram pombas entre as feras
e, na festa das horas e dos dias,
ia dançando penas e alegrias
e o ano tinha quatro primaveras.

E a festa continua… Ă© tambĂ©m festa
o cardo e a urze, o tojo, a murta, a giesta,
a chuva no beiral, o vento Norte,

o gosto a mar, a lágrimas, a sal,
até que um dia a vida, a bem ou mal,
exausta de cantar me empreste Ă  morte.

Bem Mostrou o Pintor Estilo Agudo

Bem mostrou o pintor estilo agudo
No retrato, senhora, que vos mando,
Pois nĂŁo sĂł o parecer foi retratando,
Mas os efeitos com mais alto estudo.

Se vai mudo ante vĂłs, eu fico mudo;
Se surdo, e cego, bem cego, e surdo ando;
Se morto, a vida vai-se-me acabando;
Em fim que vai conforme a mim em tudo.

Mas na ventura fica avantajado,
Que vai (com gosto vosso) Ă  vossa mĂŁo,
Onde será melhor visto, e tratado:

MercĂŞs, que se deviam por razĂŁo
Ao prĂłprio original, porque o traslado
Não vê, nem sente de que preço são.

Quantas vezes, Amor, me tens ferido?

Quantas vezes, Amor, me tens ferido?
Quantas vezes, RazĂŁo, me tens curado?
Quão fácil de um estado a outro estado
O mortal sem querer Ă© conduzido!

Tal, que em grau venerando, alto e luzido,
Como que até regia a mão do fado,
Onde o Sol, bem de todos, lhe Ă© vedado,
Depois com ferros vis se vĂŞ cingido:

Para que o nosso orgulho as asas corte,
Que variedade inclui esta medida,
Este intervalo da existĂŞncia Ă  morte!

Travam-se gosto, e dor; sossego e lida;
É lei da natureza, é lei da sorte,
Que seja o mal e o bem matiz da vida.