Sonetos sobre Instantes

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Sonetos de instantes escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

A Noite

A nebulosidade ameaçadora
Tolda o éter, mancha a gleba, agride os rios
E urde amplas teias de carvões sombrios
No ar que álacre e radiante, há instantes, fora.

A água transubstancia-se. A onda estoura
Na negridão do oceano e entre os navios
Troa bárbara zoada de ais bravios,
Extraordinariamente atordoadora.

A custódia do anímico registro
A planetária escuridão se anexa…
Somente, iguais a espiões que acordam cedo,

Ficam brilhando com fulgor sinistro
Dentro da treva omnímoda e complexa
Os olhos fundos dos que estão com medo!

A Maria Ifigênia

Em 1786, quando completava sete anos.

Amada filha, é já chegado o dia,
em que a luz da razão, qual tocha acesa
vem conduzir a simples natureza,
é hoje que o teu mundo principia.

A mão que te gerou teus passos guia,
despreza ofertas de uma vã beleza,
e sacrifica as honras e a riqueza
às santas leis do filho de Maria.

Estampa na tua alma a caridade,
que amar a Deus, amar aos semelhantes,
são eternos preceitos da verdade.

Tudo o mais são idéias delirantes;
procura ser feliz na eternidade,
que o mundo são brevíssimos instantes.

Que Importa?…

Eu era a desdenhosa, a indif’rente.
Nunca sentira em mim o coração
Bater em violências de paixão
Como bate no peito à outra gente.

Agora, olhas-me tu altivamente,
Sem sombra de Desejo ou de emoção,
Enquanto a asa loira da ilusão
Dentro em mim se desdobra a um sol nascente.

Minh’alma, a pedra, transformou-se em fonte;
Como nascida em carinhoso monte
Toda ela é riso, e é frescura, e graça!

Nela refresca a boca um só instante…
Que importa?… Se o cansado viandante
Bebe em todas as fontes… quando passa?…

Morte não é a Esquálida Caveira

Morte não é a esquálida caveira
Dura, disforme, seca e carcomida:
Ela um destroço é, uma caída
Da abreviada, racional carreira.

De ossos e carne envernizada, inteira,
Por vida tem a nossa própria vida.
Come, bebe, passeia, está vestida
E, até morrer, é nossa companheira.

E sombra que sentimos e não vemos,
Segue-nos sempre aonde quer que vamos,
Só nos deixa nos últimos extremos.

A Morte é sempre a vida que logramos,
Pois morte são os dias que vivemos
E, vida, só o instante que expiramos.

Está Cheio De Ti Meu Coração

Está cheio de ti meu coração
como a noite de estrelas está cheia,
tão cheia, que ao se olhar para a amplidão
o olhar de luz se inunda e se incendeia…

Está cheio de ti meu coração
como de ondas o mar que o dorso alteia,
como a praia que estende sobre o chão
milhões de grãos do seu lençol de areia…

Está cheio de ti meu coração,
como uma taça, erguida, transbordante,
num momento de amor e de emoção,

– como o meu canto enquanto eu viva e eu cante
como o meu pensamento a todo instante
está cheio de ti meu coração!

LXXV

Clara fonte, teu passo lisonjeiro
Pára, e ouve-me agora um breve instante;
Que em paga da piedade o peito amante
Te será no teu curso companheiro.

Eu o primeiro fui, fui o primeiro,
Que nos braços da ninfa mais constante
Pude ver da fortuna a face errante
Jazer por glória de um triunfo inteiro.

Dura mão, inflexível crueldade
Divide o laço, com que a glória, a dita
Atara o gosto ao carro da vaidade:

E para sempre a dor ter n’alma escrita,
De um breve bem nasce imortal saudade,
De um caduco prazer mágoa infinita.

Incerteza

Desde a manhã tristonha em que partiste
que não posso pensar senão em ti,
tenho a louca impressão que te perdi
que nada mais entre nós dois existe…

Ao te ver a sorrir, como sorriste
no instante da partida, compreendi,
– que talvez, nunca mais voltes aqui…
– que hei de viver eternamente triste…

Por que tu me deixaste a duvidar?
Preferia mil vezes a certeza,
já que um dia a certeza há de chegar…

Nem sabes a amargura que me invade,
– a vida que hoje levo, é uma tristeza,
um misto de tristeza e de saudades!

Apenas Vi Do Dia A Luz Brilhante

Apenas vi do dia a luz brilhante
Lá de Túbal no empório celebrado,
Em sanguíneo carácter foi marcado
Pelos Destinos meu primeiro instante.

Aos dois lustros a morte devorante
Me roubou, terna mãe, teu doce agrado;
Segui Marte depois, e em fim meu fado
Dos irmãos e do pai me pôs distante.

Vagando a curva terra, o mar profundo,
Longe da pátria, longe da ventura,
Minhas faces com lágrimas inundo.

E enquanto insana multidão procura
Essas quimeras, esses bens do mundo,
Suspiro pela paz da sepultura.

Soneto

NOTA: Tradução do poema de Félix Anvers

Segredo d’alma, da existência arcano,
Eterno amor num instante concebido,
Mal sem esperança, oculto a ente humano,
E nunca de quem fê-lo conhecido.

Ai! Perto dela desapercebido
Sempre a seu lado, e só, cruel engano,
Na terra gastarei meu ser insano
Nada ousando pedir e havendo tido!

Se Deus a fez tão doce e carinhosa,
Contudo anda inatenta e descuidosa
Do murmúrio de amor que a tem seguido.

Piamente ao cru dever sempre fiel
Dirá lendo a poesia, seu painel:
“Que mulher é?” Sem tê-lo compreendido.

Soneto do Amor Total

Amo-te tanto, meu amor… não cante
O humano coração com mais verdade…
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade.

Amo-te afim, de um calmo amor prestante
E te amo além, presente na saudade
Amo-te, enfim, como grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.

Amo-te como um bicho, simplesmente
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente

E de te amar assim, muito e amiúde
É que um dia em teu corpo, de repente
Hei-de morrer de amar mais do que pude.

XXVIII

Faz a imaginação de um bem amado,
Que nele se transforme o peito amante;
Daqui vem, que a minha alma delirante
Se não distingue já do meu cuidado.

Nesta doce loucura arrebatado
Anarda cuido ver, bem que distante;
Mas ao passo, que a busco neste instante
Me vejo no meu mal desenganado.

Pois se Anarda em mim vive, e eu nela vivo,
E por força da idéia me converto
Na bela causa de meu fogo ativo;

Como nas tristes lágrimas, que verto,
Ao querer contrastar seu gênio esquivo,
Tão longe dela estou, e estou tão perto.

Hora que Passa

Vejo-me triste, abandonada e só
Bem como um cão sem dono e que o procura
Mais pobre e desprezada do que Job
A caminhar na via da amargura!

Judeu Errante que a ninguém faz dó!
Minh’alma triste, dolorida, escura,
Minh’alma sem amor é cinza, é pó,
Vaga roubada ao Mar da Desventura!

Que tragédia tão funda no meu peito!…
Quanta ilusão morrendo que esvoaça!
Quanto sonho a nascer e já desfeito!

Deus! Como é triste a hora quando morre…
O instante que foge, voa, e passa…
Fiozinho d’água triste… a vida corre…

Desejo Amante

Elmano, de teus mimos anelante,
Elmano em te admirar, meu bem, não erra;
Incomparáveis dons tua alma encerra,
Ornam mil perfeições o teu semblante:

Granjeias sem vontade a cada instante
Claros triunfos na amorosa guerra:
Tesouro que do Céu vieste à Terra,
Não precisas dos olhos de um amante.

Oh!, se eu pudesse, Amor, oh!, se eu pudesse
Cumprir meu gosto! Se em altar sublime
Os incensos de Jove a Lília desse!

Folgara o coração quanto se oprime;
E a Razão, que os excessos aborrece,
Notando a causa, revelara o crime.

Amor De Mentiras

“Amor… De Mentiras…”
I
Eram beijos de fogo, eram de lavas,
e sabiam a sonhos e ambrosias.
Como pensar que a boca com que os dava
era a mesma afinal com que mentias?

Se eras as mais humilde das escravas
em dádivas, anseios, alegrias,
– como prever que o amor que me juravas
seria mais uma das tuas heresias ?

Como supor ser tudo um falso jogo?
E crer que se extinguisse aquele fogo
que acendia em teus olhos duas piras?

E descobrir, – no instante em que me amavas, –
que em tua boca ansiosa misturavas
ao mesmo tempo beijos e mentiras ?

O Livro dos Amantes

I

Glorifiquei-te no eterno.
Eterno dentro de mim
fora de mim perecível.
Para que desses um sentido
a uma sede indefinível.

Para que desses um nome
à exactidão do instante
do fruto que cai na terra
sempre perpendicular
à humidade onde fica.

E o que acontece durante
na rapidez da descida
é a explicação da vida.

Soneto a Vera

Estavas sempre aqui, nesta paisagem.
E nela permaneces, neste assombro
do tempo que só é o que já fomos,
um céu parado sobre o mar do instante.

Vives subitamente em despedida,
calma de sonhos, simples visitante
daquilo que te cerca e do que fica
imóvel no que é breve, pouco e humano.

As regatas ao sol vêm da penumbra
onde abria as janelas. E de então,
vou ao campo de trevo, à tua espera.

O que passa persiste no que tenho:
a roupa no estendal, o muro, os pombos,
tudo é eterno quando nós o vemos.

Fado de contas

Eu não quero chegar em casa nunca,
a caminho, no abrigo do teu colo,
sonhando… no balanço do automóvel,
que nos leva a um destino inalcançável.

O tempo pára, o espaço cristaliza-se,
e o carro é lar, e leito, e colo, e beijo…
No ocaso de teu beijo, eu me infinito
e esqueço da procura em que me perco.

De encontro aos vidros, saltam fachos vários,
como se objetos de desejos vastos,
onde meus gestos não se satisfaçam.

Aproxima-se o instante em que me apeio,
vai a carruagem, dobra a esquina, e sigo
noctívago das horas – a teus passos.

Derradeira Inspiração

Este é o último verso onde talvez
a tua imagem seja percebida,
– o instante derradeiro em que te vês
a inspirar o meu verso e a minha vida…

Guarda-o depois das linhas que tu lês
morrerás… e hás de ser sempre esquecida…
– não tornarei sequer uma só vez
a falar na lembrança mais querida…

Este é o último adeus que ainda te dou,
– termina aqui a imensa trajetória
que o teu destino sobre o meu traçou…

Daqui por diante… avançarei sozinho,
e nunca mais te encontrarás na história
dos versos que fizer em meu caminho!

Pensando Nela

Neste instante em que escrevo, estou pensando nela,
longe de mim, no entanto, em que estará pensando ?
– quem sabe se a sonhar, debruçada à janela
recorda nosso amor, a sorrir, vez em quando…

Ou terá tal como eu, esse ar de alguém que vela
um sonho que estivesse em nosso olhar flutuando ?
Ou quem sabe se dorme, e adormecida e bela
o luar lhe vai beijar os lábios, suave e brando…

Invejaria o luar… É tarde, estou sozinho,
ela dorme talvez, e não sabe que ao lado
do seu leito, a minha alma ronda de mansinho…

Nem vê meu pensamento entrar pela janela
e ir na ponta dos pés murmurar ajoelhado
este verso de amor que fiz, pensando nela!

Quatro Sonetos De Meditação – I

Mas o instante passou. A carne nova
Sente a primeira fibra enrijecer
E o seu sonho infinito de morrer
Passa a caber no berço de uma cova.

Outra carne virá. A primavera
É carne, o amor é seiva eterna e forte
Quando o ser que viveu unir-se à morte
No mundo uma criança nascerá.

Importará jamais por quê? Adiante
O poema é translúcido, e distante
A palavra que vem do pensamento

Sem saudade. Não ter contentamento.
Ser simples como o grão de poesia
E íntimo como a melancolia.