Sonetos sobre Mãos

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Sonetos de mãos escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Os Quinze Anos De Uma Alma Transparente

Os quinze anos de uma alma transparente,
O cabelo castanho, a face pura,
Uns olhos onde pinta-se a candura
De um coração que dorme, inda inocente…

Um seio que estremece de repente
Do mimoso vestido na brancura…
A linda mão na mágica cintura…
E uma voz que inebria docemente…

Um sorrir tão angélico, tão santo…
E nos olhos azuis cheios de vida
Lânguido véu de involuntário pranto…

É esse o talismã, é essa a Armida,
O condão de meus últimos encantos,
A visão de minh’alma distraída!

Sombra

De olheiras roxas, roxas, quase pretas,
De olhos límpidos, doces, languescentes,
Lagos em calma, pálidos, dormentes
Onde se debruçassem violetas…

De mãos esguias, finas hastes quietas,
Que o vento não baloiça em noites quentes…
Nocturno de Chopin… risos dolentes…
Versos tristes em sonhos de Poetas…

Beijo doce de aromas perturbantes…
Rosal bendito que dá rosas… Dantes
Esta era Eu e Eu era a Idolatrada!…

Ah, cinzas mortas! Ah, luz que se apaga!
Vou sendo, em ti, agora, a sombra vaga
D’alguém que dobra a curva duma estrada…

Senhora I

No calmo colo pouso meus segredos
Senhora que sabeis minhas fraquezas.
convoco só convosco o que antecedo
na lira ensimesmada da incerteza.

Não sei se o vero verso do degredo
vem albergado ou presa de represa
das frias águas íntimas do medo
lavando o frágil lado da tristeza.

A depressiva face não mostrada
esplende em vosso espelho que me abriga
lambendo o sal dos olhos da geada.

Águas que são do orvalho da fadiga
de recorrentes gotas espalhadas
regando as vossas mãos de amada e amiga

Soneto V

Lançado ao pé de um monte, onde rebenta
Um rio, que ao mais alto vai correndo,
Um estrago de fogo estava vendo
Que quasi morto em cinzas se sustenta.

Eis quando ua Ave chega, e tão isenta
As asas sobre as cinzas vem batendo,
Que acende o fogo e vai o monte ardendo;
Mas cadavez o rio se acrecenta.

Despois de ter o mal e o dano certo,
Voando para mi, li-lhe no bico
“Em quanto vento houver vivirá a frágoa.”

Desejei de a tomar vendo-a tão perto,
Estendo a mão, mas com as penas fico,
Fugiu, e eu caí no fogo e n’água.

A uma Dama com quem Andava de Amores

Jogando com Paulinha o toque-emboque,
Porque me punha em ré, usou de treta;
Um cabe me armou, coube a palheta,
Morre ela que de ilharga só lhe toque.

Eu disse: «– Cabe peço, toque-emboque.»
Mas antes que co’ as bocas arremeta,
Por me falar à mão, diz: «– Não se meta,
Por culos, dois da minha que se emboque.»

Endireito a palheta em tão boa hora,
Sem buscar tijolinho, e segurei-me,
Dando-lhe ora por dentro, ora por fora.

Virou-se para mim, eu alegrei-me
Dizendo-lhe: «– Essa volta me namora.»
Toquei-lhe as bocas do aro e emboquei-me.

Natal

Turvou-se de penumbra o dia cedo;
Nem o sol apertou no meu beiral!
Que longas horas de Jesus! Natal…
E o cepo a arder nas cinzas do brasedo…

E o lar da casa, os corações aos dobres,
É um painel a fogo em seu costume!
Que lindos versos bíblicos, ao lume,
Plo doce Príncipe cristão dos pobres!

Fulvas figuras pra esculpir em barro:
À luz da lenha, em rubro tom bizarro,
Sou em Presépio com meus pais e irmãos

E junto às brasas, os meus olhos postos
Nesta evangélica expressão de rostos,
Ergo em graças a Deus as minhas mãos.

Em Flor Vos Arrancou, De Então Crecida

Em flor vos arrancou, de então crescida
(Ah! senhor dom António!), a dura sorte,
donde fazendo andava o braço forte
a fama dos Antigos esquecida.

üa só razão tenho conhecida
com que tamanha mágoa se conforte:
que, pois no mundo havia honrada morte,
que não podíeis ter mais larga a vida.

Se meus humildes versos podem tanto
que co desejo meu se iguale a arte,
especial matéria me sereis.

E, celebrado em triste e longo canto,
se morrestes nas mãos do fero Marte,
na memória das gentes vivereis.

Passional

És lânguida e amorosa quando estás sozinha
e em teu corpo perfeito este amor apoteosas!
Nos teus olhos distantes, tudo se adivinha
e há um teu beijo um sabor encarnado de rosas!

Nasceste com certeza para ser rainha,
e o serias na certa, das mais poderosas!
– no entanto, aqui te tenho escrava, e sendo minha
cabes toda e inteirinha em minhas mãos nervosas!

Os teus cabelos louros, soltos sobre o leito
espalham-se em meu ombro, emolduram teu rosto,
e, quando assim te sinto abatida em meu peito

os teus olhos castanhos, místicos, oblongos,
vão morrendo em desmaios roxos de sol posto
sob a noite de seda dos teus cílios longos!

Teus Olhos

Teus olhos de tão mística elegia,
resplandecentes de penumbra viva,
Perdem-se em mim: do meu olhar deriva
A luz da mais cristã melancolia!

Possa eu viver em ti, nessa harmonia
De memorante paz meditativa;
Minha alma da tua alma se cativa,
Aspira o teu silêncio que inebria!

Teu vulto no Ar imprime-se em debuxos
De recortada flor; visões perpassam
Nocturnamente nos teus olhos bruxos!

Uma fonte discorre outonos tristes;
Caem flores do Céu; almas esvoaçam;
Estendo as mãos… adeus! Já não existes!

Quando nas Mãos de Amor me Vi Sujeito

Quando nas mãos de amor me vi sujeito,
A razão em mil erros consentindo,
Jurei de nunca mais, em lhe fugindo,
Sujeitar-me a seu bárbaro preceito.

Ora pude escapar-lhe, e ver desfeito
O duro laço, que me andara urdindo,
Até que pouco a pouco fui sentindo
De novas chamas inflamar-se o peito.

Olhando então por mim, achei quebrada
A ligeira promessa, a um brando rogo,
Por minha própria mão sacrificada;

Que juras contra amor, por desafogo,
São votos de tormenta já passada,
Que depois de serena, esquecem logo.

Namorados

Um ao lado do outro, – assim juntinhos,
mãos enlaçadas num enlevo infindo,
– seguem… a imaginar que estão seguindo
o mais suave de todos os caminhos…

Com gravetos de sonho vão construindo
na terra, como no ar os passarinhos,
a esplêndida ilusão de um mundo lindo,
entre beijos, sorrisos e carinhos…

Nada tolda os seus olhos… Nem um véu…
Andam sem ver os lados, vendo o fim
e o fim que vêem é o azul do céu…

Ah! se a gente, tal como namorados,
pudesse eternamente andar assim
pela vida a sonhar de braços dados!

À Discórdia

Pouco importa amarrar com mão valente
A Discórdia infernal, com cem cadeias,
Que ela tem subtilezas, tem ideias
De saber desligar-se facilmente.

De que serve lançar limpa semente
Em chão infecto, de zizânias feias,
De ervilhacas, lericas, joio, aveias,
Sem os campos limpar primeiramente?

Ninguém, té gora, à ligadura górdia
O nó soube desdar, que o vil Egoísmo
Empata as vazas à geral Concórdia.

Não se pode extinguir o Despotismo,
Nem acabar c’o império da Discórdia,
Sem cortar a raiz do Fanatismo.

A Funda

(SALVADOR RUEDA)

O verso é a funda de uma idéia. À teia
Dos fios trá-la, sem calhaus, pendida;
Mas, se a tomares, que lhe emprestes vida,
E a tornes digna da atenção alheia.

Funda é o verso. Faiscando, balanceia
No ígneo cérebro a pedra encandescida;
E ao futuro, de súbito impelida,
Caminhando veloz, relampagueia.

O verso é a funda que uma idéia lança.
A pedra passa pela nossa frente
E no giro dos séculos não cansa.

E tu, que és perta e sonhador austero,
Lembra as pedras em funda resistente
Alto lançadas pela mão de Homero!

Na Capela

Na capela, perdida entre a folhagem,
O Cristo, lá no fundo, agonisava…
Oh! como intimamente se casava
Com minha dor a dor d’aquela imagem!

Filhos ambos do amor, igual miragem
Nos roçou pela fronte, que escaldava…
Igual traição, que o afecto mascarava,
Nos deu suplício ás mãos da vilanagem…

E agora, ali, em quanto da floresta
A sombra se infiltrava lenta e mesta,
Vencidos ambos, mártires do Fado,

Fitavamo-nos mudos — dor igual! —
Nem, dos dois, saberei dizer-vos qual
Mais palido, mais triste e mais cansado…

Da Minha Janela

Mar alto! Ondas quebradas e vencidas
Num soluçar aflito, murmurado…
Vôo de gaivotas, leve, imaculado,
Como neves nos píncaros nascidas!

Sol! Ave a tombar, asas já feridas,
Batendo ainda num arfar pausado…
Ó meu doce poente torturado
Rezo-te em mim, chorando, mãos erguidas!

Meu verso de Samain cheio de graça,
Inda não és clarão já és luar
Como um branco lilás que se desfaça!

Amor! Teu coração trago-o no peito…
Pulsa dentro de mim como este mar
Num beijo eterno, assim, nunca desfeito!…

Paz!

E a Vida foi, e é assim, e não melhora.
Esforço inutil, crê! Tudo é illuzão…
Quantos não scismam n’isso mesmo a esta hora
Com uma taça, ou um punhal na mão!

Mas a Arte, o Lar, um filho, Antonio? Embora!
Chymeras, sonhos, bolas de sabão.
E a tortura do além e quem lá mora!
Isso é, talvez, minha unica afflicção…

Toda a dor pode suspportar-se, toda!
Mesmo a da noiva morta em plena boda,
Que por mortalha leva… essa que traz…

Mas uma não: é a dor do pensamento!
Ai quem me dera entrar n’esse convento
Que ha além da Morte e que se chama A Paz!

Post Mortem

Quando do amor das Formas inefáveis
No teu sangue apagar-se a imensa chama,
Quando os brilhos estranhos e variáveis
Esmorecerem nos troféus da Fama.

Quando as níveas Estrelas invioláveis,
Doce velário que um luar derrama,
Nas clareiras azuis ilimitáveis
Clamarem tudo o que o teu Verso clama.

Já terás para os báratros descido,
Nos cilícios da Morte revestido,
Pés e faces e mãos e olhos gelados…

Mas os teus Sonhos e Visões e Poemas
Pelo alto ficarão de eras supremas
Nos relevos do Sol eternizados!

A Mão que a Seu Amigo Hesita em Dar-se

Perguntaste se eu amo o meu amigo?
como rompendo um demorado açude
na tua voz quis hausto que transmude
todo o cristal dos ímpetos consigo

Neste meu choro enevoado abrigo
pôs-me a palavra o peito em alaúde
que uma doce pergunta tua ajude
no sim furtivo que eu levei comigo

Mas a meu lábio lento em confessar-se
um mestre inda melhor o cunharia
A mão que a seu amigo hesita em dar-se

ele a tomou o que mais firme a guia
para que ao coração secreto amando
ao mundo todo em rimas o vá dando.

Tradução de Vasco Graça Moura

XIX

Corino, vai buscar aquela ovelha,
Que grita lá no campo, e dormiu fora;
Anda; acorda, pastor; que sai a Aurora:
Como vem tão risonha, e tão vermelha!

Já perdi noutro tempo uma parelha
Por teu respeito; queira Deus, que agora
Não se me vá também estoutra embora;
Pois não queres ouvir, quem te aconselha.

Que sono será este tão pesado!
Nada responde, nada diz Corino:
Ora em que mãos está meu pobre gado!

Mas ai de mim! que cego desatino.
Como te hei de acusar de descuidado,
Se toda a culpa tua é meu destino!

Luva Abandonada

Uma só vez calçar-vos me foi dado,
Dedos claros! A escura sorte minha,
O meu destino, como um vento irado,
Levou-vos longe e me deixou sozinha!

Sobre este cofre, desta cama ao lado,
Murcho, como uma flor, triste e mesquinha,
Bebendo ávida o cheiro delicado
Que aquela mão de dedos claros tinha.

Cálix que a alma de um lírio teve um dia
Em si guardada, antes que ao chão pendesse,
Breve me hei de esfazer em poeira, em nada…

Oh! em que chaga viva tocaria
Quem nesta vida compreender pudesse
A saudade da luva abandonada!