Sonetos sobre Morte

261 resultados
Sonetos de morte escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Ah! Os Relógios

Amigos, não consultem os relógios
quando um dia eu me for de vossas vidas
em seus fúteis problemas tão perdidas
que até parecem mais uns necrológios…

Porque o tempo é uma invenção da morte:
não o conhece a vida – a verdadeira –
em que basta um momento de poesia
para nos dar a eternidade inteira.

Inteira, sim, porque essa vida eterna
somente por si mesma é dividida:
não cabe, a cada qual, uma porção.

E os Anjos entreolham-se espantados
quando alguém – ao voltar a si da vida –
acaso lhes indaga que horas são…

Mais Forte Do Que A Morte

Chego trêmulo, pálido, indeciso.
Tentas fugir, se escutas meu andar.
E és atraída pelo meu sorriso,
e eu fascinado pelo teu olhar.

Louco, sem o querer, te martirizo.
Em meus braços começas a chorar.
– E unem-se as nossas bocas de improviso,
pelo poder de um fluido singular.

Amo-te. A febre da paixão te acalma.
Beijas-me. E eu sinto, em lânguido torpor,
a embriaguez do vinho da tu’alma.

E ambos vemos, felizes, sem temor,
que, abençoada e lúbrica, se espalma
a asa da morte sobre o nosso amor!

Despondency

Deixá-la ir, a ave, a quem roubaram
Ninho e filhos e tudo, sem piedade…
Que a leve o ar sem fim da soledade
Onde as asas partidas a levaram…

Deixá-la ir, a vela, que arrojaram
Os tufões pelo mar, na escuridade,
Quando a noite surgiu da imensidade,
Quando os ventos do Sul levantaram…

Deixá-la ir, a alma lastimosa,
Que perdeu fé e paz e confiança,
À morte queda, à morte silenciosa…

Deixá-la ir, a nota desprendida
D’um canto extremo… e a última esperança…
E a vida… e o amor… Deixá-la ir, a vida!

Vibra o Passado em Tudo o que Palpita

Vibra o passado em tudo o que palpita
qual dança em coração de bailarino
ao regressar já mudo o violino
e há nuvens sobre o bosque em que transita

À paz dos seres a morte em seu contínuo
crescer em ramos de coral incita
a bem da noite negra e infinita
ser um raro instrumento é seu destino:

O ceptro dos eleitos que não cansam
o corpo que este tempo já não quebra
é como a cruz que os astros quando avançam

sobre o sul traçam por medida e regra
Os deuses têm-no em suas mãos cativo
risível é quem eles mandam vivo.

Tradução de Vasco Graça Moura

Viverás, que da Pena a Força Emana

Ou pra fazer-te o epitáfio vivo,
ou vives mais e a terra me apodrece.
Tua memória a morte deste arquivo
não tira, mas de mim o resto esquece.

Aqui terá o teu nome imortal gala,
indo eu, hei-de ficar do mundo oculto,
só pode dar-me a terra comum vala,
no olhar dos homens tu serás sepulto.

Meus versos monumento te serão
que hão-de ler e reler olhos a vir
e as línguas a haver repetirão

o que és, quando já ninguém respire.
Viverás, que da pena a força emana,
onde o sopro mais sopra, em boca humana.

Os Brilhantes

Não ha mulher mais pallida e mais fria,
E o seu olhar azul vago e sereno
Faz como o effeito d’um luar ameno
Na sua tez que é morbida e macia.

Como Levana … esta mulher sombria
Traz a Morte cruel ao seu aceno,
O Suicidio e a Dôr!… Lembra do Rheno
Um conto, á luz crepuscular do dia.

Por isso eu nunca invejo os seus amantes!
– E em quanto hontem, gabavam seus brilhantes,
No theatro, com vistas fascinadas…

Tortura das visões… incomprehensiveis!
Em vez d’elles, cri ver brilhar – horriveis
E verdadeiras lagrimas geladas!

Para que quero a Glória Fugitiva?

Já é tempo, já, que minha confiança
Se desça duma falsa opinião;
Mas Amor não se rege por razão,
Não posso perder, logo, a esperança.

A vida sim, que uma áspera mudança
Não deixa viver tanto um coração.
E eu só na morte tenho a salvação?
Sim, mas quem a deseja não a alcança.

Forçado é logo que eu espere e viva.
Ah dura lei de Amor, que não consente
Quietação num’alma que é cativa!

Se hei-de viver, enfim, forçadamente,
Para que quero a glória fugitiva
Duma esperança vã que me atormente?

Soneto à Rendeira

O linho é uma oração remota, nesse
fluir fabril de fio para a flor.
Move-se o coração da moça, e esquece
o tempo prisioneiro, em derredor

da sombra esguia que à almofada tece.
Move-se, em seu afã modelador
de paz, o mito imemorial da prece
que do limbo da morte inventa o amor.

Movem-se dentro dela o sol e o vento.
Move-se o mar, e os pórticos se movem
das águas em perpétuo movimento…

Move-se a gênese em seu corpo jovem.
E, enquanto o olhar medita, os dedos tecem
gestos de amor que os lábios não conhecem.

O Amor E A Morte

(com tema de Augusto dos Anjos)

Sobre essa estrada ilumineira e parda
dorme o Lajedo ao sol, como uma Cobra.
Tua nudez na minha se desdobra
— ó Corça branca, ó ruiva Leoparda.

O Anjo sopra a corneta e se retarda:
seu Cinzel corta a pedra e o Porco sobra.
Ao toque do Divino, o bronze dobra,
enquanto assolo os peitos da javarda.

Vê: um dia, a bigorna desses Paços
cortará, no martelo de seus aços,
e o sangue, hão de abrasá-lo os inimigos.

E a Morte, em trajos pretos e amarelos,
brandirá, contra nós, doidos Cutelos
e as Asas rubras dos Dragões antigos.

Vozinha

Velha, velhinha, da doçura boa
De uma pomba nevada, etérea, mansa.
Alma que se ilumina e se balança
Dentre as redes da Fé que nos perdoa.

Cabeça branca de serena leoa,
Carinho, amor, meiguice que não cansa,
Coração nobre sempre como a lança
Que não vergue, não fira e que não doa.

Olhos e voz de castidades vivas,
Pão ázimo das Páscoas afetivas,
Simples, tranqüila, dadivosa, franca.

Morreu tal qual vivera, mansamente,
Na alvura doce de uma luz algente,
Como que morta de uma morte branca.

Não Choreis os Mortos

Não choreis nunca os mortos esquecidos
Na funda escuridão das sepulturas.
Deixai crescer, à solta, as ervas duras
Sobre os seus corpos vãos adormecidos.

E quando, à tarde, o Sol, entre brasidos,
Agonizar… guardai, longe, as doçuras
Das vossas orações, calmas e puras,
Para os que vivem, nudos e vencidos.

Lembrai-vos dos aflitos, dos cativos,
Da multidão sem fim dos que são vivos,
Dos tristes que não podem esquecer.

E, ao meditar, então, na paz da Morte,
Vereis, talvez, como é suave a sorte
Daqueles que deixaram de sofrer.

A Moça Caetana A Morte Sertaneja

(com tema de Deborah Brennand)

Eu vi a Morte, a moça Caetana,
com o Manto negro, rubro e amarelo.
Vi o inocente olhar, puro e perverso,
e os dentes de Coral da desumana.

Eu vi o Estrago, o bote, o ardor cruel,
os peitos fascinantes e esquisitos.
Na mão direita, a Cobra cascavel,
e na esquerda a Coral, rubi maldito.

Na fronte, uma coroa e o Gavião.
Nas espáduas, as Asas deslumbrantes
que, rufiando nas pedras do Sertão,

pairavam sobre Urtigas causticantes,
caules de prata, espinhos estrelados
e os cachos do meu Sangue iluminado.

Saint-Just

Quando à tribuna ele se ergueu, rugindo,
– Ao forte impulso das paixões audazes
Ardente o lábio de terríveis frases
E a luz do gênio em seu olhar fulgindo,

A tirania estremeceu nas bases,
De um rei na fronte ressumou, pungindo,
Um suor de morte e um terror infindo
Gelou o seio aos cortesãos sequazes –

Uma alma nova ergueu-se em cada peito,
Brotou em cada peito uma esperança,
De um sono acordou, firme, o Direito –

E a Europa – o mundo – mais que o mundo, a França –
Sentiu numa hora sob o verbo seu
As comoções que em séculos não sofreu!

Ao Meu Maior Amigo

Quando eu morrer, eu sei, tu escreverás
Triste soneto à morte prematura;
Dirás que a vida cansa em amargura
E, pálido e frio, tu me cantarás.

Nas quadras, reflectido se lerá
De como, vã e breve, a vida expira
E como em terra funda, dura e fria,
A vida, má ou boa, acabará.

A seguir, nos tercetos, tu dirás
Que a morte é mistério, tudo fugaz,
Verdadeira, talvez, a vida além.

Por fim porás a data, assinarás.
E, relido o soneto, ficarás
Contente por tê-lo escrito bem.

Posto me tem Fortuna em tal estado

Posto me tem Fortuna em tal estado,
E tanto a seus pés me tem rendido!
Não tenho que perder já, de perdido;
Não tenho que mudar já, de mudado.

Todo o bem pera mim é acabado;
Daqui dou o viver já por vivido;
Que, aonde o mal é tão conhecido,
Também o viver mais será escusado,

Se me basta querer, a morte quero,
Que bem outra esperança não convém;
E curarei um mal com outro mal.

E, pois do bem tão pouco bem espero,
Já que o mal este só remédio tem,
Não me culpem em querer remédio tal.

Conheço o Teu Poder e a Fouce Dura

Conheço o teu poder e a fouce dura
Que a tua dextra empolga assaz respeito.
Sei que abaixo do sol tudo é sujeito
A teu poder feroz, tua bravura.

De Babilónia a torre assaz segura
De teu golpe fatal sentiu o efeito.
Por ti o Ródio c’losso foi desfeito,
Sem lhe valer a desmarcada altura.

Mas eu tenho um padrão que Amor defende.
Tempo cruel, que zomba do teu corte,
Bem que a mim teu furor assaz ofende.

É o meu coração constante e forte,
Coração que do Tempo a mão não rende,
Coração que só vence a mão da Morte.

Bendita

Bendita sejas, minha mãe, bendito
Seja o teu seio, imaculado e santo,
Onde derrama as gotas de seu pranto
Meu dolorido coração aflito.

Ó minha mãe, ó anjo sacrossanto,
Bendito seja o teu amor, bendito!
Ouve do Céu o amargurado grito
Cheio da dor de quem soluça tanto.

E deixa que repouse em teus joelhos
A minha fronte, ouvindo os teus conselhos
Longe do mundo, ó sempiterna dita!

Envia lá do céu no teu sorriso
A morte que levou-te ao Paraíso…
Bendita sejas, minha mãe, bendita!

Sonho

De suspirar em vão já fatigado,
Dando trégua a meus males eu dormia;
Eis que junto de mim sonhei que via
Da Morte o gesto lívido e mirrado:

Curva fouce no punho descarnado
Sustentava a cruel, e me dizia:
“Eu venho terminar tua agonia;
Morre, não penes mais, ó desgraçado!”

Quis ferir-me, e de Amor foi atalhada,
Que armado de cruentos passadores
Aparece, e lhe diz com voz irada:

“Emprega noutro objecto teus rigores;
Que esta vida infeliz está guardada
Para vítima só de meus furores.”

O Final Do Guarani

(Santos, 15 jul. 1883)

Ceci — é a virgem loira das brancas harmonias,
A doce-flor-azul dos sonhos cor de rosa,
Peri — o índio ousado das bruscas fantasias,
O tigre dos sertões — de alma luminosa.

Amam-se com o amor indômito e latente
Que nunca foi traçado nem pode ser descrito.
Com esse amor selvagem que anda no infinito.
E brinca nos juncais, — ao lado da serpente.

Porém… no lance extremo, o lance pavoroso,
Assim por entre a morte e os tons de um puro gozo,
Dos leques da palmeira a note musical…

Vão ambos a sorrir, às águas arrojados,
Mansos como a luz, tranqüilos, enlaçados
E perdem-se na noite serena do ideal!…

Soneto XXII

Ao mesmo

Rico Almazém, que Deus estima e preza,
Mais forte que o poder do inferno forte,
Bem te armas de ua morte e de outra morte,
Para qualquer encontro e brava empresa.

Arma-se o fraco cá de fortaleza
Para que assi resista ao duro corte;
Mas Deus sempre peleja d’outra sorte,
Cobrindo o forte de mortal fraqueza.

Usou c’o inferno deste próprio modo,
Iscando o anzol da natureza sua
Co’ a nossa; e foi-se o pece trás o engano.

E co’ as armas da carne rota e nua
Dos Mártires venceu o mundo todo,
Hoje em ti as põem para socorro humano.