Transcendentalismo
(A J. P. Oliveira Martins)
Já sossega, depois de tanta luta,
Já me descansa em paz o coração.
Caí na conta, enfim, de quanto é vão
O bem que ao Mundo e à Sorte se disputa.Penetrando, com fronte não enxuta,
No sacrário do templo da Ilusão,
Só encontrei, com dor e confusão,
Trevas e pó, uma matéria bruta…Não é no vasto mundo — por imenso
Que ele pareça à nossa mocidade —
Que a alma sacia o seu desejo intenso…Na esfera do invisível, do intangível,
Sobre desertos, vácuo, soledade,
Vôa e paira o espírito impassível!
Sonetos sobre Mundo
384 resultadosVanitas
Cego, em febre a cabeça, a mão nervosa e fria,
Trabalha. A alma lhe sai da pena, alucinada,
E enche-lhe, a palpitar, a estrofe iluminada
De gritos de triunfo e gritos de agonia.Prende a idéia fugaz; doma a rima bravia,
Trabalha… E a obra, por fim, resplandece acabada:
“Mundo, que as minhas mãos arrancaram do nada!
Filha do meu trabalho! ergue-te à luz do dia!Cheia da minha febre e da minha alma cheia,
Arranquei-te da vida ao ádito profundo,
Arranquei-te do amor à mina ampla e secreta!Posso agora morrer, porque vives!” E o Poeta
Pensa que vai cair, exausto, ao pé de um mundo,
E cai – vaidade humana! – ao pé de um grão de areia…
Cinco Sentidos
Cinco sentidos são os cinco dedos
Com que o homem tacteia a escuridão,
Rodeado de sombras e segredos
De que busca, e não acha, a solução.Mas decerto haverá mundos mais ledos
Onde outros seres, de maior visão,
Rompendo brumas, dissipando medos,
A treva finalmente vencerão.E sendo sete as cores, e outros tantos
Os sons da escala, mas com mil matizes
Que prolongam seu eco e seus encantos,Talvez nos seja um dia transmitido,
Por esses mundos fortes e felizes,
Um novo sexto e sétimo sentido!
Siga-se Amor
Ou fosse, Nize, em nós pouca cautela,
Ou que alguém pressentisse o nosso enleio,
Tudo se sabe já; tudo é já cheio,
Qu’algum cuidado há muito nos disvela.Dizem, qu’eu sou feliz, que tu és bela;
E às vezes com satírico rodeio,
Um murmura, outro zomba, e sem receio
A fama cada qual nos atropela.Mas se nunca se tapa a boca à gente,
E se amor sempre activo nos devora,
Porque aquela é mordaz, porque este ardente;Adoremo-nos pois como até agora:
Siga-se amor; arraste-se a corrente;
E se o mundo falar, que fale embora.
Dor
Há de ser uma estrada de amarguras
a tua vida. E andá-la-ás sozinho,
vendo sempre fugir o que procuras
disse-me um dia um pálido adivinho.“No entanto, sempre hás de cantar venturas
que jamais encontraste… O teu caminho,
dirás que é cheio de alegrias puras,
de horas boas, de beijos, de carinho…”E assim tem sido… Escondo os meus lamentos:
É meu destino suportar sorrindo
as desventuras e os padecimentos.E no mundo hei de andar, neste desgosto,
a mentir ao meu íntimo, cobrindo
os sinais destas lágrimas no rosto!
Anjo
Quando a fitar-te ainda o sol declina
E a cor dos teus cabelos no Ar flutua,
A tua alma na minha se insinua,
Teu vulto é prece alando-se, divina!A nossa voz, esparsa em luz, fascina;
A nossa voz… perdoa, Amor, a tua!
Ergues o olhar: crece em silêncio a lua,
Como uma flor, na tarde peregrina!E a tua graça, etéreo Abril jucundo,
Bênção de Deus que tudo beija e alcança,
Sorri em flor na escuridão do Mundo…A luz do Céu é o teu olhar sem fim;
E, no silêncio feito de esperança,
ouço o teu coração bater por mim!
Mendiga
Na vida nada tenho e nada sou;
Eu ando a mendigar pelas estradas…
No silêncio das noites estreladas
Caminho, sem saber para onde vou!Tinha o manto do sol… quem mo roubou?!
Quem pisou minhas rosas desfolhadas?!
Quem foi que sobre as ondas revoltadas
A minha taça de oiro espedaçou?!Agora vou andando e mendigando,
Sem que um olhar dos mundos infinitos
Veja passar o verme, rastejando…Ah, quem me dera ser como os chacais
Uivando os brados, rouquejando os gritos
Na solidão dos ermos matagais!…
Soneto XXXXII
Dai-me razão, Baptista, que conclua
Porque sois voz que no deserto brada,
Se Deus tem já sua palavra dada
De a seu filho chamar palavra sua.E não é bem que se vos atribua
Nome que a Deus para seu filho agrada.
Quanto ua confissão desenganada
Obrou, temo esta voz tanto destrua.Ah! quanto é seu ofício à voz conforme,
Desperta a voz, mas a palavra fala,
Mil vezes com quem dorme usamos isto.Vem Deus falar c’o Mundo, e porque dorme
Primeiro a voz lhe manda que o abala,
O Baptista desperta, e fala Cristo.
Um Dia Guttemberg
Um dia Guttemberg c’o a alma aos céus suspensa,
Pegou do escopro ingente e pôs-se a trabalhar!
E fez do velho mundo um rútilo alcançar
Ao mágico clangor de sua idéia imensa!Rolou por todo o globo a luz da sacra imprensa!
Ruiu o despotismo no pó, a esbravejar…
Uniram-se n’um lago, o céu, a terra, o mar…
Rasgou-se o manto atroz da horrível treva densa!…Ergueram-se mil povos ao som das melopéias,
Das grandes cavatinas olímpicas da arte!
Raiou o novo sol das fúlgidas idéias!…Porém, quem lance luz maior por toda a parte
És tu, sublime atriz, ó misto de epopéias
Que sabes no tablado subir, endeusar-te!…
Ceticismo
Desci um dia ao tenebroso abismo,
Onde a dúvida ergueu altar profano;
Cansado de lutar no mundo insano,
Fraco que sou, volvi ao ceticismo.Da Igreja – a Grande Mãe – o exorcismo
Terrível me feriu, e então sereno,
De joelhos aos pés do Nazareno
Baixo rezei, em fundo misticismo:– Oh! Deus, eu creio em ti, mas me perdoa!
Se esta dúvida cruel qual me magoa
Me torna ínfimo, desgraçado réu.Ah, entre o medo que o meu Ser aterra,
Não sei se viva p’ra morrer na terra,
Não sei se morra p’ra viver no Céu!
Epitáfio
Caminhante que vais tão de corrida.
Pois em nada reparas na jornada.
Repara por tua vida no meu nada.
Que foi toda uma morte a minha vida.Também do mundo andei muito partida,´
Posto que em diligência mal parada,
E por não ser verdade incorporada
Uma mentira sou desvanecida.Eu tive ocupação sem exercício,
Eu fui mui conhecido sem ter nome,
Eu, ingrato, morri sem benefício.Exemplo toma de mim, ó pobre homem,
Que se tratares mal, vives de vício,
E se viveres bem, morres de fome
Desejos Vãos
Eu queria ser o Mar de altivo porte
Que ri e canta, a vastidão imensa!
Eu queria ser a Pedra que não pensa,
A pedra do caminho, rude e forte!Eu queria ser o Sol, a luz intensa,
O bem do que é humilde e não tem sorte!
Eu queria ser a árvore tosca e densa
Que ri do mundo vão e até da morte!Mas o Mar também chora de tristeza…
As árvores também, como quem reza,
Abrem, aos Céus, os braços, como um crente!E o Sol altivo e forte, ao fim de um dia,
Tem lágrimas de sangue na agonia!
E as Pedras… essas… pisa-as toda a gente!…
XLIV
Há quem confie, Amor, na segurança
De um falsíssimo bem, com que dourando
O veneno mortal, vás enganando
Os tristes corações numa esperança!Há quem ponha inda cego a confiança
Em teu fingido obséquio, que tomando
Lições de desengano, não vá dando
Pelo mundo certeza da mudança!Há quem creia, que pode haver firmeza
Em peito feminil, quem advertido
Os cultos não profane da beleza!Há inda, e há de haver, eu não duvido,
Enquanto não mudar a Natureza
Em Nise a formosura, o amor em Fido.
Benditas Cadeias!
Quando vou pela Luz arrebatado,
Escravo dos mais puros sentimentos
Levo secretos estremecimentos
Como quem entra em mágico Noivado.Cerca-me o mundo mais transfigurado
Nesses sutis e cândidos momentos…
Meus olhos, minha boca vão sedentos
De luz, todo o meu ser iluminado.Fico feliz por me sentir escravo
De um Encanto maior entre os Encantos,
Livre, na culpa, do mais leve travo.De ver minh’alma com tais sonhos, tantos,
E que por fim me purifico e lavo
Na água do mais consolador dos prantos
Espiritualismo
I
Como um vento de morte e de ruína,
A Dúvida soprou sobre o Universo.
Fez-se noite de súbito, imerso
O mundo em densa e algida neblina.Nem astro já reluz, nem ave trina,
Nem flor sorri no seu aéreo berço.
Um veneno subtil, vago, disperso,
Empeçonhou a criação divina.E, no meio da noite monstruosa,
Do silêncio glacial, que paira e estende
O seu sudário, d’onde a morte pende,Só uma flor humilde, misteriosa,
Como um vago protesto da existência,
Desabroxa no fundo da Consciência.II
Dorme entre os gelos, flor imaculada!
Luta, pedindo um ultimo clarão
Aos sóis que ruem pela imensidão,
Arrastando uma auréola apagada…Em vão! Do abismo a boca escancarada
Chama por ti na gélida amplidão…
Sobe do poço eterno, em turbilhão,
A treva primitiva conglobada…Tu morrerás também. Um ai supremo,
Na noite universal que envolve o mundo,
Ha-de ecoar, e teu perfume extremoNo vácuo eterno se esvairá disperso,
Como o alento final d’um moribundo,
Como o último suspiro do Universo.
Conto de Fadas
Eu trago-te nas mãos o esquecimento
Das horas más que tens vivido, Amor!
E para as tuas chagas o unguento
Com que sarei a minha própria dor.Os meus gestos são ondas de Sorrento…
Trago no nome as letras de uma flor…
Foi dos meus olhos garços que um pintor
Tirou a luz para pintar o vento…Dou-te o que tenho: o astro que dormita,
O manto dos crepúsculos da tarde,
O sol que é d’oiro, a onda que palpita.Dou-te comigo o mundo que Deus fez!
– Eu sou Aquela de quem tens saudade,
A Princesa do conto: “Era uma vez…”
Passei Ontem A Noite Junto Dela.
Passei ontem a noite junto dela.
Do camarote a divisão se erguia
Apenas entre nós – e eu vivia
No doce alento dessa virgem bela…Tanto amor, tanto fogo se revela
Naqueles olhos negros! Só a via!
Música mais do céu, mais harmonia
Aspirando nessa alma de donzela!Como era doce aquele seio arfando!
Nos lábios que sorriso feiticeiro!
Daquelas horas lembro-me chorando!Mas o que é triste e dói ao mundo inteiro
É sentir todo o seio palpitando…
Cheio de amores! E dormir solteiro!
A Minha Piedade
A Bourbon e Meneses
Tenho pena de tudo quanto lida
Neste mundo, de tudo quanto sente,
Daquele a quem mentiram, de quem mente,
Dos que andam pés descalços pela vida,Da rocha altiva, sobre o monte erguida,
Olhando os céus ignotos frente a frente,
Dos que não são iguais à outra gente,
E dos que se ensangüentam na subida!Tenho pena de mim… pena de ti…
De não beijar o riso duma estrela…
Pena dessa má hora em que nasci…De não ter asas para ir ver o céu…
De não ser Esta… a Outra… e mais Aquela…
De ter vivido e não ter sido Eu…
A Floresta
Em vão com o mundo da floresta privas!…
– Todas as hermenêuticas sondagens,
Ante o hieróglifo e o enigma das folhagens,
São absolutamente negativas!Araucárias, traçando arcos de ogivas,
Bracejamentos de álamos selvagens,
Como um convite para estranhas viagens,
Tornam todas as almas pensativas!Há uma força vencida nesse mundo!
Todo o organismo florestal profundo
É dor viva, trancada num disfarce…Vivem só, nele, os elementos broncos,
– As ambições que se fizeram troncos,
Porque nunca puderam realizar-se!
Sonhos
Cada dia que passa faz-me pensar
E reflectir sobre quem ele traiu,
Que enquanto viveu nada fui ganhar
Com a lama vil onde a alma caiu.Até de meus sonhos a vida me deixa
Na maré nu, na areia, em solidão,
Desolado que, inda vivo, não esteja
Seguindo veloz no barco da acção.Há uma beleza no mundo exterior,
No monte ou planície onde chega a vista
Que já é consolo à dúvida e à dor,
Mas, Oh! A beleza que o mundo conquistaNem Palavra ou verso a pode imaginar
Nem a mente humana, só por si, forjar!