Deus, Infinito Ser
Deus, Infinito ser, nunca criado,
Sem princípio, nem fim, na Majestade
Que no trono da Eterna Divindade
Tens o Mundo num dedo dependurado:Tu estavas em Ti, não foste nado,
O teu Ser era a tua Imensidade,
Tu tiveste por berço a Eternidade,
Tu, sem tempo, em Ti mesmo eras gerado!Tu és um fogo que arde sem matéria,
Tu és perpétua luz, que não desmaia
Fulgindo, sem cessar, na sala etérea!Tu és um mar de amor, que não tem praia,
Trovão assustador da esfera aérea,
Rei dum Reino Imortal, que não tem raia!…
Sonetos sobre Mundo
384 resultadosÀ Alma De Minha Mãe
Partiu-se o fio branco e delicado
Dos sonhos de minh’alma desditosa…
E as contas do rosário assim quebrado
Caíram como folhas de uma rosa.Debalde eu as procuro lacrimosa,
Estas doces relíquias do Passado,
Para guardá-las na urna perfumosa,
Do meu seio no cofre imaculado.Aí! se eu ao menos uma só pudesse
D’estas contas achar que me fizesse
Lembrar um mundo de alegrias doidas…Feliz seria… Mas minh’alma atenta
Em vão procura uma continha benta:
Quando partiste m’as levaste todas!
Havendo Escapado de uma Grande Doença
Foi tão cruel, tão duramente forte
A que passei tormenta repetida,
Que não fazendo já conta da vida,
Só chegava a fazer caso da morte.Mas lastimada de meu mal a sorte,
Quando já me notava na partida,
Propícia e favorável me convida
Com porto alegre, com seguro norte.Altiva torre fabriquei no vento,
Mas a esperança, vã que nela tive
O vento ma levou que sempre corre.Do mundo o céu nos dê conhecimento,
Que a desgraça é morrer como quem vive,
E a ventura é viver como quem morre.
Ironia De Lágrimas
Junto da Morte é que floresce a Vida!
Andamos rindo junto à sepultura.
A boca aberta, escancarada, escura
Da cova é como flor apodrecida.A Morte lembra a estranha Margarida
Do nosso corpo, Fausto sem ventura…
Ela anda em torno a toda a criatura
Numa dança macabra indefinida.Vem revestida em suas negras sedas
E a marteladas lúgubrees e tredas
Das ilusões o eterno esquife prega.E adeus caminhos vãos, mundos risonhos,
Lá vem a loba que devora os sonhos,
Faminta, absconsa, imponderada, cega!
A Fúria Mais Fatal e Mais Medonha
Das Fúrias infernais foi sempre a Inveja
No mundo a mais fatal e a mais medonha,
Pois faz dos bens dos outros a peçonha
Com que a si mesma se envenena e peja.Com ira e com furor, raivosa, arqueja,
Com vinganças, traições, com ódios sonha.
Onde quer que se encoste e os olhos ponha,
Tragar as ditas dos mortais deseja.Mãe dos males fatais à Sociedade,
Vidas, honras destrói, cismas fomenta,
Nutrindo n’alma as serpes da Maldade.O próprio coração que come a alenta,
Vive afogada em ondas de ansiedade,
Da frenética raiva se alimenta.
Carregado De Mim Ando No Mundo
Carregado de mim ando no mundo,
E o grande peso embarga-me as passadas,
Que como ando por vias desusadas,
Faço o peso crescer, e vou-me ao fundo.O remédio será seguir o imundo
Caminho, onde dos mais vejo as pisadas,
Que as bestas andam juntas mais ousadas,
Do que anda só o engenho mais profundo.Não é fácil viver entre os insanos,
Erra, quem presumir que sabe tudo,
Se o atalho não soube dos seus danos.O prudente varão há de ser mudo,
Que é melhor neste mundo, mar de enganos,
Ser louco cos demais, que só, sisudo.
Já Foste Rico e Forte e Soberano
Já foste rico e forte e soberano,
Já deste leis a mundos e nações,
Heróico Portugal, que o gram Camões
Cantou, como o não pôde um ser humano!Zombando do furor do mar insano,
Os teus nautas, em fracos galeões,
Descobriram longínquas regiões,
Perdidas na amplidão do vasto oceano.Hoje vejo-te triste e abatido,
E quem sabe se choras, ou então,
Relembras com saudade o tempo ido?Mas a queda fatal não temas, não.
Porque o teu povo, outrora tão temido,
Ainda tem ardor no coração.
O Sábio não Vai em Grossos Rios
Quão bem aventurado e quão ditoso
O sábio é, que parco passa a vida
Medindo, alegre, a entrada co’a saída
Do Mundo vão, sem medo do invejoso!Quem c’o pouco que tem vive gostoso,
Cos desejos não tem sôfrega lida.
Como subir não quer, nunca a caída
Teme, do vão Faetonte desejoso.Se tem sede, não vai em grossos rios
Beber, sôfrego, a farto nas correntes,
Porque teme cair em seus baixios.Pequena fonte vai buscar, prudente,
Onde bebe, seguro dos bravios
Enrolados cachões da altiva enchente.
Julga-me a gente toda por perdido
Julga-me a gente toda por perdido,
Vendo-me tão entregue a meu cuidado,
Andar sempre dos homens apartado
E dos tratos humanos esquecido.Mas eu, que tenho o mundo conhecido,
E quase que sobre ele ando dobrado,
Tenho por baixo, rústico, enganado
Quem não é com meu mal engrandecido.Vá revolvendo a terra, o mar e o vento,
Busque riquezas, honras a outra gente,
Vencendo ferro, fogo, frio e calma;Que eu só em humilde estado me contento
De trazer esculpido eternamente
Vosso fermoso gesto dentro na alma.
A Maria Ifigênia
Em 1786, quando completava sete anos.
Amada filha, é já chegado o dia,
em que a luz da razão, qual tocha acesa
vem conduzir a simples natureza,
é hoje que o teu mundo principia.A mão que te gerou teus passos guia,
despreza ofertas de uma vã beleza,
e sacrifica as honras e a riqueza
às santas leis do filho de Maria.Estampa na tua alma a caridade,
que amar a Deus, amar aos semelhantes,
são eternos preceitos da verdade.Tudo o mais são idéias delirantes;
procura ser feliz na eternidade,
que o mundo são brevíssimos instantes.
Transcendentalismo
(A J. P. Oliveira Martins)
Já sossega, depois de tanta luta,
Já me descansa em paz o coração.
Caí na conta, enfim, de quanto é vão
O bem que ao Mundo e à Sorte se disputa.Penetrando, com fronte não enxuta,
No sacrário do templo da Ilusão,
Só encontrei, com dor e confusão,
Trevas e pó, uma matéria bruta…Não é no vasto mundo — por imenso
Que ele pareça à nossa mocidade —
Que a alma sacia o seu desejo intenso…Na esfera do invisível, do intangível,
Sobre desertos, vácuo, soledade,
Vôa e paira o espírito impassível!
Vanitas
Cego, em febre a cabeça, a mão nervosa e fria,
Trabalha. A alma lhe sai da pena, alucinada,
E enche-lhe, a palpitar, a estrofe iluminada
De gritos de triunfo e gritos de agonia.Prende a idéia fugaz; doma a rima bravia,
Trabalha… E a obra, por fim, resplandece acabada:
“Mundo, que as minhas mãos arrancaram do nada!
Filha do meu trabalho! ergue-te à luz do dia!Cheia da minha febre e da minha alma cheia,
Arranquei-te da vida ao ádito profundo,
Arranquei-te do amor à mina ampla e secreta!Posso agora morrer, porque vives!” E o Poeta
Pensa que vai cair, exausto, ao pé de um mundo,
E cai – vaidade humana! – ao pé de um grão de areia…
Cinco Sentidos
Cinco sentidos são os cinco dedos
Com que o homem tacteia a escuridão,
Rodeado de sombras e segredos
De que busca, e não acha, a solução.Mas decerto haverá mundos mais ledos
Onde outros seres, de maior visão,
Rompendo brumas, dissipando medos,
A treva finalmente vencerão.E sendo sete as cores, e outros tantos
Os sons da escala, mas com mil matizes
Que prolongam seu eco e seus encantos,Talvez nos seja um dia transmitido,
Por esses mundos fortes e felizes,
Um novo sexto e sétimo sentido!
Siga-se Amor
Ou fosse, Nize, em nós pouca cautela,
Ou que alguém pressentisse o nosso enleio,
Tudo se sabe já; tudo é já cheio,
Qu’algum cuidado há muito nos disvela.Dizem, qu’eu sou feliz, que tu és bela;
E às vezes com satírico rodeio,
Um murmura, outro zomba, e sem receio
A fama cada qual nos atropela.Mas se nunca se tapa a boca à gente,
E se amor sempre activo nos devora,
Porque aquela é mordaz, porque este ardente;Adoremo-nos pois como até agora:
Siga-se amor; arraste-se a corrente;
E se o mundo falar, que fale embora.
Dor
Há de ser uma estrada de amarguras
a tua vida. E andá-la-ás sozinho,
vendo sempre fugir o que procuras
disse-me um dia um pálido adivinho.“No entanto, sempre hás de cantar venturas
que jamais encontraste… O teu caminho,
dirás que é cheio de alegrias puras,
de horas boas, de beijos, de carinho…”E assim tem sido… Escondo os meus lamentos:
É meu destino suportar sorrindo
as desventuras e os padecimentos.E no mundo hei de andar, neste desgosto,
a mentir ao meu íntimo, cobrindo
os sinais destas lágrimas no rosto!
Anjo
Quando a fitar-te ainda o sol declina
E a cor dos teus cabelos no Ar flutua,
A tua alma na minha se insinua,
Teu vulto é prece alando-se, divina!A nossa voz, esparsa em luz, fascina;
A nossa voz… perdoa, Amor, a tua!
Ergues o olhar: crece em silêncio a lua,
Como uma flor, na tarde peregrina!E a tua graça, etéreo Abril jucundo,
Bênção de Deus que tudo beija e alcança,
Sorri em flor na escuridão do Mundo…A luz do Céu é o teu olhar sem fim;
E, no silêncio feito de esperança,
ouço o teu coração bater por mim!
Mendiga
Na vida nada tenho e nada sou;
Eu ando a mendigar pelas estradas…
No silêncio das noites estreladas
Caminho, sem saber para onde vou!Tinha o manto do sol… quem mo roubou?!
Quem pisou minhas rosas desfolhadas?!
Quem foi que sobre as ondas revoltadas
A minha taça de oiro espedaçou?!Agora vou andando e mendigando,
Sem que um olhar dos mundos infinitos
Veja passar o verme, rastejando…Ah, quem me dera ser como os chacais
Uivando os brados, rouquejando os gritos
Na solidão dos ermos matagais!…
Soneto XXXXII
Dai-me razão, Baptista, que conclua
Porque sois voz que no deserto brada,
Se Deus tem já sua palavra dada
De a seu filho chamar palavra sua.E não é bem que se vos atribua
Nome que a Deus para seu filho agrada.
Quanto ua confissão desenganada
Obrou, temo esta voz tanto destrua.Ah! quanto é seu ofício à voz conforme,
Desperta a voz, mas a palavra fala,
Mil vezes com quem dorme usamos isto.Vem Deus falar c’o Mundo, e porque dorme
Primeiro a voz lhe manda que o abala,
O Baptista desperta, e fala Cristo.
Um Dia Guttemberg
Um dia Guttemberg c’o a alma aos céus suspensa,
Pegou do escopro ingente e pôs-se a trabalhar!
E fez do velho mundo um rútilo alcançar
Ao mágico clangor de sua idéia imensa!Rolou por todo o globo a luz da sacra imprensa!
Ruiu o despotismo no pó, a esbravejar…
Uniram-se n’um lago, o céu, a terra, o mar…
Rasgou-se o manto atroz da horrível treva densa!…Ergueram-se mil povos ao som das melopéias,
Das grandes cavatinas olímpicas da arte!
Raiou o novo sol das fúlgidas idéias!…Porém, quem lance luz maior por toda a parte
És tu, sublime atriz, ó misto de epopéias
Que sabes no tablado subir, endeusar-te!…
Ceticismo
Desci um dia ao tenebroso abismo,
Onde a dúvida ergueu altar profano;
Cansado de lutar no mundo insano,
Fraco que sou, volvi ao ceticismo.Da Igreja – a Grande Mãe – o exorcismo
Terrível me feriu, e então sereno,
De joelhos aos pés do Nazareno
Baixo rezei, em fundo misticismo:– Oh! Deus, eu creio em ti, mas me perdoa!
Se esta dúvida cruel qual me magoa
Me torna ínfimo, desgraçado réu.Ah, entre o medo que o meu Ser aterra,
Não sei se viva p’ra morrer na terra,
Não sei se morra p’ra viver no Céu!