Sonetos sobre Olhos

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Sonetos de olhos escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Rosa, E Anarda

Rosa da formosura, Anarda bela
igualmente se ostenta como a rosa;
Anarda mais que as flores Ă© formosa,
mais formosa que as flores brilha aquela.

A rosa com espinhos se desvela,
arma-se Anarda espinhos de impiedosa;
na fronte Anarda tem pĂşrpura airosa,
a rosa Ă© dos jardins purpĂşrea estrela.

Brota o carmim da rosa doce alento,
respira olor de Anarda o carmim breve,
ambas dos olhos sĂŁo contentamento:

mas esta diferença Anarda teve:
que a rosa deve ao sol seu luzimento,
o sol seu luzimento a Anarda deve.

Uma Amiga

Aqueles que eu amei, nĂŁo sei que vento
Os dispersou no mundo, que os nĂŁo vejo…
Estendo os bracos e nas trevas beijo
Visões que a noite evoca o sentimento…

Outros me causam mais cruel tormento
Que a saudade dos mortos… que eu invejo…
Passam por mim… mas como que tem pejo
Da minha soledade e abatimento!

Daquela primavera venturosa
NĂŁo resta uma flor so, uma so rosa…
Tudo o vento varreu, queimou o gelo!

Tu so foste fiel – tu, como dantes,
Inda volves teus olhos radiantes…
Para ver o meu mal… e escarnece-lo!

Uns Lindos Olhos, Vivos, Bem Rasgados

Uns lindos olhos, vivos, bem rasgados,
Um garbo senhoril, nevada alvura;
Metal de voz que enleva de doçura,
Dentes de aljĂ´far, em rubi cravados:

Fios de ouro, que enredam meus cuidados,
Alvo peito, que cega de candura;
Mil prendas; e (o que Ă© mais que formosura)
Uma graça, que rouba mil agrados.

Mil extremos de preço mais subido
Encerra a linda Márcia, a quem of’reço
Um culto, que nem dela inda Ă© sabido:

Tão pouco de mim julgo que a mereço,
Que enojá-la não quero de atrevido
Co’ as penas, que por ela em vĂŁo padeço.

Ă€ Morte

Morte, minha Senhora Dona Morte,
Tão bom que deve ser o teu abraço!
Lânguido e doce como um doce laço
E, como uma raiz, sereno e forte.

Não há mal que não sare ou não conforte
Tua mĂŁo que nos guia passo a passo,
Em ti, dentro de ti, no teu regaço
Não há triste destino nem má sorte.

Dona Morte dos dedos de veludo,
Fecha-me os olhos que já viram tudo!
Prende-me as asas que voaram tanto!

Vim da Moirama, sou filha de rei,
Má fada me encantou e aqui fiquei
Ă€ tua espera…quebra-me o encanto!

GlĂłria

Vive dentro de mim um mundo raro
Tão vário, tão vibrante, tão profundo
Que o meu amor indĂłmito e avaro
O oculto raivoso ao outro mundo

E nele vivo audaz, ardentemente,
Sentindo consumir-se a sua chama
Que oscila e desce e sobe inquietamente;
Ouvindo a minha voz que por mim chama

Em situações grotescas que me ferem,
Ou conquistando o que meus olhos querem:
PrĂ­ncipe ou Rei sonhando com domĂ­nios.

Sinto bem que sĂŁo vĂŁs pra me prenderem
As mĂŁos da Vida, muito embora imperem
Sobre a noção real dos meus declínios.

ReminiscĂŞncia

Um dia a vi, nas lamas da miséria,
Como entre pântanos um branco lírio,
Velada a fronte em palidez funérea,
O frio véu das noivas do martírio!

Pedia esmola — pequena e séria —
Os seios, pastos de eternal delĂ­rio,
Cobertos eram de uma cor cinérea —
Seus olhos tinham o brilhar do cĂ­rio.

Tempos depois n’um carro — audaz, brilhante,
Uma mulher eu vi — febril, galante…
Lancei-lhe o olhar e… maldição! tremi…

Ria-se — cĂ­nica, servil… faceira?
O carro n’uma nuvem de poeira
Se arremessou… e eu nunca mais a vi!

Soneto III

Rosto que a branca rosa tem vencida,
E ante quem a vermelha Ă© descorada,
Olhos, claras estrelas, que espantada
TĂŞm a alma, aceso o peito, presa a vida;

Cabelos, puros raios, que abatida
Deixam da manhĂŁ clara a luz dourada,
Divina fermosura, acompanhada
De ĂĽa virtude a poucas concedida;

Palavras cheias de alto entendimento
Raro riso, alto assento, casto peito,
Santos costumes, vivo e grave esprito;

Divino e repousado movimento,
E muito mais, que está em minha alma escrito,
Me tem num puro amor todo desfeito.

Beatriz

Bandeirante a sonhar com pedrarias
Com tesouros e minas fabulosas,
Do amor entrei, por Ă­nvias e sombrias
Estradas, as florestas tenebrosas.

Tive sonhos de louco, Ă  FernĂŁo Dias…
Vi tesouros sem conta: entre as umbrosas
Selvas, o outro encontrei, e o Ă´nix, e as frias
Turquesas, e esmeraldas luminosas…

E por eles passei. Vivi sete anos
Na floresta sem fim. Senti ressábios
De amarguras, de dor, de desenganos.

Mas voltei, afinal, vencendo escolhos,
Com o rubi palpitante dos seus lábios
E os dois grandes topázios dos seus olhos!

Incontentado

Quando em teus braços, meu amor, te beijo,
se me torno, de sĂşbito, tristonho,
Ă© porque Ă s vezes, com temor, prevejo
que esta alegria pode ser um sonho.

Olho os meus olhos nos teus olhos… Ponho,
trĂŞmulo, as mĂŁos nas tuas mĂŁos… E vejo
que Ă©s tu mesma, que Ă©s tu! E ainda suponho
Ser enganado pelo meu desejo.

Quanto mais, desvairado de ansiedade,
do teu corpo, meu corpo se avizinha,
mais de ti, junto a ti, sinto saudade…

– E o meu suplĂ­cio atroz nĂŁo se adivinha,
quando, beijando-te, o pavor me invade
de que em meus braços tu não sejas minha!

NĂŁo sei, Amor, sequer, se te Consinto

NĂŁo sei, amor, sequer, se te consinto
ou se te inventas, brilhas, adormeces
nas palavras sem carne em que te minto
a verdade intemida em que me esqueces.

NĂŁo sei, amor, se as lavas do vulcĂŁo
nos lavam, veras, ou se trocam tintas
dos olhos ao cabelo ou coração
de tudo e de ti mesma. NĂŁo que sintas

outra coisa de mais que nos feneça;
mas sĂł nĂŁo sei, amor, se tu nĂŁo sabes
que sei de certo a malha que nos teça,

o vento que nos leves ou nos traves,
a mão que te nos dê ou te nos peça,
o princĂ­pio de sol que nos acabes.

Eu Deliro, GertrĂşria, eu Desespero

Eu deliro, GertrĂşria, eu desespero
No inferno de suspeitas e temores.
Eu da morte as angĂşstias e os horrores
Por mil vezes sem morrer tolero.

Pelo CĂ©u, por teus olhos te assevero
Que ferve esta alma em cândidos amores;
Longe o prazer de ilĂ­citos favores!
Quero o teu coração, mais nada quero.

Ah! não sejas também qual é comigo
A cega divindade, a Sorte dura.
A vária Deusa, que me nega abrigo!

Tudo perdi: mas valha-me a ternura
Amor me valha, e pague-me contigo
Os roubos que me faz a má ventura.

Quando Eu, Senhora, Em VĂłs Os Olhos Ponho

Quando eu, senhora, em vĂłs os olhos ponho,
e vejo o que nĂŁo vi nunca, nem cri
que houvesse cá, recolhe-se a alma a si
e vou tresvaliando, como em sonho.

Isto passado, quando me desponho,
e me quero afirmar se foi assi,
pasmado e duvidoso do que vi,
m’espanto Ă s vezes, outras m’avergonho.

Que, tornando ante vĂłs, senhora, tal,
Quando m’era mister tant’ outr’ ajuda,
de que me valerei, se alma nĂŁo val?

Esperando por ela que me acuda,
e não me acode, e está cuidando em al,
afronta o coração, a língua é muda.

Aquela Triste E Leda Madrugada

Aquela triste e leda madrugada,
cheia toda de mágoa e de piedade,
enquanto houver no mundo saudade
quero que seja sempre celebrada.

Ela sĂł, quando amena e marchetada
saĂ­a, dando ao mundo claridade,
viu apartar se de ua outra vontade,
que nunca poderá ver se apartada.

Ela só, viu as lágrimas em fio,
que, de uns e d’outros olhos derivadas,
s’acrescentaram em grande e largo rio.

Ela viu as palavras magoadas
que puderam tornar o fogo frio,
e dar descanso Ă s almas condenadas.

Saudade

Aqui outrora retumbaram hinos;
Muito coche real nestas calçadas
E nestas praças, hoje abandonadas,
Rodou por entre os ouropĂ©is mais finos…

Arcos de flores, fachos purpurinos,
Trons festivais, bandeiras desfraldadas,
Girândolas, clarins, atropeladas
Legiões de povo, bimbalhar de sinos…

Tudo passou! Mas dessas arcarias
Negras, e desses torreões medonhos,
Alguém se assenta sobre as lájeas frias;

E em torno os olhos Ăşmidos, tristonhos,
Espraia, e chora, como Jeremias,
Sobre a JerusalĂ©m de tantos sonhos!…

Horas de Saudade

Vou de luar em rosto, descontente:
Meus olhos choram lágrimas de sal.
— Adeus, terras e moças do casal,
— Adeus, ó coração da minha gente.

A hora da saudade Ă© uma serpente:
Quero falar, nĂŁo posso, e antes que fale
Ela enlaça-me a voz tão cordial
Que as coisas mais me lembram fielmente.

Olhos de amora, e uma ave na garganta
Para enfeitiçar a alma quando canta,
Moças com sua parra de avental;

Graça, Beleza, um verso sem medida,
A Saudade desterrou-me a vida …
Sou um eco perdido noutro vale.

Alma a Sangrar

Quem fez ao sapo o leito carmesim
De rosas desfolhadas Ă  noitinha?
E quem vestiu de monja a andorinha,
E perfumou as sombras do jardim?

Quem cinzelou estrelas no jasmim?
Quem deu esses cabelos de rainha
Ao girassol? Quem fez o mar? E a minha
Alma a sangrar? Quem me criou a mim?

Quem fez os homens e deu vida aos lobos?
Santa Teresa em mĂ­sticos arroubos?
Os monstros? E os profetas? E o luar?

Quem nos deu asas para andar de rastros?
Quem nos deu olhos para ver os astros
– Sem nos dar braços para os alcançar?!…

Passagem

NĂŁo quero amor demais na minha hora
nem o sinistro choro carpideiro.
SĂł quero esse sorriso que me escora
como lembrança leve em meu canteiro.

Se bem plantado, o mĂłrbido estertora-se
evanescentemente, no roteiro
do poema em teu louvor, grave, Senhora,
meus traços mais rebeldes, companheiros.

Teus olhos já cantei as suas grades
que nĂŁo me prendem sĂł por essa calma
senĂŁo o que apascentam sem alarde.

E na minha hora quero ter-te em palma,
apenas na passagem dessa margem,
palmeira verde que te quero na alma.

InsĂłnia

Noite calada, como num lamento,
A voz das coisas ponho-me a escutar,
E ela vai, vai subindo ao Firmamento,
Num murmúrio constante, a soluçar.

Noites de Outono, como chora o vento…
Noites sem brilho, noites sem luar.
Noites de Outono, sois o meu tormento,
Tombam as folhas, ponho-me a cismar.

Noite morta. Lá fora a ventania
Passa rezando estranha litania,
Como sinos dobrando ao entardecer.

Vento que choras, dolorido canto,
Unge meus olhos, deixa-mos em pranto,
Para melhor assim adormecer.

Solilóquio De Um Visionário

Para desvirginar o labirinto
Do velho e metafísico Mistério,
Comi meus olhos crus no cemitério,
Numa antropofagia de faminto!

A digestão desse manjar funéreo
Tornado sangue transformou-me o instinto
De humanas impressões visuais que eu sinto,
Nas divinas visões do íncola etéreo!

Vestido de hidrogĂŞnio incandescente,
Vaguei um século, improficuamente,
Pelas monotonias siderais…

Subi talvez às máximas alturas,
Mas, se hoje volto assim, com a alma Ă s escuras,
É necessário que inda eu suba mais!

Como Te Amo

Como te amo? Não sei de quantos modos vários
Eu te adoro, mulher de olhos azuis e castos;
Amo-te com o fervor dos meus sentidos gastos;
Amo-te com o fervor dos meus preitos diários.

É puro o meu amor, como os puros sacrários;
É nobre o meu amor, como os mais nobres fastos;
É grande como os mares altisonos e vastos;
É suave como o odor de lírios solitários.

Amor que rompe enfim os laços crus do Ser;
Um tĂŁo singelo amor, que aumenta na ventura;
Um amor tĂŁo leal que aumenta no sofrer;

Amor de tal feição que se na vida escura
É tão grande e nas mais vis ânsias do viver,
Muito maior será na paz da sepultura!