Marília De Dirceu
Soneto 11
Com pesadas cadeias manietado,
Às vozes da razão ensurdecido,
Dos céus, de mim, dos homens esquecido,
Me vi de amor nas trevas sepultado.Ali aliviava o meu cuidado
C’o dar de quando em quando algum gemido.
Ah! tempo! Que, somente refletido,
Me fazes entre as ditas desgraçado.Assim vivia, quando a falsidade
De Laura me tornou num breve dia
Quanto a razão não pôde em longa idade:Quebrei o vil grilhão que me oprimia!
Oh! feliz de quem goza a liberdade,
Bem que venha por mãos da aleivosia!
Sonetos sobre Razão
84 resultadosSatanismo
Não me olhes assim, branca Arethusa,
Peregrina inspiração dos meus cantares;
Não me deixes a razão vagar confusa
Ao relâmpago ideal de teus olhares.Não me olhes, oh! não, porquanto eu penso
Envolvido no luar das minhas cismas,
Que o olhar que me dardejas — doido, imenso
Tem a rápida explosão dos aneurismas.Não me olhes. Oh! não, que o próprio inferno
Problemático, fatal, cálido, eterno,
Nos teus olhos, mulher, se foi cravar!…Não me olhes, oh! não, que m’entolece
Tanta luz, tanto sol — e até parece
Que tens músicas cruéis dentro do olhar!…
Bilhete
O teu vulto ficou na lembrança guardado,
vivo, por muitas horas!… e em meus olhos baços
Fitei-te – como alguém que ansioso e torturado
Tentasse inutilmente reavivar teus traços…Num relance te vi – depois, quase irritado
Fugi, – e reparei que ao marcar os meus passos
ia a dizer teu nome e a ver por todo lado
o teu vulto… o teu rosto… e o clarão dos teus braços!Talvez eu faça mal em querer ser sincero,
censurarás – quem sabe? Essa minha ousadia,
e pensarás até que minto, e que exagero…Ou dirás, que eu falar-te nesse tom, não devo,
que o que escrevo é infantil e absurdo, é fantasia,
e afinal tens razão… nem sei por que te escrevo!
A Maria Ifigênia
Em 1786, quando completava sete anos.
Amada filha, é já chegado o dia,
em que a luz da razão, qual tocha acesa
vem conduzir a simples natureza,
é hoje que o teu mundo principia.A mão que te gerou teus passos guia,
despreza ofertas de uma vã beleza,
e sacrifica as honras e a riqueza
às santas leis do filho de Maria.Estampa na tua alma a caridade,
que amar a Deus, amar aos semelhantes,
são eternos preceitos da verdade.Tudo o mais são idéias delirantes;
procura ser feliz na eternidade,
que o mundo são brevíssimos instantes.
Cristo E A Adúltera
(Grupo de Bernardelli)
Sente-se a extrema comoção do artista
No grupo ideal de plácida candura,
Nesse esplendor tão fino da escultura
Para onde a luz de todo o olhar enrista.Que campo, ali, de rútila conquista
Deve rasgar, do mármore na alvura,
O estatuário — que amplidão segura
Tem — de alma e braço, de razão e vista!Vê-se a mulher que implora, ajoelhada,
A mais serena compaixão sagrada
De um Cristo feito a largos tons gloriosos.De um Nazareno compassivo e terno,
D’olhos que lembram, cheios de falerno,
Dois inefáveis corações piedosos!
Esperanças de um Vão Contentamento
Esperanças de um vão contentamento,
por meu mal tantos anos conservadas,
é tempo de perder-vos, já que ousadas
abusastes de um longo sofrimento.Fugi; cá ficará meu pensamento
meditando nas horas malogradas,
e das tristes, presentes e passadas,
farei para as futuras argumento.Já não me iludirá um doce engano,
que trocarei ligeiras fantasias
em pesadas razões do desengano.E tu, sacra Virtude, que anuncias,
a quem te logra, o gosto soberano,
vem dominar o resto dos meus dias.
Soneto XXXXII
Dai-me razão, Baptista, que conclua
Porque sois voz que no deserto brada,
Se Deus tem já sua palavra dada
De a seu filho chamar palavra sua.E não é bem que se vos atribua
Nome que a Deus para seu filho agrada.
Quanto ua confissão desenganada
Obrou, temo esta voz tanto destrua.Ah! quanto é seu ofício à voz conforme,
Desperta a voz, mas a palavra fala,
Mil vezes com quem dorme usamos isto.Vem Deus falar c’o Mundo, e porque dorme
Primeiro a voz lhe manda que o abala,
O Baptista desperta, e fala Cristo.
Tempo É Já Que Minha Confiança
Tempo é já que minha confiança
se desça de üa falsa opinião;
mas Amor não se rege por razão;
não posso perder, logo, a esperança.A vida, si; que üa áspera mudança
não deixa viver tanto um coração.
E eu na morte tenho a salvação?
Si, mas quem a deseja não a alcança.Forçado é logo que eu espere e viva.
Ah! dura lei de Amor, que não consente
quietação nüa alma que é cativa!Se hei de viver, enfim, forçadamente,
para que quero a glória fugitiva
de üa esperança vã que me atormente?
Se pena por amar-vos se merece
Se pena por amar-vos se merece,
Quem dela livre está? ou quem isento?
Que alma, que razão, que entendimento
Em ver-vos se não rende e obedece?Que mor glória na vida se oferece
Que ocupar-se em vós o pensamento?
Toda a pena cruel, todo o tormento
Em ver-vos se não sente, mas esquece.Mas se merece pena quem amando
Contínuo vos está, se vos ofende,
O mundo matareis, que todo é vosso.Em mim, Senhora, podeis ir começando,
Que claro se conhece e bem se entende
Amar-vos quanto devo e quanto posso.
Pressentimento
O fim do nosso amor pressenti – na agonia
das tuas próprias cartas, rápidas, pequenas…
– se nem tantas, com carinho imenso te escrevia
tão poucas me chegavam por reposta apenas…Nas cartas que a sofrer, te escrevia, às dezenas
adiava a realidade sempre, dia a dia,
procurando iludir em vão as minhas penas
muito embora eu soubesse o quanto me iludia!Hoje… já não foi mais surpresa para mim,
dizes (como quem tem piedade), que é melhor
não continuarmos mais… e tens razão: é o fim…Há muito eu o esperava e o pressentia no ar…
Chegou… que hei de fazer?… Foi bom… Seria Pior
se ele não viesse nunca… e eu ficasse a esperar…
Que Farei quando Tudo Arde?
Desarrezoado amor, dentro em meu peito,
tem guerra com a razão. Amor, que jaz
i já de muitos dias, manda e faz
tudo o que quer, a torto e a direito.Não espera razões, tudo é despeito,
tudo soberba e força; faz, desfaz,
sem respeito nenhum; e quando em paz
cuidais que sois, então tudo é desfeito.Doutra parte, a Razão tempos espia,
espia ocasiões de tarde em tarde,
que ajunta o tempo; enfim vem o seu dia:Então não tem lugar certo onde aguarde
Amor; trata traições, que não confia
nem dos seus. Que farei quando tudo arde?
Qual É A Tarde Por Achar
Qual é a tarde por achar
Em que teremos todos razão
E respiraremos o bom ar
Da alameda sendo verão,Ou, sendo inverno, baste ‘star
Ao pé do sossego ou do fogão?
Qual é a tarde por voltar?
Essa tarde houve, e agora não.Qual é a mão cariciosa
Que há de ser enfermeira minha –
Sem doenças minha vida ousa –Oh, essa mão é morta e osso …
Só a lembrança me acarinha
O coração com que não posso.
Fiou Se O Coração, De Muito Isento
Fiou se o coração, de muito isento,
de si cuidando mal, que tomaria
tão ilícito amor tal ousadia,
tal modo nunca visto de tormento.Mas os olhos pintaram tão a tento
outros que visto tem na fantasia,
que a razão, temerosa do que via,
fugiu, deixando o campo ao pensamento.Ó Hipólito casto, que, de jeito,
de Fedra, tua madrasta, foste amado,
que não sabia ter nenhum respeito:em mim vingou o amor teu casto peito;
mas está desse agravo tão vingado,
que se arrepende já do que tem feito.
Nenhum Mortal no Mundo Satisfeito
Nenhum mortal no mundo satisfeito
Com sua Sorte está, nunca é contente,
Pois de mil desatinos enche a mente
Sem que possa gozar um bem perfeito.O soldado deseja o canto estreito
Da cela do ermitão, com ânsia ardente:
Este, da guerra, o estrépito fremente
Deseja, sem razão, ao ócio afeito.O rico, redobrados bens deseja;
O pobre, de quimeras se sustenta;
No coração humano reina a Inveja.Pobre, rico, fidalgo se alimenta
De insaciáveis desejos que lhe peja
Sua Sorte fatal, que os não contenta.
Sanhudo, Inexorável Despotismo
Sanhudo, inexorável Despotismo
Monstro que em pranto, em sangue a fúria cevas,
Que em mil quadros horríficos te enlevas,
Obra da Iniquidade e do Ateísmo:Assanhas o danado Fanatismo,
Porque te escore o trono onde te enlevas;
Por que o sol da Verdade envolva em trevas
E sepulte a Razão num denso abismo.Da sagrada Virtude o colo pisas,
E aos satélites vis da prepotência
De crimes infernais o plano gizas,Mas, apesar da bárbara insolência,
Reinas só no ext’rior, não tiranizas
Do livre coração a independência.
Desejo Amante
Elmano, de teus mimos anelante,
Elmano em te admirar, meu bem, não erra;
Incomparáveis dons tua alma encerra,
Ornam mil perfeições o teu semblante:Granjeias sem vontade a cada instante
Claros triunfos na amorosa guerra:
Tesouro que do Céu vieste à Terra,
Não precisas dos olhos de um amante.Oh!, se eu pudesse, Amor, oh!, se eu pudesse
Cumprir meu gosto! Se em altar sublime
Os incensos de Jove a Lília desse!Folgara o coração quanto se oprime;
E a Razão, que os excessos aborrece,
Notando a causa, revelara o crime.
Quando Se Vir Com Água O Fogo Arder
Quando se vir com água o fogo arder,
e misturar co dia a noite escura,
e a terra se vir naquela altura
em que se vem os Céus prevalecer;o Amor por razão mandado ser,
e a todos ser igual nossa ventura,
com tal mudança, vossa formosura
então a poderei deixar de ver.Porém não sendo vista esta mudança
no mundo (como claro está não ver-se),
não se espere de mim deixar de ver-vos.Que basta estar em vós minha esperança,
o ganho de minha alma, e o perder-se,
para não deixar nunca de querer-vos.
LIII
Ou já sobre o cajado te reclines,
Venturoso pastor, ou já tomando
Para a serra, onde as cabras vais chamando,
A fugir os meus ais te determines.Lá te quero seguir, onde examines
Mais vivamente um coração tão brando;
Que gosta só de ouvir-te, ainda quando
Mais sem razão me acuses, mais crimines.Que te fiz eu, pastor ? em que condenas
Minha sincera fé, meu amor puro? A
s provas, que te dei, serão pequenas?Queres ver, que esse monte áspero, e duro
Sabe, que és causa tu das minhas penas?
Pergunta-lhe; ouvirás, o que te juro.
És dos Céus o Composto Mais Brilhante
Marília, nos teus olhos buliçosos
Os Amores gentis seu facho acendem;
A teus lábios, voando, os ares fendem
Terníssimos desejos sequiosos.Teus cabelos subtis e luminosos
Mil vistas cegam, mil vontades prendem;
E em arte aos de Minerva se não rendem
Teus alvos, curtos dedos melindrosos.Reside em teus costumes a candura,
Mora a firmeza no teu peito amante,
A razão com teus risos se mistura.És dos Céus o composto mais brilhante;
Deram-se as mãos Virtude e Formosura,
Para criar tua alma e teu semblante.
Hino À Razão
Razão, irmã do Amor e da Justiça,
Mais uma vez escuta a minha prece.
É a voz dum coração que te apetece,
Duma alma livre só a ti submissa.Por ti é que a poeira movediça
De astros, sóis e mundos permanece;
E é por ti que a virtude prevalece,
E a flor do heroísmo medra e viça.Por ti, na arena trágica, as nações
buscam a liberdade entre clarões;
e os que olham o futuro e cismam, mudos,Por ti podem sofrer e não se abatem,
Mãe de filhos robustos que combatem
Tendo o teu nome escrito em seus escudos!