Sonetos sobre Sentidos

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Sonetos de sentidos escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

LVII

Bela imagem, emprego idolatrado,
Que sempre na memĂłria repetido,
Estás, doce ocasião de meu gemido,
Assegurando a fé de meu cuidado.

Tem-te a minha saudade retratado;
NĂŁo para dar alĂ­vio a meu sentido;
Antes cuido; que a mágoa do perdido
Quer aumentar coa pena de lembrado.

NĂŁo julgues, que me alento com trazer-te
Sempre viva na idéia; que a vingança
De minha sorte todo o bem perverte.

Que alívio em te lembrar minha alma alcança,
Se do mesmo tormento de nĂŁo ver-te,
Se forma o desafogo da lembrança ?

CustĂłdia

Ai, CustĂłdia! sonhei, nĂŁo sei se o diga:
Sonhei, que entre meus braços vos gozava.
Oh se verdade fosse, o que sonhava!
Mas nĂŁo permite Amor, que eu tal consiga.

O que anda no cuidado, e dá fadiga,
Entre sonhos Amor representava
No teatro da noite, que apartava
A alma dos sentidos, doce liga.

Acordei eu, feito sentinela
De toda a cama, pus-me uma peçonha,
Vendo-me sĂł sem vĂłs, e em tal mazela.

E disse, porque o caso me envergonha,
Trabalho tem, quem ama, e se desvela,
E muito mais quem dorme, e em falso sonha.

XLVIII

Traidoras horas do enganoso gosto,
Que nunca imaginei, que o possuĂ­a,
Que ligeiras passastes! mal podia
Deixar aquele bem de ser suposto.

Já de parte o tormento estava posto;
E meu peito saudoso, que isto via,
As imagens da pena desmentia,
Pintando da ventura alegre o rosto.

Desanda então a fábrica elevada,
Que o plácido Morfeu tinha erigido,
Das espécies do sono fabricada:

EntĂŁo Ă©, que desperta o meu sentido,
Para observar na pompa destroçada,
Verdadeira a ruĂ­na, o bem fingido.

Espiritualidade

É no sonho que o amor engrandece o seu mundo
para morrer depois nos sentidos exausto…
Nasce, como o de Comte e Clotilde, profundo,
morre, feito desejo, na expressĂŁo de um Fausto!

Mais sublime talvez, talvez menos fecundo
antes da posse, Ă© apenas perfume… luz… hausto…
– atĂ© que atinge o instante imortal de um segundo
em que a ele ofertamos tudo em holocausto!

O que possui de grande, esplĂŞndido, complexo,
está, nessa afeição mais do homem que da fera,
mais do Ser propriamente que do prĂłprio sexo…

Está mais na visão do que se imaginou
– e Ă© por isso que o amor maior Ă© o que se espera,
e eterno, Ă© o que se espera… e nunca o que chegou!…

Converteu-se-me em Noite o Claro Dia

Apolo e as nove Musas, descantando
Com a dourada lira, me influĂ­am
Na suave harmonia que faziam,
Quando tomei a pena, começando:

Ditoso seja o dia e hora, quando
TĂŁo delicados olhos me feriam!
Ditosos os sentidos que sentiam
Estar-se em seu desejo traspassando!

Assim cantava, quando Amor virou
A roda à esperança, que corria
TĂŁo ligeira, que quase era invisĂ­vel.

Converteu-se-me em noite o claro dia;
E, se alguma esperança me ficou,
Será de maior mal, se for possível.

Aquela que Cantei na Doce Lira

Aquela que cantei na doce lira,
Que já do Tempo estragos tem sentido,
Inda veio, com seu garbo fingido,
Tentar meu coração, que em paz respira.

Mas, qual duro rochedo que nĂŁo vira,
Por mais que o bata o mar enfurecido,
Assim firme fiquei, no meu sentido,
Vendo o cepo enfeitado da Mentira.

Encarei-o com dor, mas sem transporte,
Pois de meus longos anos na carreira
Já do Tempo sofri, também, o corte.

Pensando na minha hora derradeira,
Eu vi sĂł entre nĂłs sentada a Morte,
E ao pé de uma caveira, outra caveira.

A Força desta Nossa Despedida

NĂŁo sei em qual se vĂŞ mais rigorosa
a força desta nossa despedida,
se em mim que sinto já partir a vida,
se em vĂłs, a quem contemplo tĂŁo chorosa,

VĂłs com indĂ­cios d’alma piedosa,
mostrais a dor em água convertida,
eu com me ver tĂŁo junto da partida,
nem água me deixou dor tão forçosa:

VĂłs pelo que entendeis do meu sentido,
chorais tendo a causa inda presente,
pagando-me antemão quanto mereço:

Eu logo que me vir de vĂłs partido,
n’alma satisfarei estando ausente
esse amor que nos olhos vos conheço.

Pedra Tumular

A minha geração fugiu à guerra,
Por isso a paz que traz nĂŁo tem sentido:
É feita de ignorância e de castigo,
TĂŁo rĂ­gida e tĂŁo fria como a pedra.

Desfazem-se-lhe as mãos em gestos frágeis,
Duma verdade inĂştil por vazia,
E a lĂ­ngua imĂłvel nega o som Ă  vida,
Por hábito ou por falta de coragem.

Se há rumores lá de fora, às vezes, lembra:
Porque é que pulsa o coração do mundo,
Precipitado, angustioso, ardente?

Mas depressa submerge na indiferença
– Que lhe deram um tĂşmulo seguro;
E o relógio dá-lhe horas certas, sempre.

Tecido

O texto tem sua face
de avesso na superfĂ­cie:
Ă© dia e noite, sintaxe
do que se pensa, ou se disse.

Tudo no texto Ă© disfarce,
ritual de voz e artifĂ­cio,
como se tudo falasse
por si mesmo, na planĂ­cie.

Seja por dentro ou por fora,
seja de lado ou durante,
o texto Ă© sempre demora:

o descompasso da escrita
e da leitura no grande
intervalo dos sentidos.

Frustração

Persegui-a com as mãos, como uma criança a um brinquedo.
Era um sonho; era mais: – a alegria que chega,
o prazer que nos toma e nos deixa inebriados,
atirando Ă  corrente, num gesto, os sentidos…

Ah! Povoou minhas noites de sono sem pálpebras;
dançava entre estrelas na distância, – via-a!
Meu destino! pensei, – eis o amor! – É esse sangue
que me queima por dentro e me agita: eis o amor!

E alcancei-a! Eis o mar ao redor atordoante!
Nos meus braços em concha era como uma pérola
escondida, o mistĂ©rio do oceano a guardar…

E de repente, é estranho! esse vazio, esta ânsia!
Como a posse do amor está longe do amor
e o rumor que há na concha… está longe do mar!

Chuva De Fogo

Meus olhos vĂŁo seguindo incendiados
a chama da leveza nesta dança,
que mostra velho sonho acalentado
de ver a bailarina que me alcança

os sentidos em febre, inebriados,
cativos do delírio e dessa trança.
É sonho, eu sei. E chega enevoado
na mantilha macia da lembrança:

o palco antigo, as luzes da ribalta,
renascença da graça do seu corpo,
balé de sedução, mar que me falta

para o mergulho calmo de um amante,
que se sabe maduro de esperar
essa viva paixĂŁo e seu levante.

Outrora

Outrora alguém olhou com os meus olhos
E alguém sentiu também com meus sentidos.
Alguém foi Eu em sonhos derruídos,
Alguém viveu de mim ante os teus olhos.

Por isso se me vejo, me conheço
De me ter visto outrora no meu Eu.
O meu passado é tudo que adormeço
Tudo o que envolvo em mim e me esqueceu.

E as minhas mĂŁos que no teu sonho exaltas,
Outrora para Deus as elevei…
NĂŁo tocavam em Deus, eram mais altas.

Minha presença é alma que se ausenta
E o meu passado que ante mim deixei.
Uma cadeira onde ninguém se senta.

De Um TĂŁo Felice Engenho, Produzido

De um tĂŁo felice engenho, produzido
de outro, que o claro Sol nĂŁo viu maior,
Ă© trazer cousas altas no sentido,
todas dinas de espanto e de louvor.

Museu foi antiquĂ­ssimo escritor,
filĂłsofo e poeta conhecido,
discĂ­pulo do MĂşsico amador
que co som teve o Inferno suspendido.

Este pĂ´de abalar o monte mudo,
cantando aquele mal, que eu já passei,
do mancebo de Abido mal sisudo.

Agora contam já (segundo achei),
Passo, e o nosso BoscĂŁo, que disse tudo
dos segredos que move o cego Rei.

Porto inseguro

A liberdade bate Ă  minha porta,
tĂŁo carente de mim, pedindo abrigo.
Quero ampará-la e penso que consigo
detĂŞ-la, mas seria tĂŞ-la morta.

Livre para pairar num céu sem peias,
na solidĂŁo de um vĂ´o sem destino,
por que perder, nos olhos de águia, o tino,
vindo a quem se agrilhoa sem cadeias?

Deusa das asas! Seu vagar escapa
a meus sentidos, seu desejo alcança
tudo que a mim se esconde atrás da capa.

Vá embora daqui! Siga seu rumo!
Sou prisioneiro, um órfão da esperança
e arrasto um vĂ´o cego em chĂŁo sem prumo.