Sonetos sobre VisĂŁo

78 resultados
Sonetos de visão escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Teus Olhos

Teus olhos de tĂŁo mĂ­stica elegia,
resplandecentes de penumbra viva,
Perdem-se em mim: do meu olhar deriva
A luz da mais cristĂŁ melancolia!

Possa eu viver em ti, nessa harmonia
De memorante paz meditativa;
Minha alma da tua alma se cativa,
Aspira o teu silĂȘncio que inebria!

Teu vulto no Ar imprime-se em debuxos
De recortada flor; visÔes perpassam
Nocturnamente nos teus olhos bruxos!

Uma fonte discorre outonos tristes;
Caem flores do Céu; almas esvoaçam;
Estendo as mĂŁos… adeus! JĂĄ nĂŁo existes!

Espiritualidade

É no sonho que o amor engrandece o seu mundo
para morrer depois nos sentidos exausto…
Nasce, como o de Comte e Clotilde, profundo,
morre, feito desejo, na expressĂŁo de um Fausto!

Mais sublime talvez, talvez menos fecundo
antes da posse, Ă© apenas perfume… luz… hausto…
– atĂ© que atinge o instante imortal de um segundo
em que a ele ofertamos tudo em holocausto!

O que possui de grande, esplĂȘndido, complexo,
estå, nessa afeição mais do homem que da fera,
mais do Ser propriamente que do prĂłprio sexo…

EstĂĄ mais na visĂŁo do que se imaginou
– e Ă© por isso que o amor maior Ă© o que se espera,
e eterno, Ă© o que se espera… e nunca o que chegou!…

Post Mortem

Quando do amor das Formas inefĂĄveis
No teu sangue apagar-se a imensa chama,
Quando os brilhos estranhos e variĂĄveis
Esmorecerem nos troféus da Fama.

Quando as nĂ­veas Estrelas inviolĂĄveis,
Doce velĂĄrio que um luar derrama,
Nas clareiras azuis ilimitĂĄveis
Clamarem tudo o que o teu Verso clama.

JĂĄ terĂĄs para os bĂĄratros descido,
Nos cilĂ­cios da Morte revestido,
PĂ©s e faces e mĂŁos e olhos gelados…

Mas os teus Sonhos e VisÔes e Poemas
Pelo alto ficarĂŁo de eras supremas
Nos relevos do Sol eternizados!

O Dote que se Oferece no Horror

o dote que se oferece no horror
dessa cidade Ă© mais uma manobra difĂ­cil
das marés viradas em nossos pulsos
tal o esforço da visão da névoa

sonhos e vibraçÔes técnicas estão aí
para tudo que seja atual
em frontes douradas pois ficou vazio
o que Ă© pesado como o antigo absurdo

seu desejo excepcional ainda dentro
do medo com a mudança recente de vultos
interessados na superfĂ­cie do arrependimento

mas chegou ao fim a fĂșria da indecĂȘncia
e as unhas vistas entre os ossos podem matar
elas conhecem o que pode ser morto de novo

Interrogação

A Guido Batelli

Neste tormento inĂștil, neste empenho
De tornar em silĂȘncio o que em mim canta,
Sobem-me roucos brados Ă  garganta
Num clamor de loucura que contenho.

Ó alma de charneca sacrossanta,
IrmĂŁ da alma rĂștila que eu tenho,
Dize pra onde vou, donde Ă© que venho
Nesta dor que me exalta e me alevanta!

VisÔes de mundos novos, de infinitos,
CadĂȘncias de soluços e de gritos,
Fogueira a esbrasear que me consome!

Dize que mĂŁo Ă© esta que me arrasta?
NĂłdoa de sangue que palpita e alastra…
Dize de que Ă© que eu tenho sede e fome?!

Celeste

Vi-te crescer! tu eras a criança
Mais linda, mais gentil, mais delicada:
Tinhas no rosto as cores da alvorada
E o sol disperso pela loira trança.

Asas tinhas tambĂ©m, as da esperança…
E de tal sorte eras sutil e alada
Que parecias ave arrebatada
Na luz do Espaço onde a razão descansa!

Depois, entĂŁo, fizeste-te menina,
VisĂŁo de amor, purĂ­ssima, divina,
Perante a qual ainda hoje me ajoelho.

Cresceste mais! És bela e moça agora…
Mas eu, que acompanhei toda essa aurora,
Sinto bem quanto estou ficando velho.

Voz Interior

(A JoĂŁo de Deus)

Embebido n’um sonho doloroso,
Que atravessam fantåsticos clarÔes,
Tropeçando n’um povo de visĂ”es,
Se agita meu pensar tumultuoso…

Com um bramir de mar tempestuoso
Que até aos céus arroja os seus cachÔes,
AtravĂ©s d’uma luz de exalaçÔes,
Rodeia-me o Universo monstruoso…

Um ai sem termo, um trĂĄgico gemido
Ecoa sem cessar ao meu ouvido,
Com horrĂ­vel, monĂłtono vaivĂ©m…

Só no meu coração, que sondo e meço,
Não sei que voz, que eu mesmo desconheço,
Em segredo protesta e afirma o Bem!

Soneto 549 Tematizado

De duas coisas todo bom poeta
dever tem de falar para ser posto
no cĂ­rculo dos grandes e no gosto
do povo ser mais um que se projeta:

de estrelas e de rosas. Nada veta
que seja seu soneto sĂł composto
de pétalas que espelhem-lhe o desgosto
do amor que feneceu e nos afeta.

Também ninguém proíbe que as estrelas
figurem esperanças ou paixÔes
e todos os sonetos tentem lĂȘ-las.

Não morre um de Bilac ou de CamÔes,
mas falta o que um poeta mede pelas
(dum cego) fantasias e visĂ”es…

NĂŁo Digo do Natal

Não digo do Natal – digo da nata
do tempo que se coalha com o frio
e nos fica branquĂ­ssima e exacta
nas mĂŁos que nĂŁo sabem de que cio

nasceu esta semente; mas que invade
esses tempos relĂ­quidos e pardos
e faz assim que o coração se agrade
de terrenos de pedras e de cardos

por dezembros cobertos. SĂł entĂŁo
Ă© que descobre dias de brancura
esta nova pupila, outra visĂŁo,

e as cores da terra sĂŁo feroz loucura
moĂ­das numa sĂł, e feitas pĂŁo
com que a vida resiste, e anda, e dura.

Contemplação

Sonho de olhos abertos, caminhando
NĂŁo entre as formas jĂĄ e as aparĂȘncias,
Mas vendo a face imĂłvel das essĂȘncias,
Entre idĂ©ias e espĂ­ritos pairando…

Que Ă© o mundo ante mim? fumo ondeando,
VisĂ”es sem ser, fragmentos de existĂȘncias…
Uma nĂ©voa de enganos e impotĂȘncias
Sobre vĂĄcuo insondĂĄvel rastejando…

E d’entre a nĂ©voa e a sombra universais
SĂł me chega um murmĂșrio, feito de ais…
É a queixa, o profundíssimo gemido

Das coisas, que procuram cegamente
Na sua noite e dolorosamente
Outra luz, outro fim sĂł presentido…

Eu

Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida nĂŁo tem norte,
Sou a irmĂŁ do Sonho, e desta sorte
Sou a crucificada… a dolorida…

Sombra de névoa ténue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!…

Sou aquela que passa e ninguĂ©m vĂȘ…
Sou a que chamam triste sem o ser…
Sou a que chora sem saber porquĂȘ…

Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver
E que nunca na vida me encontrou!

VĂ©nus

I

À flor da vaga, o seu cabelo verde,
Que o torvelinho enreda e desenreda…
O cheiro a carne que nos embebeda!
Em que desvios a razĂŁo se perde!

PĂștrido o ventre, azul e aglutinoso,
Que a onda, crassa, num balanço alaga,
E reflui (um olfato que se embriaga)
Como em um sorvo, murmura de gozo.

O seu esboço, na marinha turva…
De pé flutua, levemente curva;
Ficam-lhe os pĂ©s atrĂĄs, como voando…

E as ondas lutam, como feras mugem,
A lia em que a desfazem disputando,
E arrastando-a na areia, co’a salsugem.

II

Singra o navio. Sob a ĂĄgua clara
VĂȘ-se o fundo do mar, de areia fina…
_ ImpecĂĄvel figura peregrina,
A distĂąncia sem fim que nos separa!

Seixinhos da mais alva porcelana,
Conchinhas tenuemente cor de rosa,
Na fria transparĂȘncia luminosa
Repousam, fundos, sob a ĂĄgua plana.

E a vista sonda, reconstrui, compara,
Tantos naufrågios, perdiçÔes, destroços!
_ Ó fĂșlgida visĂŁo, linda mentira!

RĂłseas unhinhas que a marĂ© partira…
Dentinhos que o vaivĂ©m desengastara…

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Em Tormentos Cruéis

Em tormentos cruéis, tal sofrimento,
em tĂŁo contĂ­nua dor, que nunca aliva,
chamar a morte sempre, e que ela, altiva,
se ria dos meus rogos, no tormento!

E ver no mal que todo entendimento
naturalmente foge, e quanto aviva
a dor mais o vagar da alma cativa,
a quem nĂŁo farĂĄ crer que Ă© tudo um vento?

Bem sei uns olhos, que tĂȘm toda a culpa,
e sĂŁo os meus, que a toda parte vĂȘm
apĂłs o que vĂȘem sempre e os desculpa.

Ó minhas visĂ”es altas, meu sĂł bem,
quem vos a vĂłs nĂŁo vĂȘ, esse me culpa,
e eu sou o só que as vejo, outrem ninguém!

No TurbilhĂŁo

(A Jaime Batalha Reis)

No meu sonho desfilam as visÔes,
Espectros dos meus prĂłprios pensamentos,
Como um bando levado pelos ventos,
Arrebatado em vastos turbilhĂ”es…

N’uma espiral, de estranhas contorsĂ”es,
E d’onde saem gritos e lamentos,
Vejo-os passar, em grupos nevoentos,
Distingo-lhes, a espaços, as feiçÔes…

— Fantasmas de mim mesmo e da minha alma,
Que me fitais com formidĂĄvel calma,
Levados na onda turva do escarcéu,

Quem sois vĂłs, meus irmĂŁos e meus algozes?
Quem sois, visÔes misérrimas e atrozes?
Ai de mim! ai de mim! e quem sou eu?!…

Metempsicose

Agora, jĂĄ que apodreceu a argila
Do teu corpo divino e sacrossanto;
Que embalsamaram de magoado pranto
A tua carne, na mudez tranqĂŒila,

Agora, que nos CĂ©us, talvez, se asila
Aquela graça e luminoso encanto
De virginal e pĂĄlido amaranto
Entre a Harmonia que nos CĂ©us desfila.

Que da morte o estupor macabro e feio
Congelou as magnĂłlias do teu seio,
Por entre catalĂ©pticas visĂ”es…

Surge, Bela das Belas, na Beleza
Do transcendentalismo da Pureza,
Nas brancas, imortais RessurreiçÔes!

Violinos

Pelas bizarras, gĂłticas janelas
De um tempo medieval o sol ondula:
Nunca os vitrais viram visÔes mais belas
Quando, no ocaso, o sol os doura e oscula…

Doces, multicores aquarelas
Sobre um saudoso cĂ©u que alĂ©m se azula…
Calma, serena, divinal, entre eras,
A pomba ideal dos Ângelus arrula…

Rezam de joelhos anjos de mĂŁos postas
Através dos vitrais, e nas encostas
Dos montes sobe a claridade ondeando…

É a lua de Deus, que as curves meigas
Foi ondular pelos vergéis e veigas
MagnĂłlias e lĂ­rios desfolhando…

Evocação

Oh Lua voluptuosa e tentadora,
Ao mesmo tempo trĂĄgica e funesta,
Lua em fundo revolto de floresta
E de sonho de vaga embaladora.

Langue visĂŁo mortal e sedutora,
Dos Vergéis sederais pålida giesta,
Divindade sutil da morna sesta
Da lasciva paixĂŁo fascinadora.

Flor fria, flor algente, flor gelada
Do desconsolo e dos esquecimentos
E do anseio, da febre atormentada.

Tu que soluças pelos céus nevoentos
Longo soluço mågico de fada,
DĂĄ-me os teus doces acalentamentos!

Supremo Desejo

Eternas, imortais origens vivas
Da Luz, do Aroma, segredantes vozes
Do mar e luares de contemplativas,
Vagas visĂ”es volĂșpicas, velozes…

Aladas alegrias sugestivas
De asa radiante e branca de albornozes,
Tribos gloriosas, fulgidas, altivas,
De condores e de ĂĄguias e albatrozes…

Espiritualizai nos Astros louros,
Do sol entre os clarÔes imorredouros
Toda esta dor que na minh’alma clama…

Quero vĂȘ-la subir, ficar cantando
Na chama das Estrelas, dardejando
Nas luminosas sensaçÔes da chama.