Textos sobre Caminhos

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Textos de caminhos escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Vaidade a Qualquer Preço

Muitas vezes obramos bem por vaidade, e também por vaidade obramos mal: o objecto da vaidade é que uma acção se faça atender, e admirar, seja pelo motivo, ou razão que for. Não só o que é digno de louvor é grande; porque também há cousas grandes pela sua execração; é o que basta para a vaidade as seguir, e aprovar. A maior parte das empresas memoráveis, não tiveram a virtude por origem, o vício sim; e nem por isso deixaram de atrair o espanto, e admiração dos homens.
A fama não se compõe apenas do que é justo, e o raio não só se faz atendível pela luz, mas pelo estrago. A vaidade apetece o estrondoso, sem entrar na discussão da qualidade do estrondo: faz-nos obrar mal, se desse mal pode resultar um nome, um reparo, uma memória. Esta vida é um teatro, todos queremos representar nele o melhor papel, ou ao menos um papel importante, ou em bem, ou em mal. A vaidade tem certas regras, uma delas é, que a singularidade não só se adquire pelo bem, mas também pelo mal, não só pelo caminho da virtude, mas também pelo da culpa; não só pela verdade,

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A Imensa Imoralidade da Existência

Viver era como correr em círculo num grande labirinto, esse género de labirinto para crianças que se vê em certos parques de jogos modernos; em cima de uma pedra no meio do labirinto há uma pedra brilhante; os míudos chegam com as faces coradas, cheios de uma fé inabalável na honestidade do labirinto e começam a correr com a certeza de alcançarem dentro de pouco tempo o seu alvo. Corremos, corremos, e a vida passa, mas continuaremos a correr na convicção de que o mundo acabará por se mostrar generoso para quem correr sem desãnimo, e quando por fim descobrimos que o labirinto só aparentemente tende para o ponto central, é tarde demais – de facto, o construtor do labirinto esmerou-se a desenhar várias pistas diferentes, das quais só uma conduz à pérola, de modo que é o acaso cego e não a justiça lúcida o que determina a sorte dos que correm.
Descobrimos que gastámos todas as nossas forças a realizar um trabalho perfeitamente inútil, mas é muito tarde já para recuarmos. Por isso não é de espantar que os mais lúcidos saiam da pista e suprimam algumas voltas inúteis para atingirem o centro cortando caminho. Se dissermos que se trata de uma acção imoral e maldosa,

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Casamento e Amor

Um casamento pode sobreviver a um homem infiel e pode sobreviver a uma mulher infiel também. Um casamento são duas pessoas que estão juntas – e, felizmente, as razões por que as pessoas estão juntas não se reduzem ao sentimento. Coisa diferente, porém, é o amor propriamente dito. Um homem pode ser infiel à sua mulher e, no entanto, amá-la eterna e incondicionalmente. Uma mulher infiel simplesmente já não ama o seu marido. Pode gostar dele. Pode ter pena dele. Pode estimar a vida que os dois têm juntos: as rotinas, os objectos, os lugares, os cheiros, as pessoas. Mas pode viver sem eles também – e sabe-o. Porque, sendo tão capaz como o homem de ausentar-se do seu corpo, não será capaz nunca de ausentar-se das suas emoções. E porque, se o fizer, já não encontrará o caminho de regresso.

A Reliogisidade como Infância da Maturidade

A religião, quando tentamos determinar o seu lugar na história da evolução humana, não nos surge como uma aquisição duradoura, mas como a vertente da neurose pela qual o homem tem inevitavelmente de passar ao longo do caminho que o conduz da infância à maturidade.
(…) No que diz respeito à protecção prometida pela religião aos seus adeptos, penso que nenhum de vós consentiria em subir para um automóvel cujo condutor declarasse não querer incomodar-se com as determinações que regulamentam a circulação para obedecer apenas aos ímpetos exaltantes da sua própria fantasia.

A Razão da Minha Esperança

Meu bom amigo,

Sei que tens sofrido bastante.

Não posso esquecer que um dia me ensinaste: que leal é quem não abandona; que devemos procurar ser pessoas dignas de confiança, mais do que tentar encontrar alguém assim; e, que a vontade de amar já é, em si mesma, amor.

Permite-me que partilhe contigo, hoje, algumas ideias a respeito dos momentos difíceis…

São muitas as provas que na vida servem para testar quem somos, a força que temos em nós e o nosso valor. Algumas vezes uma pedra gigante vem cair mesmo diante de nós… outras vezes são séries infindáveis de pequenos obstáculos no caminho… longas etapas que nos obrigam a seguir adiante sem descansar, em percursos onde quase nunca se vê o horizonte.
A agitação permanente em que vivemos leva muitos a desistir de encontrar referências mais adiante, mas é preciso que nos afastemos do tempo para assim encontrarmos a posição mais segura, elevando-nos acima dos momentos passageiros para os compreender melhor. No meio da confusão é preciso ver para além do que se pode olhar… estabelecer os alicerces sobre o que é sólido, ainda que seja preciso escavar muito mais fundo do que o normal…

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O Amor não Acontece. Decide-se.

Há quem julgue que o amor é alheio à vontade humana, algo superior que elege, embala e conduz… e que quase nada se pode fazer perante tamanha força. Isso é uma mera paixão no seu sentido menos nobre. E, nesse caso, sim, o amor acontece… Ao contrário, amar é estar acima das paixões e dos apetites. Mesmo quando o amor nasce de uma espontaneidade, resulta de um claro discernimento.

O amor decorre de uma decisão. De um compromisso. Constrói-se de forma consciente. Através do heroísmo de alguém livre que decide ser o que poucos ousam. Escolhe para fim de si mesmo ser o meio para a felicidade daquele a quem ama. Sim, decide-se amar e, sim, decide-se a quem amar.

O amor autêntico é raro e extraordinário, embora o seu nome sirva para quase tudo… a maior parte das vezes designa egoísmos entrelaçados, cada vez mais comuns. São poucos os que se aventuram, os que arriscam tudo, os que se dispõem a amar mesmo quando sabem que poucos sequer perceberão o que fazem, o seu porquê e o para quê.
O amor não supõe reciprocidade. Amar é dar-se por completo e aceitar tudo… não se contabilizam ganhos e perdas,

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Imitadores

Os homens não descendem dos macacos, mas desenvolvem todos os esforços para o fazer crer. O pecado original aproximou-nos dos animais e toda a alma é, de uma maneira ou de outra, uma crestomia zoológica. O que Dante diz das ovelhas – «e o que uma faz primeiro as outras imitam» – poder-se-ia aplicar a quase todos nós.
Desde que Adão resolveu imitar Eva e mordeu o fruto, somos, a despeito da nossa ilusão em contrário, uma sucessão infinita de cópias. Um único cunho – em regra, chamado génio – basta para imprimir milhares e milhares daquelas moedas vulgares que circulam pela Terra. E o génio nem sempre se liberta da servidão universal da imitação. Toda a vida é um mosaico de plágios.
A maioria imita por preguiça, para se poupar o trabalho de procurar e inventar, ou por prudência, que aconselha os caminhos percorridos e as experiências coroadas de êxito. Compreende-se que a humildade, embora rara, leve naturalmente quem a possui a imitar aqueles que reconhece superiores, mas a própria soberba, que deveria afastar da repetição, torna-nos macacos. Se viver é distinguir-se, o orgulhoso deveria providenciar para não se parecer com ninguém. Mas a inveja, sob a sonante designação da emulação,

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O Caminho da Verdade

Afirmo que a verdade é uma terra sem caminhos definidos, e que não a podemos abordar por qualquer caminho que seja, por nenhuma religião, por nenhum credo. Este é o meu ponto de vista, e adiro a este de forma absoluta e incondicional. A verdade, sendo ilimitada, incondicionada, inacessível por qualquer caminho que seja, não pode ser organizada; nem deve nenhuma organização ser formada para liderar ou coagir as pessoas para seguir um caminho em particular. Se entender isto, então compreenderá quanto impossível é organizar uma crença. Uma crença é uma questão puramente individual, e não é possível organizá-la. Se fizer isso, esta crença torna-se morta, cristaliza-se, tonar-se um credo, uma seita, uma religião, a ser imposta a outros.

Diferentes Caminhos para uma Felicidade Sempre Insuficiente

O objectivo para o qual o princípio do prazer nos impele — o de nos tornarmos felizes — não é atingível; contudo, não podemos — ou melhor, não temos o direito — de desistir do esforço da sua realização de uma maneira ou de outra. Caminhos muito diferentes podem ser seguidos para isso; alguns dedicam-se ao aspecto positivo do objectivo, o atingir do prazer; outros o negativo, o evitar da dor. Por nenhum destes caminhos conseguimos atingir tudo o que desejamos. Naquele sentido modificado em que vimos que era atingível, a felicidade é um problema de gestão da libido em cada indivíduo. Não há uma receita soberana nesta matéria que sirva para todos; cada um deve descobrir por si qual o método através do qual poderá alcançar a felicidade. Toda a espécie de factores irá influenciar a sua escolha. Depende da quantidade de satisfação real que ele irá encontrar no mundo externo, e até onde acha necessário tornar-se independente dele. Por fim, na confiança que tem em si próprio do seu poder de modificar conforme os seus desejos. Mesmo nesta fase, a constituição mental do indivíduo tem um papel decisivo, para além de quaisquer considerações externas. O homem que é predominantemente erótico irá escolher em primeiro lugar relações emocionais com os outros;

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Em que Medida o Homem Activo é Preguiçoso

Creio que cada um deve ter uma opinião própria sobre todas as coisas, acerca das quais são possíveis opiniões, porque ele mesmo é uma coisa singular, única, que ocupa uma posição nova, nunca vista, em relação a todas as outras coisas. Mas a preguiça, que jaz no fundo da alma do homem activo, impede-o de tirar água do seu próprio poço. Com a liberdade das opiniões passa-se o mesmo que com a saúde: ambas são individuais, nem de uma nem de outra se pode formular um conceito universalmente válido. Aquilo de que um indivíduo necessita para a sua saúde já é motivo de doença para outro, e muitos caminhos e meios para se chegar à liberdade de espírito podem ser considerados por naturezas superiormente desenvolvidas como caminhos e meios que afastam da liberdade.

Literatura Real e Literatura Aparente

Em todas as épocas, existem duas literaturas que caminham lado a lado e com muitas diferenças entre si: uma real e outra apenas aparente. A primeira cresce até se tornar uma leitura permanente. Exercida por pessoas que vivem para a ciência ou para a poesia, ela segue o seu caminho com seriedade e tranquilidade, produzindo na Europa pouco menos de uma dúzia de obras por século, que, no entanto, permanecem. A outra, exercida por pessoas que vivem da ciência ou da poesia, anda a galope, com rumor e alarido por parte dos interessados, trazendo anualmente milhares de obras ao mercado. Após poucos anos, porém, as pessoas perguntam: Onde estão essas obras? Onde está a sua glória tão prematura e ruidosa? Por isso, pode-se também chamar esta última de literatura que passa, e aquela, de literatura que fica.

O Sexo Como Factor de Génio

O facto de o sexo desempenhar um maior ou menor papel na vida de alguém parece relativamente irrelevante. Algumas das maiores realizações de que temos notícia foram empreendidas por indivíduos cuja vida sexual foi reduzida ou nula. Em contrapartida, sabemos pela biografia de certos artistas – figuras de primeira grandeza – que as suas obras imponentes nunca teriam sido realizadas se eles não tivessem vivido mergulhados em sexo. No caso de alguns poucos, os períodos de criatividade excepcional coincidiram com períodos de extrema licença sexual. Nem a abstinência nem a licença explicam seja o que for.
No campo do sexo como noutros campos, costumamos referir-nos a uma norma – mas a norma indica apenas o que é estatisticamente verdade para a grande massa dos homens e das mulheres. Aquilo que pode ser normal, razoável, salutar, para a grande maioria, não nos fornece um critério de comportamento no caso do indivíduo excepcional. O homem de génio, quer pela sua obra, quer pelo seu exemplo pessoal, parece estar sempre a proclamar a verdade segundo a qual cada um é a sua própria lei, e o caminho para a realização passa pelo reconhecimento e pela compreensão do facto de que todos somos únicos.

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Reivindico o Meu Direito Próprio de Pensar

Queixas-te de teres aí falta de livros. Não interessa a quantidade, mas sim a qualidade: a leitura é proveitosa se for metódica, se apenas for variada torna-se um mero divertimento. Quem deseja chegar à meta que se propôs deve seguir um só caminho, e não vaguear por vários: de outro modo não viaja, deixa-se ir ao acaso.
(…) Confio, e muito, no pensamento dos grandes homens, mas reivindico o meu direito próprio de pensar. De resto eles não nos legaram verdades acabadas, mas sim sujeitas à investigação; e porventura teriam descoberto o essencial se não tivessem investigado também temas supérfluos. Mas gastaram tempo imenso em jogos de palavras, em discussões capciosas que aguçam inutilmente o engenho. Construimos argumentos tortuosos, empregamos termos de significação ambígua, finalmente desatamos toda a trama. Temos assim tanto tempo livre? Já sabemos como encarar a vida e a morte? O que devemos procurar, com todas as forças, é o modo de nos não deixarmos enganar pelas coisas, e não pelas palavras.
Para quê analisar as diferenças entre palavras sinónimas, que não causam dificuldade a ninguém a não ser em discussões de escola? As coisas enganam-nos: aprendamos a observá-las. Tomamos por bens coisas que o não são,

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Os Convencidos da Vida

Todos os dias os encontro. Evito-os. Às vezes sou obrigado a escutá-los, a dialogar com eles. Já não me confrangem. Contam-me vitórias. Querem vencer, querem, convencidos, convencer. Vençam lá, à vontade. Sobretudo, vençam sem me chatear.
Mas também os aturo por escrito. No livro, no jornal. Romancistas, poetas, ensaístas, críticos (de cinema, meu Deus, de cinema!). Será que voltaram os polígrafos? Voltaram, pois, e em força.
Convencidos da vida há-os, afinal, por toda a parte, em todos (e por todos) os meios. Eles estão convictos da sua excelência, da excelência das suas obras e manobras (as obras justificam as manobras), de que podem ser, se ainda não são, os melhores, os mais em vista.
Praticam, uns com os outros, nada de genuinamente indecente: apenas um espelhismo lisonjeador. Além de espectadores, o convencido precisa de irmãos-em-convencimento. Isolado, através de quem poderia continuar a convencer-se, a propagar-se?
(…) No corre-que-corre, o convencido da vida não é um vaidoso à toa. Ele é o vaidoso que quer extrair da sua vaidade, que nunca é gratuita, todo o rendimento possível. Nos negócios, na política, no jornalismo, nas letras, nas artes. É tão capaz de aceitar uma condecoração como de rejeitá-la.

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O Que Verdadeiramente Mata Portugal

O que verdadeiramente nos mata, o que torna esta conjuntura inquietadora, cheia de angústia, estrelada de luzes negras, quase lutuosa, é a desconfiança. O povo, simples e bom, não confia nos homens que hoje tão espectaculosamente estão meneando a púrpura de ministros; os ministros não confiam no parlamento, apesar de o trazerem amaciado, acalentado com todas as doces cantigas de empregos, rendosas conezias, pingues sinecuras; os eleitores não confiam nos seus mandatários, porque lhes bradam em vão: «Sede honrados», e vêem-nos apesar disso adormecidos no seio ministerial; os homens da oposição não confiam uns nos outros e vão para o ataque, deitando uns aos outros, combatentes amigos, um turvo olhar de ameaça. Esta desconfiança perpétua leva à confusão e à indiferença. O estado de expectativa e de demora cansa os espíritos. Não se pressentem soluções nem resultados definitivos: grandes torneios de palavras, discussões aparatosas e sonoras; o país, vendo os mesmos homens pisarem o solo político, os mesmos ameaços de fisco, a mesma gradativa decadência. A política, sem actos, sem factos, sem resultados, é estéril e adormecedora.

Quando numa crise se protraem as discussões, as análises reflectidas, as lentas cogitações, o povo não tem garantias de melhoramento nem o país esperanças de salvação.

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A Democracia Política Conduz à Ineficiência e Fraqueza de Direcção

Os defeitos da democracia política como sistema de governo são tão óbvios, e têm sido tantas vezes catalogados, que não preciso mais do que resumi-los aqui. A democracia política foi criticada porque conduz à ineficiência e fraqueza de direcção, porque permite aos homens menos desejáveis obter o poder, porque fomenta a corrupção. A ineficiência e fraqueza da democracia política tornam-se mais aparentes nos momentos de crise, quando é preciso tomar e cumprir decisões rapidamente. Averiguar e registar os desejos de muitos milhões de eleitores em poucas horas é uma impossibilidade física. Segue-se, portanto, que, numa crise, uma de duas coisas tem de acontecer: ou os governantes decidem apresentar o facto consumado da sua decisão aos eleitores – em cujo caso todo o princípio da democracia política terá sido tratado com o desprezo que em circunstâncias críticas ela merece; ou então o povo é consultado e perde-se tempo, frequentemente, com consequências fatais. Durante a guerra todos os beligerantes adoptaram o primeiro caminho. A democracia política foi em toda a parte temporariamente abolida. Um sistema de governo que necessita de ser abolido todas as vezes que surge um perigo, dificilmente se pode descrever como um sistema perfeito.

O Teatro e a Sátira Política

O teatro político coloca toda uma série de problemas. Há que evitar os sermões a todo o custo. A objectividade é essencial, deve-se deixar as personagens respirar o seu próprio ar. O autor não pode confiná-las nem obrigá-las a satisfazer o seu próprio gosto, inclinações ou preconceitos. Tem de estar preparado para as abordar sob uma grande variedade de ângulos, um leque de perspectivas diversas, apanhá-las de surpresa, talvez, de vez em quando, mas deixando-lhes a liberdade de seguirem o seu próprio caminho. Isto nem sempre funciona. E a sátira política, é evidente, não obedece a nenhum destes preceitos; faz exactamente o inverso, e é essa a sua função principal.

Pensamentos não Acabados

Tal como não só a idade viril, mas também a juventude e a infância têm um valor em si e não devem de modo algum ser consideradas somentes como passagens e pontes, assim também os pensamentos não acabados têm o seu valor. Não se deve por isso, atormentar um poeta com uma subtil interpretação e divertir-se com a incerteza do seu horizonte, como se o caminho para vários pensamentos ainda estivesse aberto. Está-se no limiar; espera-se como no desenterramento de um tesouro: é como se devesse estar iminente um feliz achado de pensamento profundo. O poeta antecipa qualquer coisa do prazer que o pensador tem, ao encontrar uma ideia fundamental, e, com isso, torna-nos cobiçosos, de modo que nós tentamos apanhá-la; esta, porém, passa, esvoaçando, sobre a nossa cabeça e mostra as mais belas asas de borboleta… e, contudo, escapa-nos.

Poupar a Vontade

Em comparação com o comum dos homens, poucas coisas me atingem, ou, dizendo melhor, me prendem; pois é razoável que elas atinjam, contanto que não nos possuam. Tenho grande zelo em aumentar pelo estudo e pela reflexão esse privilégio de insensibilidade, que em mim é naturalmente muito saliente. Desposo – e consequentemente me apaixono por – poucas coisas. A minha visão é clara, mas detenho-a em poucos objectos; a sensibilidade, delicada e maleável. Mas a apreensão e aplicação, tenho-a dura e surda: dificilmente me envolvo. Tanto quanto posso, emprego-me todo em mim; porém mesmo nesse objecto eu refrearia e suspenderia de bom grado a minha afeição para que ela não se entregasse por inteiro, pois é um objecto que possuo por mercê de outrém e sobre o qual a fortuna tem mais direito do que eu. De maneira que até a saúde, que tanto estimo, ser-me-ia preciso não a desejar e não me dedicar a ela tão desenfreadamente a ponto de achar insuportáveis as doenças. Devemos moderar-nos entre o ódio e o amor à voluptuosidade; e Platão receita um caminho mediano de vida entre ambos.
Mas às paixões que me distraem de mim e me prendem alhures, a essas certamente me oponho com todas as minhas forças.

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