A Evolução da Criatividade
A experiência humana é apenas ponto de partida, núcleo sólido e permanente onde assenta a experiência posterior da criação. Considero a criação o encaminhamento, até às consequências extremas, de uma experiência em si mesma não organizada. A descoberta do mundo não possui, por ela própria, finalidade ou coerência, nem constitui a salvação desse mundo. Desde que seja possível criar um corpo orgânico em que a experiência, devidamente articulada, se baste, surge uma harmonia entre o sujeito e a sua experiência, quero dizer, o sujeito participa do cosmos. Este esforço da superação do caos exprime-se pela busca de uma linguagem. È aliás na linguagem que a experiência se vai tornando real. Se nela não há, em sentido rigoroso, experiência do mundo. A esta conclusão vem chegando uma moderna filosofia da arte. A formação da linguagem é um paciente, extenso, doloroso e, muitas vezes, desesperante caminho. O erro aparece como uma constante, mas existe a possibilidade de ser sempre menor. Entre um grau máximo e um grau mínimo de erro, situa-se a evolução. Progresso de linguagem, de adequação às finalidades, superação da experiência, purificação do tema – eis onde se pode situar o sentido da evolução.
Textos sobre Consequência
108 resultadosUma Palavra Imprópria
Numa peça teatral ou romance, uma palavra imprópria é apenas uma palavra: e a impropriedade, seja ou não percebida, não acarreta consequência alguma. Num código legal — especialmente composto de leis tidas como constitucionais e fundamentais — uma palavra imprópria pode ser uma calamidade nacional: e a guerra civil, a consequência disso. De uma palavra tola podem irromper mil punhais.
(…) E se o significado de todas as palavras, especialmente de todas as palavras pertencentes ao campo da ética, [… ] algum dia vier a ser fixado?
O Provincianismo Português (I)
Se, por um daqueles artifícios cómodos, pelos quais simplificamos a realidade com o fito de a compreender, quisermos resumir num síndroma o mal superior português, diremos que esse mal consiste no provincianismo. O facto é triste, mas não nos é peculiar. De igual doença enfermam muitos outros países, que se consideram civilizantes com orgulho e erro.
O provincianismo consiste em pertencer a uma civilização sem tomar parte no desenvolvimento superior dela — em segui-la pois mimeticamente, com uma subordinação inconsciente e feliz. O síndroma provinciano compreende, pelo menos, três sintomas flagrantes: o entusiasmo e admiração pelos grandes meios e pelas grandes cidades; o entusiasmo e admiração pelo progresso e pela modernidade; e, na esfera mental superior, a incapacidade de ironia.
Se há característico que imediatamente distinga o provinciano, é a admiração pelos grandes meios. Um parisiense não admira Paris; gosta de Paris. Como há-de admirar aquilo que é parte dele? Ninguém se admira a si mesmo, salvo um paranóico com o delírio das grandezas. Recordo-me de que uma vez, nos tempos do “Orpheu”, disse a Mário de Sá-Carneiro: “V. é europeu e civilizado, salvo em uma coisa, e nessa V. é vítima da educação portuguesa. V. admira Paris,
A Imortalidade
Ser imortal é coisa sem importância. Excepto o homem, todas as criaturas o são, porque ignoram a morte. O divino, o terrível, o incompreensível, é considerar-se imortal. Já notei que, embora desagrade às religiões, essa convicção é raríssima. Israelitas, cristãos e muçulmanos professam a imortalidade, mas a veneração que dedicam ao primeiro século prova que apenas crêem nele, e destinam todos os outros, em número infinito, para o premiar ou para o castigar.
Mais razoável me parece o círculo descrito por certas religiões do Indostão. Nesse círculo, que não tem princípio nem fim, cada vida é uma consequência da anterior e engendra a seguinte, mas nenhuma determina o conjunto… Doutrinada por um exercício de séculos, a república dos homens imortais tinha conseguido a perfeição da tolerância e quase do desdém. Sabia que num prazo infinito ocorrem a qualquer homem todas as coisas. Pelas suas passadas ou futuras virtudes, qualquer homem é credor de toda a bondade, mas também de toda a traição pelas suas infâmias do passado ou do futuro. Assim como nos jogos de azar as cifras pares e ímpares permitem o equilíbrio, assim também se anulam e se corrigem o engenho e a estupidez.
(…) Ninguém é alguém,
A Justa Medida, sem Grandezas nem Excessos
Uma grande alma distingue-se por desprezar a grandeza, e por preferir a justa medida aos excessos, já que a primeira se limita ao que é útil e indispensável à vida, enquanto os últimos se tornam nocivos pelo próprio facto de serem supérfluos. É assim que a fertilidade excessiva prejudica as searas, os colmos partem-se com o peso e a demasiada abundância de grão não chega a amadurecer. O mesmo ocorre com as almas corroídas por um bem estar desmesurado, do qual usam em prejuízo não só dos outros como de si próprias. Nenhum inimigo inflingiu a alguém golpes tão duros como aqueles que certas pessoas sofrem ocasionados pelos próprios prazeres. Só uma coisa pode desculpar a imoderação, a louca voluptuosidade de tal gente: é que sofrem a consequência dos seus actos.
Não é sem razão, aliás, que uma tal loucura se apodera delas: o desejo de ultrapassar os limites naturais descamba necessariamente na desmesura. A necessidade natural tem o seu termo próprio, enquanto as necessidades artificiais derivadas do prazer nunca conhecem limitações. A utilidade serve de medida ao que é indispensável; mas por que padrão aferir o que é supérfluo? Por conseguinte, muitos afundam-se em prazeres sem os quais,
O Perfeito Controle da Alegria e da Dor
Alegria desmedida e dor muito violenta acometem sempre e apenas a mesma pessoa: pois ambas se condicionam reciprocamente e são também condicionadas juntas por uma grande vivacidade do espírito. Ambas são causadas, não pelo simples presente, mas pela antecipação do futuro. No entanto, visto que a dor é essencial à vida e, pelo seu grau, é também determinada pela natureza do sujeito – o que implica que, na realidade, modificações repentinas, sendo sempre externas, não podem mudar o seu grau -, na base do júbilo ou da dor excessivos há sempre um erro e uma falsa crença: por conseguinte, essas duas exaltações do espírito poderiam ser evitadas com o uso do juízo.
Todo o júbilo desmedido repousa sempre na ilusão de ter encontrado na vida algo que não se pode encontrar realmente, isto é, uma satisfação durável dos desejos ou preocupações tormentosos e sempre renascentes. Mais tarde, é inevitável que nos separemos de cada ilusão dessa espécie, pagando-a então, quando desaparece, com igual dor amarga, independentemente da alegria que o seu surgimento nos tenha proporcionado.
Nesse sentido, ela assemelha-se por completo a uma altura da qual o único momento de descer novamente é a queda, de maneira que deveria ser evitada: e toda a dor repentina ou excessiva é justamente apenas a queda de tal altura,
A Consciência
A consciência é a última fase da evolução do sistema orgânico, por consequência também aquilo que há de menos acabado e de menos forte neste sistema. É do consciente que provém uma multidão de enganos que fazem com que um animal, um homem, pereçam mais cedo do que seria necessário, «a despeito do destino», como dizia Homero.
Se o laço dos instintos, este laço conservador, não fosse de tal modo mais poderoso do que a consciência, se não desempenhasse, no conjunto, um papel de regulador, a humanidade sucumbiria fatalmente sob o peso dos seus juízos absurdos, das suas divagações, da sua frivolidade, da sua credulidade, numa palavra do seu consciente: ou antes, há muito tempo que teria deixado de existir sem ele!
Enquanto uma função não está madura enquanto não atingiu o seu desenvolvimento perfeito, é perigosa para o organismo: é uma grande sorte que ela seja bem tiranizada! A consciência é-o severamente, e não é ao orgulho que o deve menos. Pensa-se que este orgulho forma o núcleo do ser humano; que é o seu elemento duradoiro, eterno, supremo, primordial! Considera-se que o consciente é uma constante! Nega-se o seu crescimento, as suas intermitências! É considerado como «a unidade do organismo»!
O Ciclo da Vida
O homem domina a natureza e é por ela dominado. Só ele lhe resiste e ao mesmo tempo ultrapassa as suas leis, amplia o seu poderio graças à sua vontade e actividade. Afirmar no entanto que o mundo foi criado para o homem é algo que está longe de ser evidente. Tudo o que o homem constrói é, como ele, efémero: o tempo derruba os edifícios, atulha os canais, apaga o saber – e até o nome das nações. (…) Dir-me-ão que as novas gerações recebem a herança das gerações que as precederam e que, por consequência, a perfeição ou o aperfeiçoamento não têm limites. Mas o homem está longe de receber intacta a súmula dos conhecimentos acumulados pelos séculos que o precederam e se aperfeiçoa algumas dessas invenções no que diz respeito a outras fica bastante atrás dos seus próprios inventores; um grande número dessas invenções chega mesmo a perder-se.
Não preciso sequer de sublinhar como certos pretensos melhoramentos foram nocivos à moral e ao bem-estar. Determinada invenção, suprimindo ou diminuindo o trabalho e o esforço, enfraqueceu a dose de paciência necessária para suportar as contrariedades – ou a energia que temos de dar provas para as vencer.