Textos sobre Disparates

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Textos de disparates escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Deixemos a Humanidade à Sua Ordem Natural

Não aleijemos a pobre humanidade mais do que ela já está com tantas sacudidelas da direita para a esquerda e da esquerda para a direita, de cima para baixo e de baixo para cima. Do individualismo para o colectivismo e do colectivismo para o individualismo. Não sejamos tão crianças que queiramos levantar ao ar a esfera pretendendo agarrá-la apenas pelo hemisfério da direita ou apenas pelo da esquerda, ou apenas pelo hemisfério superior, porque a única maneira de agarrá-la bem tão-pouco é pôr-lhe as mãos por baixo, nem ainda abraçando-a com os dois braços e os dedos metidos uns nos outros para não deixar escapar as mãos e com o próprio peito do lado de cá a ajudar também; a única maneira de equilibrar a esfera no ar é deixá-la estar no ar como a pôs Deus Nosso Senhor, ás voltas à roda do sol, como a lua à roda de nós e assegurada contra todos os riscos dos disparates da humanidade.

A Impossibilidade de Renunciar

Eu decido correr a uma provável desilusão: e uma manhã recebo na alma mais uma vergastada – prova real dessa desilusão. Era o momento de recuar. Mas eu não recuo. Sei já, positivamente sei, que só há ruínas no termo do beco, e continuo a correr para ele até que os braços se me partem de encontro ao muro espesso do beco sem saída. E você não imagina, meu querido Fernando, aonde me tem conduzido esta maneira de ser!… Há na minha vida um bem lamnetável episódio que só se explica assim. Aqueles que o conhecem, no momento em que o vivi, chamaram-lhe loucura e disparate inexplicável. Mas não era, não era. É que eu, se começo a beber um copo de fel, hei-de forçosamente bebê-lo até ao fim. Porque – coisa estranha! – sofro menos esgotando-o até à última gota, do que lançando-o apenas encetado. Eu sou daqueles que vão até ao fim. Esta impossibilidade de renúncia, eu acho-a bela artisticamente, hei-de mesmo tratá-la num dos meus contos, mas na vida é uma triste coisa. Os actos da minha existência íntima, um deles quase trágico, são resultantes directos desse triste fardo. E, coisas que parecem inexplicáveis, explicam-se assim. Mas ninguém as compreende.

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A Revolução da Bondade

Acho que a grande revolução, e o livro «Ensaio sobre a Cegueira» fala disso, seria a revolução da bondade. Se nós, de um dia para o outro, nos descobríssemos bons, os problemas do mundo estariam resolvidos. Claro que isso nem é uma utopia, é um disparate. Mas a consciência de que isso não acontecerá, não nos deve impedir, cada um consigo mesmo, de fazer tudo o que pode para reger-se por princípios éticos. Pelo menos a sua passagem pelo este mundo não terá sido inútil e, mesmo que não seja extremamente útil, não terá sido perniciosa. Quando nós olhamos para o estado em que o mundo se encontra, damo-nos conta de que há milhares e milhares de seres humanos que fizeram da sua vida uma sistemática acção perniciosa contra o resto da humanidade. Nem é preciso dar-lhes nomes.

. Paulo, Outubro 1995″

Porquê Confiar em Si Mesmo?

A confiança só será possível se primeiro tiver confiança em si próprio. E isto deve começar por acontecer dentro de si. Se tiver confiança em si próprio, poderá ter confiança em mim, poderá ter confiança nas pessoas, poderá ter confiança na existência. Mas, se não tiver confiança em si próprio, então nunca mais será possível ter confiança em mais ninguém. E a sociedade corta a confiança pela raiz. Não permite que você confie em si próprio. Ensina-lhe todo o tipo de confiança – confiança nos pais, confiança na Igreja, confiança no Estado, confiança em Deus, ad infinitum. Mas a confiança básica é completamente destruída. E depois qualquer outra confiança será uma impostura, estará destinada a ser uma impostura. E então qualquer outra confiança não passará de meras flores de plástico. Não há em si raízes verdadeiras que lhe permitam fazer nascer flores verdadeiras.

A sociedade faz isso deliberadamente, de propósito, porque um homem que confie em si próprio é perigoso para a sociedade – uma sociedade que depende da escravidão, uma sociedade que investiu demasiadamente na escravidão. Um homem que confie em si próprio é um homem independente. É impossível fazer previsões a seu respeito, ele movimentar-se-á conforme quiser.

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A sagacidade te guardará e a prudência te protegerá para te livrar do mau caminho do homem

A sagacidade te guardará e a prudência te protegerá para te livrar do mau caminho do homem que diz disparates.

Técnicas de Narrador

Os que me conheceram aos quatro anos dizem que era pálido e ensimesmado e que só falava para contar disparates, mas os meus relatos eram em grande parte episódios simples da vida diária, que eu tornava mais atraentes com pormenores fantásticos para que os adultos me prestassem atenção. A minha melhor fonte de inspiração eram as conversas que os mais velhos mantinham diante de mim, porque pensavam que não as entendia, ou as que cifravam de propósito para que não as entendesse. E, de facto, acontecia o contrário: absorvia-as como uma esponja, desmontava-as em peças, alterava-as para escamotear a origem, e quando as contava aos mesmos que as tinham contado ficavam perplexos pelas coincidências entre o que eu dizia e o que eles pensavam.

Às vezes não sabia o que fazer com a minha consciência e procurava dissimular com um rápido pestanejar. Tanto era assim que algum racionalista da família decidiu que eu fosse observado por um médico da vista, que atribuiu o meu pestanejar a uma infecção das amígdalas e me receitou um xarope de rábano iodado que me fez muito bem para aliviar os adultos. A avó, por seu lado, chegou à conclusão providencial de que o neto era adivinho.

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Os Falsos Cultos

A maior parte das pessoas, ao entregarem-se às chamadas ocupações intelectuais, considerando como tais o ler e o escrever (não o escrever cartas, mas o escrever como autor), não fazem de modo algum o que julgam fazer: porque nem embelezam a sua cultura – «ampliar» a sua cultura, como se costuma dizer, é um disparate horroroso – nem aguçam o seu entendimento, nem enriquecem a sua experiência, e não produzem mais nem nada mais importante que aqueles rapazes que remexem a terra à beira de um charco, deitam pedras para a água turva, etc., em suma, um nada em grande azáfama.
Nenhum bocado da superfície de uma figura pode ser criado senão a partir do seu âmago.

O Homem Irracional

Cubram-no de todos os bens terrenos, mergulhem-no na felicidade com a cabeça imersa de modo a só umas bolhas rebentarem à superfície; dêem-lhe uma prosperidade económica tal que não tenha mais nada que fazer senão dormir, comer doces e tratar da continuidade ininterrupta da história universal – então ele, o homem, mesmo assim, só por ingratidão, por maldade, far-vos-á uma pulhice qualquer. Arriscará até os doces e desejará propositadamente o mais prejudicial dos absurdos, o mais antieconómico disparate, unicamente para misturar com toda essa sensatez positiva o seu nocivo elemento fantástico. Desejará conservar precisamente os seus sonhos fantásticos, a sua estupidez mais ordinária, unicamente para confirmar a si mesmo (como se fosse assim tão indispensável) que as pessoas continuam a ser pessoas e não teclas de piano em que sejam as próprias leis da natureza a tocar, mas prometendo tocar a tal ponto que se tornará já impossível desejar qualquer coisa para além do calendário.
Mais ainda: mesmo que o homem se tornasse realmente uma tecla de piano, mesmo que tal facto lhe fosse provado por meio das ciências naturais e da matemática, não ganharia juízo, mas faria, de propósito, qualquer coisa contra, apenas por ingratidão; só para continuar na sua!

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A Mediocridade que Vulgariza o Talento

Não se tem ideia como abunda a mediocridade. (…) São pessoas como essas que travam sempre, em todos os lados, a máquina accionada pelos homens de talento. Os homens superiores são por natureza inovadores. Quando surgem deparam com o disparate e a mediocridade por todos os lados (ela que tudo domina e que se manifesta em tudo o que se faz). O seu impulso natural é assentar tudo de novo em terreno sólido e experimentar caminhos novos, para fugir a essa vulgaridade e parvoíce. Se por acaso eles triunfam e acabam por levar a melhor sobre a rotina, têm de ser ver a contas, por seu turno, com os incapazes – que fazem ponto de honra da cópia grosseira dos seus processos e estragam tudo o que lhes vem às mãos.
Depois deste primeiro movimento, que leva os inovadores a sairem das sendas já traçadas, segue-se quase sempre outro que os faz, no fim da sua carreira, conter o indiscreto entusiasmo que vai sempre demasiado longe e que, pelo exagero, arruina o que inventaram. Ao se darem conta do triste uso que é feito das inovações que eles lançaram no mundo, começam a elogiar aquilo que, afinal, graças a eles,

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Reagir à Saudade e à Tristeza

A maneira de reagir à saudade e à tristeza é ter um coração bom e uma cabeça viva. A saudade e a tristeza não são doenças, ou lapsos, ou intervalos, como se diz nos países do Norte. São verdades, condições, coisas do dia a dia, parecidas com apertar os atacadores dos sapatos. É banalizando-as que as acompanhamos. Um sofrimento não anula outro. Mas acompanha-o. Para isto é preciso inteligência e bondade.
Aquilo que resta são as pequenas alegrias. No contexto de tamanha tristeza e tanta verdade tornam-se grandes, por serem as únicas que há. Não falo nas alegrias que passam, como passam quase todas as paixões.
Falo das alegrias que se tornam rotinas, com que se conta: comprar revistas, jantar ao balcão, dormir junto do mar, dizer disparates, beber de mais, rir. Coisas assim. São essas coisas — entre as quais o amor — que não se podem deitar fora sem, pelo menos, morrer primeiro.

Uma Mulher sem Areia Nenhuma

Tenho o santo horror da frieza calculada, da boa educação, do prudente juízo duma mulher. Aos homens pertence tudo isso, e a mulher deve ser muito feminina, muito espontânea, muito cheia de pequeninos nadas que encantem e que embalem. Meu amigo, se esperas ter uma mulher sem areia nenhuma, morres de aborrecimento e de frio ao pé dela e não será com certeza ao pé de mim… Comigo hás-de ter sempre que pensar e que fazer. Hás-de rir das minhas tolices, hás-de ralhar quando elas passarem a disparates (hão-de ser pequeninos…) e hás-de gostar mais de mim assim, do que se eu fosse a própria deusa Minerva com todo o juízo que todos os deuses lhe deram.

Os Homens não Sabem o que é o Amor

De forma geral, os homens não sabem o que é amor, é um sentimento que lhes é totalmente estranho. Conhecem o desejo, o desejo sexual em estado bruto e a competição entre machos; e depois, muito mais tarde, já casados, chegam, chegavam antigamente, a sentir um certo reconhecimento pela companheira quando ela lhes tinha dado filhos, tinha mantido bem a casa e era boa cozinheira e boa amante – então chegavam a ter prazer por dormirem na mesma cama. Não era talvez o que as mulheres desejavam, talvez houvesse aí um mal-entendido, mas era um sentimento que podia ser muito forte – e mesmo quando eles sentiam uma excitação, aliás cada vez mais fraca, por esta ou aquela mulher, já não conseguiam literalmente viver sem a mulher e, se acontecia ela morrer, eles desatavam a beber e acabavam rapidamente, em geral uns meses bastavam. Os filhos, esses, representavam a transmissão de uma condição, de regras e de um património. Era evidentemente o que acontecia nas classes feudais, mas igualmente com os comerciantes, camponeses, artesãos, de forma geral com todos os grupos da sociedade. Hoje, nada disso existe.
As pessoas são assalariadas, locatárias, não têm nada para deixar aos filhos.

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