As Infelizes Necessidades do Homem Civilizado
Um autor célebre, calculando os bens e os males da vida humana, e comparando as duas somas, achou que a última ultrapassa muito a primeira, e que tomando o conjunto, a vida era para o homem um péssimo presente. Não fiquei surpreendido com a conclusão; ele tirou todos os seus raciocínios da constituição do homem civilizado. Se subisse até ao homem natural, pode-se julgar que encontraria resultados muito diferentes; porque perceberia que o homem só tem os males que se criou para si mesmo, o que à natureza se faria justiça. Não foi fácil chegarmos a ser tão desgraçados. Quando, de um lado, consideramos o imenso trabalho dos homens, tantas ciências profundas, tantas artes inventadas, tantas forças empregadas, abismos entulhados, montanhas arrasadas, rochedos quebrados, rios tornados navegáveis, terras arroteadas, lagos cavados, pantanais dissecados, construções enormes elevadas sobre a terra, o mar coberto de navios e marinheiros, e quando, olhando do outro lado, procuramos, meditando um pouco as verdadeiras vantagens que resultaram de tudo isso para a felicidade da espécie humana, só nos podemos impressionar com a espantosa desproporção que reina entre essas coisas, e deplorar a cegueira do homem, que, para nutrir o seu orgulho louco, não sei que vã admiração de si mesmo,
Textos sobre Maldade
37 resultadosMaldade Eterna
É difícil, a vida do pecador. Deus fez este mundo, mas não o fez a contento de todos, pois não?
Não me parece que ele estivesse a pensar muito em mim.
Pois, disse o velho. Mas em que é que as ideias de um homem o ajudam? Que mundos viu ele que preferia a este?
Consigo imaginar lugares melhores e melhores costumes.
E vossemecê consegue fazê-los existir?
Não.
Não. É um mistério. Um homem vê-se em palpos de aranha para entender a própria mente porque só tem a própria mente para entendê-la. Pode entender o próprio coração, mas não quer. E faz muito bem. O melhor é nem espreitar lá para dentro. Não é o coração de uma criatura que esteja no caminho que Deus lhe traçou. Encontra-se ruindade na mais mesquinha das criaturas, mas quando Deus criou o homem tinha o diabo à sua ilharga. Uma criatura capaz de tudo, capaz de criar uma máquina e uma máquina para criar a máquina. E maldade que se perpetua sozinha durante um milhar de anos, sem ser preciso alimentá-la. Vossemecê acredita nisso?
Não sei.
Pois acredite.
O Riso é o Melhor Indicador da Alma
Acho que, na maioria dos casos, quando uma pessoa se ri torna-se nojento olharmos para ela. Manifesta-se no riso das pessoas, na maioria das vezes, qualquer coisa de grosseiro que humilha a quem ri, embora essa pessoa quase nunca saiba que efeito o seu riso provoca. Tal como não sabe (ninguém sabe, aliás) a cara que faz quando dorme. Há quem mantenha no sono uma cara inteligente, mas outros há que, embora inteligentes, fazem uma cara tão estúpida a dormir que se torna ridícula.
Não sei por que tal acontece, apenas quero salientar que a pessoa que ri, tal como a pessoa que dorme, não sabe a cara que faz. De uma maneira geral, há muitíssimas pessoas que não sabem rir. Aliás, isso não é coisa que se aprenda: é um dom, não se pode aperfeiçoar o riso. A não ser que nos reeduquemos interiormente, que nos desenvolvamos para melhor e que superemos os maus instintos do nosso carácter: então também o riso poderá possivelmente mudar para melhor. A pessoa manifesta no riso aquilo que é, é possível conhecermos num instante todos os seus segredos.
Mesmo o riso incontestavelmente inteligente é, às vezes, abominável. O riso exige em primeiro lugar sinceridade,
Quem Confia Supera-se
Quanto mais confiante fores, maior ameaça és.
Quem confia supera-se, é maior e mais alto. Conquista mais, é mais forte e vê mais longe. Sabe por onde caminhar, sabe melhor o que não quer e sabe antecipar-se. Vive, portanto, melhor preparado para resistir a tudo e persistir perante qualquer adversidade.
Quem confia sempre alcança.
Somos uma sombra na vida dos encolhidos. Um despertador que não para de lhes gritar aos ouvidos expressões como: «mexe-te», «vês como eles conseguem», «não vales nada» ou «quem te dera ser como eles». E isto, naturalmente, incomoda-os. Dá-lhes a volta ao estômago. Mas em vez de tal chamariz de verdade os acicatar e os empurrar para a ação, acabam por escolher transformar isso em inveja, raiva e ódios de estimação ao ponto de olharem para ti, não como uma força inspiradora capaz de lutar por tudo o que quer, mas como um alvo a abater. É como se o objetivo das suas vidas passasse a ser a destruição do chato despertador que não para de lhes zumbir a realidade, em lugar de ser a realização das suas próprias e eventuais vontades.
Dito isto, prepara-te para teres de lidar com eles todos os dias.
Considerações sobre a Vingança
A vingança é uma espécie de justiça bárbara, de tal maneira que quanto mais a natureza humana se inclinar para ela, tanto mais a deve a lei exterminá-la. Porque a primeira injúria não faz mais que ofender a lei, ao passo que a vingança da injúria põe a lei fora do seu ofício. De certo, ao exercer a vingança, o homem iguala-se ao inimigo; mas, passando sobre ela, é-lhe superior; porque é próprio do príncipe perdoar. E tenho a certeza que Salomão disse: «É glorioso para um homem desdenhar uma ofensa». O que passou, passou, e é irrevogável; os homens prudentes já têm bastante que fazer com as coisas presentes e vindouras; não devem, portanto, preocupar-se com bagatelas como o trabalhar em coisas pretéritas.
Não há homem que faça o mal pelo mal, mas apenas na perseguição do lucro, do prazer ou da honra, etc. Porque hei-de ficar ressentido com alguém, apenas pela razão de que ele mais ama a si próprio do que a mim? E se alguém me fez mal, apenas por pura maldade, então, esse é unicamente como a roseira e o cardo que picam e arranham apenas porque não podem de outra forma proceder. A espécie mais tolerável de vingança ainda é aquela que vai contra ofensas que na lei não encontram remédio;
Dar o que Temos é Pouco
Quem apenas dá o que tem dá sempre pouco. Cada um de nós é muito mais do que aquilo que possui. Assim, mais do que dar o que temos, devemos dar o que somos.
Quem dá o que é irradia o bem da sua existência, semeia-se enquanto bondade… faz-se mais e melhor.
Há quem tenha tudo e não seja nada. Julgando que o seu valor está no que possui, exibe os seus bens como se fossem condecorações… desprezando não só o que é, mas, e ainda mais importante, o que poderia ser.
Quanto às coisas materiais, será melhor merecer o que não se tem do que ter o que não se merece… tal como é preferível ser credor do que devedor.
Nunca é bom depender do que não depende de nós.
Hoje confundem-se desejos com necessidades. Na verdade, não são sequer comparáveis, na medida em que os desejos buscam uma satisfação inalcançável. Pois assim que se sacia um desejo, logo outro, maior, toma o seu lugar. São vontades estranhas à nossa paz e capazes de alimentar contra nós uma guerra sem fim. É importante que atendamos às nossas verdadeiras carências, mas com o cuidado de afastar daí todos os desejos que querem passar por elas.
O Amor Português não é um Fenómeno Ternurento
Do carinho e do mimo, toda a gente sabe tudo o que há a saber — e mais um bocado. Do amor, ninguém sabe nada. Ou pensa-se que se sabe, o que é um bocado menos do que nada. O mais que se pode fazer é procurar saber quem se ama, sem querer saber que coisa é o amor que se tem, ou de que sítio vem o amor que se faz.
Do amor é bom falar, pelo menos naqueles intervalos em que não é tão bom amar. Todos os países hão-de ter a sua própria cultura amorosa. A portuguesa é excepcional. Nas culturas mais parecidas com a nossa, é muito maior a diferença que se faz entre o amor e a paixão. Faz-se de conta que o amor é uma coisa — mais tranquila e pura e duradoura — e a paixão é outra — mais doída e complicada e efémera. Em Portugal, porém, não gostamos de dizer que nos «enamoramos», e o «enamoramento» e outras palavras que contenham a palavra «amor» são-nos sempre um pouco estranhas. Quando nós nos perdemos de amores por alguém, dizemos (e nitidamente sentimos) que nos apaixonamos. Aqui, sabe-se lá por que atavismos atlânticos,
Eis a minha experiência: aqueles que cultivam a maldade e semeiam a miséria são também os
Eis a minha experiência: aqueles que cultivam a maldade e semeiam a miséria são também os que as colhem.
A Maldade como Poderoso Elemento do Progresso Humano
Os sentimentos fixos e de forma constante qualificados de paixões constituem, também, possantes factores de opiniões, de crenças e, por conseguinte, de conduta. Certas paixões contagiosas tornam-se, por esse motivo, facilmente colectivas. A sua acção é, então, irresistível. Elas precipitaram muitos povos uns contra os outros nas diversas fases da história. As paixões podem excitar a nossa actividade, porém, alteram, as mais das vezes, a justeza das opiniões, impedindo de ver as coisas como realmente são e de compreender a sua génese. Se nos livros de história são abundantes os erros, é porque, na maior parte dos casos, as paixões ditam a sua narrativa. Não se citaria, penso eu, um historiador que haja relatado imparcialmente a Revolução.
O papel das paixões é, como vemos, muito considerável nas nossas opiniões e, por conseguinte, na génese dos acontecimentos. Não são, infelizmente, as mais recomendáveis que têm exercido maior acção. Kant reconheceu a grande força social das piores paixões. A maldade é, no seu juízo, um poderoso elemento do progresso humano. Parece, infelizmente, muito certo que, se os homens tivessem seguido o preceito do Evangelho “Amai-vos uns aos outros”, ao invés de obedecerem ao da Natureza, que os incita a se destruírem mutuamente,
O Homem Cruel
Quando o rico tira um pertence ao pobre (por exemplo, um príncipe que tira a amante ao plebeu), então gera-se um erro no pobre; este acha que aquele tem de ser absolutamente infame, para lhe tirar o pouco que ele tem. Mas aquele não sente de modo algum tão profundamente o valor de um único pertence, porque está habituado a ter muitos: portanto, não se pode transpor para o espírito do pobre e não comete tal uma injustiça tão grande como este julga. Ambos têm um do outro uma concepção errada. A injustiça do poderoso, a que mais indigna na História, não é assim tão grande como parece. O mero sentimento hereditário de ser um ser superior, com direitos superiores, torna uma pessoa bastante fria e deixa-lhe a consciência tranquila: até todos nós, se a distância entre nós e um outro ente for muito grande, já não sentimos absolutamente nada de injusto e matamos um mosquito, por exemplo, sem qualquer remorso.
Assim, não é sinal de maldade em Xerxes (a quem mesmo todos os Gregos descrevem como eminentemente nobre) quando ele tira a um pai o seu filho e o manda esquartejar, porque este havia manifestado uma inquieta e ominosa desconfiança em relação a toda a expedição militar: neste caso,
A Loucura do Dinheiro
O dinheiro suscita a maior parte das vociferações que ouvimos: é o dinheiro que fatiga os tribunais, é ele que coloca pais e filhos em desavença, é ele que derrama venenos, é ele que põe a espada nas mãos dos assassinos e das legiões; ele está manchado de sangue nosso; é por causa dele que as discussões de marido e mulher ressoam na noite, é por causa dele que a turba aflui aos tribunais; por causa dele, os reis massacram, saqueiam e arrasam cidades que demoraram séculos a construir, para procurarem ouro e prata entre as cinzas. Vês os cofres arrumados a um canto? É por causa deles que se grita até os olhos saírem das suas órbitas e que os brados ressoam nos tribunais; é por causa deles que juízes vindo de regiões longínquas se reúnem para decidir qual é a avidez mais justa.
E quando, não por um cofre, mas por um punhado de ouro ou por um denário que se dispensaria a um escravo, se perfura o estômago de um velho que ia morrer sem herdeiros? E quando, possuindo vários milhares, um usurário de pés e mãos deformados, incapaz sequer de mexer no dinheiro, reclama, furioso,
O Homem Irracional
Cubram-no de todos os bens terrenos, mergulhem-no na felicidade com a cabeça imersa de modo a só umas bolhas rebentarem à superfície; dêem-lhe uma prosperidade económica tal que não tenha mais nada que fazer senão dormir, comer doces e tratar da continuidade ininterrupta da história universal – então ele, o homem, mesmo assim, só por ingratidão, por maldade, far-vos-á uma pulhice qualquer. Arriscará até os doces e desejará propositadamente o mais prejudicial dos absurdos, o mais antieconómico disparate, unicamente para misturar com toda essa sensatez positiva o seu nocivo elemento fantástico. Desejará conservar precisamente os seus sonhos fantásticos, a sua estupidez mais ordinária, unicamente para confirmar a si mesmo (como se fosse assim tão indispensável) que as pessoas continuam a ser pessoas e não teclas de piano em que sejam as próprias leis da natureza a tocar, mas prometendo tocar a tal ponto que se tornará já impossível desejar qualquer coisa para além do calendário.
Mais ainda: mesmo que o homem se tornasse realmente uma tecla de piano, mesmo que tal facto lhe fosse provado por meio das ciências naturais e da matemática, não ganharia juízo, mas faria, de propósito, qualquer coisa contra, apenas por ingratidão; só para continuar na sua!
A Maldade Espiritualiza-se
O julgamento e a condenação morais são a vingança predilecta dos espíritos tacanhos para com os que são menos, além de uma espécie de indemnização por terem sido mal dotados pela natureza, e finalmente uma oportunidade de eles próprios obterem espírito e tornarem-se finos: – a maldade espiritualiza-se. Bem no fundo do coração agrada-lhes que exista um padrão que ponha ao seu nível os abundantemente dotados de bens e privilégios de espírito: – lutam pela «igualdade de todos perante Deus» e para isso é que quase precisam da fé em Deus.
Não há Sabedoria sem Esforço
Certos vícios, temos o hábito de atribuí-los aos condicionalismos do lugar e do tempo, mas o certo é que, para onde quer que vamos, esses vícios nos acompanham. (…) Para quê iludirmo-nos? O nosso mal não vem do exterior, está dentro de nós, enraizado nas nossas vísceras, e, como ignoramos o mal de que sofremos, só com dificuldade recuperamos a saúde. E mesmo que já tenhamos iniciado o tratamento, quando nos será possível levar de vencida a enorme virulência de tão numerosas enfermidades? Nem sequer solicitamos a presença do médico, quando afinal é mais fácil tratar uma doença ainda no início. Almas ainda frescas e inexperientes obedecem sem tardar a quem lhes indique o justo caminho. Só é difícil reconduzir à via da natureza quem deliberadamente dela se apartou. Parece que temos vergonha de aprender a sabedoria! Pelos deuses, se acharmos que é vergonhoso buscar um mestre, então podemos perder a esperança de obter as vantagens da sabedoria por obra do acaso. A sabedoria só se obtém pelo esforço.
Para dizer a verdade, nem sequer é necessário grande esforço se, como disse, começarmos a formar e a corrigir a nossa alma antes que as más tendências cristalizem. Mas mesmo já empedernidas,
O Livre-Arbítrio não Existe
Contemplando uma cascata, acreditamos ver nas inúmeras ondulações, serpenteares, quebras de ondas, liberdade da vontade e capricho; mas tudo é necessidade, cada movimento pode ser calculado matemáticamente. O mesmo acontece com as acções humanas; poder-se-ia calcular antecipadamente cada acção, caso se fosse omnisciente, e, da mesma maneira, cada progresso do conhecimento, cada erro, cada maldade. O homem, agindo ele próprio, tem a ilusão, é verdade, do livre-arbítrio; se por um instante a roda do mundo parasse e houvesse uma inteligência calculadora omnisciente para aproveitar essa pausa, ela poderia continuar a calcular o futuro de cada ser até aos tempos mais distantes e marcar cada rasto por onde essa roda a partir de então passaria. A ilusão sobre si mesmo do homem actuante, a convicção do seu livre-arbítrio, pertence igualmente a esse mecanismo, que é objecto de cálculo.
O Valor da Ingenuidade
O maior perigo que corre o ingénuo: o de querer ser esperto. Tão ingénuo que cuida, coitado, de que alguma vez no mundo o conhecimento valeu mais do que a ingenuidade de cada um. A ingenuidade é o legítimo segredo de cada qual, é a sua verdadeira idade, é o seu próprio sentimento livre, é a alma do nosso corpo, é a própria luz de toda a nossa resistência moral.
Mas os ingénuos são os primeiros que ignoram a força criadora da ingenuidade, e na ânsia de crescer compram vantagens imediatas ao preço da sua própria ingenuidade.
Raríssimos foram e são os ingénuos que se comprometeram um dia para consigo próprios a não competir neste mundo senão consigo mesmos. A grande maioria dos ingénuos desanima logo de entrada e prefere tricher no jogo de honra, do mérito e do valor. São eles as próprias vítimas de si mesmos, os suicidas dos seus legítimos poetas, os grotescos espanatalhos da sua própria esperteza saloia.
Bem haja o povo que encontrou para o seu idioma esta denunciante expressão da pessoa que é vítima de si mesma: a esperteza saloia. A esperteza saloia representa bem a lição que sofre aquele que não confiou afinal em si mesmo,
Insultar é uma Honra
Assim como ser insultado é uma vergonha, insultar é uma honra. Por exemplo, mesmo que a verdade, o direito e a razão estejam do lado do meu adversário, não deixo de insultá-lo; desse modo, todas as suas qualidades passam a ser desconsideradas, e o direito e a honra passam a estar do meu lado. Ele, pelo contrário, perdeu provisoriamente a sua honra – até conseguir restabelecê-la, não mediante direito e razão, mas por tiros e estocadas. Logo, a rudeza é uma qualidade que, no ponto de honra, substitui ou se sobrepõe sobre as outras. O mais rude tem sempre razão: para quê tantas palavras? Qualquer estupidez, insolência, maldade que alguém possa ter feito, uma rudeza retira-lhes essa característica e elas são de imediato legitimadas. Se, numa discussão ou conversa, outro indivíduo mostra conhecimento mais correcto do assunto, um amor mais austero à verdade, um juízo mais saudável, mais entendimento que nós, ou se em geral exibe méritos intelectuais que nos deixam na sombra, então podemos de imediato suprimir semelhantes superioridades e a nossa própria mesquinhez por elas revelada e sermos, por nosso turno, superiores, tornando-nos ofensivos e rudes.
Pois uma rudeza derrota todo o argumento e eclipsa qualquer espírito;