Textos sobre Paraíso

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Textos de paraíso escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Não Há Amor como o Primeiro

Não há amor como o primeiro. Mais tarde, quando se deixa de crescer, há o equivalente adulto ao primeiro amor — é o primeiro casamento; mas não é igual. O primeiro amor é uma chapada, um sacudir das raízes adormecidas dos cabelos, uma voragem que nos come as entranhas e não nos explica. Electrifica-nos a capacidade de poder amar. Ardem-nos as órbitas dos olhos, do impensável calor de podermos ser amados. Atiramo-nos ao nosso primeiro amor sem pensar onde vamos cair ou de onde saltámos. Saltamos e caímos. Enchemos o peito de ar, seguramos as narinas com os dedos a fazer de mola de roupa, juramos fazer três ou quatro mortais de costas, e estatelamo-nos na água ou no chão, como patos disparados de um obus, com penas a esvoaçar por toda a parte.

Há amores melhores, mas são amores cansados, amores que já levaram na cabeça, amores que sabem dizer “Alto-e-pára-o-baile”, amores que já dão o desconto, amores que já têm medo de se magoarem, amores democráticos, que se discutem e debatem. E todos os amores dão maior prazer que o primeiro. O primeiro amor está para além das categorias normais da dor e do prazer. Não faz sentido sequer.

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Moral Convencional e Moral Verdadeira

A respeitabilidade, a regularidade, a rotina – toda a disciplina de ferro forjada na moderna sociedade industrial – atrofiaram o impulso artístico e aprisionaram o amor de forma tal que não mais pode ser generoso, livre e criador, tendo de ser ou furtivo ou pedante. Aplicou-se controle às coisas que mais deveriam ser livres, enquanto a inveja, a crueldade e o ódio se espraiam à vontade com as bençãos de quase toda a bisparia. O nosso equipamento instintivo consiste em duas partes – uma que tende a beneficiar a nossa própria vida e a dos nossos descendentes, e outra que tende a atrapalhar a vida dos supostos rivais. Na primeira incluem-se a alegria de viver, o amor e a arte, que psicologicamente é uma consequência do amor. A segunda inclui competição, patriotismo e guerra. A moral convencional tudo faz para suprimir a primeira e incentivar a segunda. A moral verdadeira faria exactamente o contrário.
As nossas relações com os que amamos podem ser perfeitamente confiadas ao instinto; são as nossas relações com aqueles que detestamos que deveriam ser postas sob o controle da razão. No mundo moderno, aqueles que de facto detestamos são grupos distantes, especialmente nações estrangeiras. Concebemo-las no abstracto e engodamo-nos para crer que os nossos actos (na verdade manifestações de ódio) são cometidos por amor à justiça ou outro motivo elevado.

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O Belo é Necessário

Neste mundo o lindo é necessário. Há mui poucas funções tão importantes como esta de ser encantadora. Que desespero na floresta se não houvesse o colibri! Exalar alegrias, irradiar venturas, possuir no meio das coisas sombrias uma transmudação de luz, ser o dourado do destino, a harmonia, a gentileza, a graça, é favorecer-te. A beleza basta ser bela para fazer bem. Há criatura que tem consigo a magia de fascinar tudo quanto a rodeia; às vezes nem ela mesmo o sabe, e é quando o prestígio é mais poderoso; a sua presença ilumina, o seu contato aquece; se ela passa, ficas contente; se pára, és feliz; contemplá-la é viver; é a aurora com figura humana; não faz nada, nada que não seja estar presente, e é quanto basta para edenizar o lar doméstico; de todos os poros sai-lhe um paraíso; é um êxtase que ela distribui aos outros, sem mais trabalho que o de respirar ao pé deles. Ter um sorriso que – ninguém sabe a razão – diminui o peso da cadeia enorme arrastada em comum por todos os viventes, que queres que te diga? é divino.

Causas e Curas para o Fanatismo

O fanatismo é para a superstição o que o delírio é para a febre, o que é a raiva para a cólera. Aquele que tem êxtases, visões, que considera os sonhos como realidades e as imaginações como profecias é um entusiasta; aquele que alimenta a sua loucura com a morte é um fanático. (…) O mais detestável exemplo de fanatismo é aquele dos burgueses de Paris que correram a assassinar, degolar, atirar pelas janelas, despedaçar, na noite de São Bartolomeu, os seus concidadãos que não iam à missa. Há fanáticos de sangue frio: são os juizes que condenam à morte aqueles cujo único crime é não pensar como eles. Quando uma vez o fanatismo gangrenou um cérebro a doença é quase incurável. Eu vi convulsionários que, falando dos milagres de S. Páris, sem querer se acaloravam cada vez mais; os seus olhos encarniçavam-se, os seus membros tremiam, o furor desfigurava os seus rostos e teriam morto quem quer que os houvesse contrariado.
Não há outro remédio contra essa doença epidémica senão o espírito filosófico que, progressivamente difundido, adoça enfim a índole dos homens, prevenindo os acessos do mal porque, desde que o mal fez alguns progressos, é preciso fugir e esperar que o ar seja purificado.

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O Riso é o Melhor Indicador da Alma

Acho que, na maioria dos casos, quando uma pessoa se ri torna-se nojento olharmos para ela. Manifesta-se no riso das pessoas, na maioria das vezes, qualquer coisa de grosseiro que humilha a quem ri, embora essa pessoa quase nunca saiba que efeito o seu riso provoca. Tal como não sabe (ninguém sabe, aliás) a cara que faz quando dorme. Há quem mantenha no sono uma cara inteligente, mas outros há que, embora inteligentes, fazem uma cara tão estúpida a dormir que se torna ridícula.
Não sei por que tal acontece, apenas quero salientar que a pessoa que ri, tal como a pessoa que dorme, não sabe a cara que faz. De uma maneira geral, há muitíssimas pessoas que não sabem rir. Aliás, isso não é coisa que se aprenda: é um dom, não se pode aperfeiçoar o riso. A não ser que nos reeduquemos interiormente, que nos desenvolvamos para melhor e que superemos os maus instintos do nosso carácter: então também o riso poderá possivelmente mudar para melhor. A pessoa manifesta no riso aquilo que é, é possível conhecermos num instante todos os seus segredos.
Mesmo o riso incontestavelmente inteligente é, às vezes, abominável. O riso exige em primeiro lugar sinceridade,

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Uma Nação Sem Ideal Desaparece Rapidamente da História

Qualquer que seja a raça ou o tempo considerado, o objectivo constante da atividade humana foi sempre a pesquisa da felicidade, a qual consiste, em última análise, ainda o repito, em procurar o prazer e evitar a dor. Sobre essa concepção fundamental os homens estiveram constantemente de acordo; as suas divergências aplicam-se somente à idéia que se concebe da felicidade e aos meios de a conquistar.
As suas formas são diversas, mas o termo que se tem em mira é idêntico. Sonhos de amor, de riqueza, de ambição ou de fé são os possantes factores de ilusões que a natureza emprega para conduzir-nos aos seus fins. Realização de um desejo presente ou simples esperança, a felicidade é sempre um fenómeno subjectivo. Desde que os contornos do sonho se implantam um pouco no espírito, com ardor nós tentamos obtê-lo.
Mudar a concepção da felicidade de um indivíduo ou de um povo, isto é, o seu ideal, é mudar, ao mesmo tempo, a sua concepção da vida e, por conseguinte, o seu destino. A história não é mais do que a narração dos esforços empregues pelo homem para edificar um ideal e destruí-lo em seguida, quando, tendo-o atingido, descobre a sua fragilidade.

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A Felicidade Reside Sempre no Futuro ou no Passado

A sedutora miragem do distante mostra-nos paraísos que desvanecem, semelhantes a ilusões de óptica, assim que nos deixamos arrebatar por ela. A felicidade reside sempre, portanto, no futuro, ou ainda no passado, e o presente parece ser uma nuvenzinha escura que o vento empurra sobre a planície ensolarada; na frente e atrás dela, tudo é claro; sozinha, não cessa ela própria de projectar uma sombra.

A Portugalite

Entre as afecções de boca dos portugueses que nem a pasta medicinal Couto pode curar, nenhuma há tão generalizada e galopante como a Portugalite. A Portugalite é uma inflamação nervosa que consiste em estar sempre a dizer mal de Portugal. É altamente contagiosa (transmite-se pela saliva) e até hoje não se descobriu cura.

A Portugalite é contraída por cada português logo que entra em contacto com Portugal. É uma doença não tanto venérea como venal. Para compreendê-la é necessário estudar a relação de cada português com Portugal. Esta relação é semelhante a uma outra que já é clássica na literatura. Suponhamos então que Portugal é fundamentalmente uma meretriz, mas que cada português está apaixonado por ela. Está sempre a dizer mal dela, o que é compreensível porque ela trata-o extremamente mal. Chega até a julgar que a odeia, porque não acha uma única razão para amá-la. Contudo, existem cinco sinais — típicos de qualquer grande e arrastada paixão — que demonstram que os portugueses, contra a vontade e contra a lógica, continuam apaixonados por ela, por muito afectadas que sejam as «bocas» que mandam.

Em primeiro lugar, estão sempre a falar dela. Como cada português é um amante atraiçoado e desgraçado pela mesma mulher,

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O Estado de Transe

O estado de transe é um estado quase normal no ser humano; basta muito pouco para provocá-lo. Uma coisa de nada, um pouco de álcool no sangue, um pouco de droga, excesso de oxigénio, a cólera, o cansaço. Mas este estado é interessante na medida em que é orientável. Trata-se de um balanço, mas esse lança mão das regiões desconhecidas do nosso espírito. De facto, não há fundamentalmente nenhuma diferença, entre um homem intoxicado pelo álcool e um santo que se entregue ao êxtase. E no entanto há apesar de tudo uma diferença: a da interpretação. O momento de loucura é preparado por uma etapa onde o assunto é mergulhado numa espécie de vacilação da consciência, de excitação cerebral violenta. É esse momento que fabrica verdadeiramente o êxtase e lhe dá o sentido. Enquanto o êxtase em si mesmo é cego. É o vazio total, sem ascensão nem queda. A calma plana. Tanto quanto se possa dizer que o santo nunca conhecerá Deus. Aproxima-O, depois regressa. E estas duas etapas são as que são. Entre as duas, é o nada. O vazio, a amnésia completa. No momento X do êxtase, o santo e o intoxicado são semelhantes, estão no mesmo local.

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Prazer e Dor São as Únicas Certezas da Vida

Os filósofos têm tentado abalar todas as nossas certezas e mostrar que do mundo conhecemos apenas aparências. Possuiremos sempre, porém, duas grandes certezas, que nada poderia destruir: o prazer e a dor. Toda a nossa actividade deriva delas. As recompensas sociais, os paraísos e os infernos criados pelos códigos religiosos ou civis baseiam-se na acção dessas certezas, cuja evidente realidade não pode ser contestada.
Desde que a vida se manifesta, surgem o prazer e a dor. Não é o pensamento, mas a sensibilidade, que nos revela o nosso “eu”. Se dissesse: “Sinto, logo existo” ao invés de: “Penso, logo existo”, Descartes estaria muito perto da verdade. Assim modificada, a sua fórmula aplica-se a todos os seres e não a uma fração apenas da humanidade. Dessas duas certezas poder-se-ia deduzir a completa filosofia prática da vida. Fornecem uma resposta segura à eterna pergunta tão repetida desde o Eclesiastes: por que tanto trabalho e tantos esforços, já que a morte nos espera e o nosso planeta se extingará um dia?
Porquê? Porque o presente ignora o futuro e no presente a Natureza condena-nos a procurar o prazer e a evitar a dor.
O operário, curvado sob o peso do trabalho,

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Progresso Aparente

O homem progride em todos os sentidos. Domina a matéria, é incontestável, mas ainda não se sabe dominar a si mesmo. Sim, façam-se caminhos de ferro e telégrafos, atravessem-se num abrir e fechar de olhos terras e mares, mas dirijam-se também as paixões como se conduzem os aeróstatos: abulam-se sobretudo as paixões malignas que, apesar das máximas liberais e fraternas da nossa época, ainda não perderam o seu domínio detestável sobre os nossos corações. É nisso que reside o verdadeiro progresso, e até a verdadeira felicidade! Mas, pelo contrário, até parece que os nossos instintos de cobiça e de gozo egoísta foram infindamente ainda mais excitados por todas estas inovações materiais.
O desejo de uma felicidade impossível, que seria obtida independentemente na satisfação que nos vem da paz da alma, é indissociável já de qualquer nova descoberta e parece fazer retroceder no tempo a quimera desse paraíso dos sentidos.

A Base da Civilização

A lei do universo baseia-se sobre o concurso destes dois grandes agentes: a luta pela vida e a selecção natural. A luta pela vida é o estado permanente de todos os seres, para os quais a criação é uma eterna batalha. A sorte do conflito decide-a a selecção natural. Como? Fixando na espécie, pela adaptação ao meio, os seres mais fortes, e expulsando os seres inferiores. Por isso o professor Haeckel affirma: «A teoria de Darwin estabelece que nas sociedades humanas, como nas sociedades animais, nem os direitos, nem os deveres, nem os bens, nem os gostos dos membros associados podem ser iguais.» Ora o que é que estabelece o Direito? O Direito estabelece precisamente o contrario disso: a igualdade dos deveres recíprocos para a mais equitativa distribuição dos bens.
O Direito portanto não só não é uma emanação da lei natural, mas é uma reacção contra essa lei. A natureza é o triunfo brutal decretado ao forte. A sociedade é a protecção consciente assegurada ao fraco. A criação funda a luta pela vida. A sociedade organiza o auxílio pela existência.
Uma civilização é tanto mais adiantada quanto mais ela submete ao seu domínio as fatalidades naturais. E é assim que o homem,

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Em Louvor das Crianças

Se há na terra um reino que nos seja familiar e ao mesmo tempo estranho, fechado nos seus limites e simultaneamente sem fronteiras, esse reino é o da infância. A esse país inocente, donde se é expulso sempre demasiado cedo, apenas se regressa em momentos privilegiados — a tais regressos se chama, às vezes, poesia. Essa espécie de terra mítica é habitada por seres de uma tão grande formosura que os anjos tiveram neles o seu modelo, e foi às crianças, como todos sabem pelos evangelhos, que foi prometido o Paraíso.
A sedução das crianças provém, antes de mais, da sua proximidade com os animais — a sua relação com o mundo não é a da utilidade, mas a do prazer. Elas não conhecem ainda os dois grandes inimigos da alma, que são, como disse Saint-Exupéry, o dinheiro e a vaidade. Estas frágeis criaturas, as únicas desde a origem destinadas à imortalidade, são também as mais vulneráveis — elas têm o peito aberto às maravilhas do mundo, mas estão sem defesa para a bestialidade humana que, apesar de tanta tecnologia de ponta, não diminui nem se extingue.
O sofrimento de uma criança é de uma ordem tão monstruosa que,

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A Ilusão da Viagem

Viajar é o paraíso dos tolos. Devemos às nossas primeiras jornadas a descoberta de que o lugar não significa nada. Em casa, imagino sonhadoramente que em Nápoles ou em Roma poderei intoxicar-me de beleza e livrar-me da tristeza. Faço as malas, abraço os amigos, tomo um vapor e, finalmente, acordo em Nápoles e lá, diante de mim, está o facto insubornável, o triste eu, implacável, idêntico, de que fugi. Visito o Vaticano e os palácios. Finjo estar intoxicado com as visitas e as sugestões, mas não é verdade. O meu gigante acompanha-me por onde vou.

Já Está na Altura de Perder as Ilusões

As ilusões das pessoas vão mudando. Quando são jovens, têm a ilusão do amor; pensam que o amor talvez consiga abrir as portas de todos os mistérios. O amor abre realmente as portas, não as dos mistérios, mas as das misérias. Há outros indivíduos a quem só interessa ganhar dinheiro. Quando perguntaram a Henry Ford: «Ganhou mais dinheiro do que qualquer outra pessoa no mundo. Agora que chegou ao topo, como se sente?», ele respondeu: «Completamente frustrado, porque no topo não existe nada. O que aprendi ao longo de toda a minha vida foi a subir escadas. Fui subindo, na esperança de que no degrau seguinte pudesse estar a realização, mas a realização nunca se alcança.»
Quando as pessoas perdem as suas esperanças, ilusões e sonhos mundanos, então mudam e começam a ter esperança no crescimento espiritual, em Deus e no paraíso. Estas são as mesmas pessoas e as mesmas mentes que não aprenderam absolutamente nada.
A não ser que não possua quaisquer tipo de ilusões – o que significa que já não pensa no amanhã não conhecerá a verdade pura da existência, que apenas existe nesse momento. Não se encontrará em sintonia com o mesmo, e, portanto,

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