Textos sobre Vida

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Textos de vida escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Vencer o Medo

Parecemos estar hoje animados quase exclusivamente pelo medo. Receamos até aquilo que é bom, aquilo que é saudável, aquilo que é alegre. E o que é o herói? Antes de mais, alguém que venceu os seus medos. É possível ser-se herói em qualquer campo; nunca deixamos de reconhecer um herói quando este aparece. A sua virtude singular é o facto de ele ser um só com a vida, um só consigo próprio. Tendo deixado de duvidar e de interrogar, acelera o curso e o ritmo da vida. O cobarde, par contre, procura deter o fluxo da vida. E claro que não detém nada, a menos que se detenha a si próprio. A vida continua sempre a avançar, quer nos portemos como cobardes, quer nos portemos como heróis. A vida não impõe outra disciplina – se ao menos o soubéssemos compreender! – para além de a aceitarmos tal como é. Tudo aquilo a que fechamos os olhos, tudo aquilo de que fugimos, tudo aquilo que negamos, denegrimos ou desprezamos, acaba por contribuir para nos derrotar. O que nos parece sórdido, doloroso, mau, poderá tornar-se numa fonte de beleza, alegria e força, se o enfrentarmos com largueza de espírito. Todos os momentos são momentos de ouro para os que têm a capacidade de os ver como tais.

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Agarra as Oportunidades

O que é uma oportunidade? É tudo. Uma oportunidade é uma possibilidade e tu, assim te permitas, podes tudo. Como acontece todos os dias e a todas as horas, é algo corriqueiro, pequeno, quase invisível, e, por isso, nem sempre é interpretado da melhor maneira. Podes criá-las ou, simplesmente, estar recetivo porque elas, também, surgem do nada. A única premissa para teres uma vida cheia de oportunidades é estares desperto e quereres, de facto, viver. Nada mais. Uma oportunidade é um abraço, é um telefonema a convidar-te para ires almoçar ou jantar fora, uma ida à praia ou à discoteca, é um filme que te deixe a pensar, é um livro que te faça rir ou emocionar, uma conversa que fica, um sorriso que se pega, uma pessoa que passa e te faz olhar para trás, a tua password no Facebook por te permitir iniciar sempre, e à hora que quiseres, uma viagem maravilhosa, enfim, tanta coisa. Tudo é uma oportunidade para saíres de onde estás, fazer uma coisa diferente, conhecer pessoas novas, estabelecer novos contactos, largar a rotina e ser feliz. A oportunidade vincula-te sempre ao «Agora», é uma pequena grande coisa onde, decerto, irás encontrar as raízes da tua felicidade e,

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Educação Permanente

A educação prolonga-se por toda a vida. Defino-a da seguinte maneira: a maturação da nossa alma e do nosso espírito graças aos nossos cuidados e às circunstâncias exteriores. Do convívio com pessoas más ou com pessoas respeitáveis é que resulta a má ou boa educação de toda a vida. O espírito fortifica-se no convívio com os espíritos rectos; sucede o mesmo com a alma. Endurece-se no convívio com pessoas duras e frias.

O Desejo Comanda a Vida

A vida é curta e tediosa: passa-se inteira no desejar. Adiam-se para o futuro o repouso e as alegrias, muitas vezes até à idade em que os melhores bens, a saúde e a juventude, já desapareceram. Essa época chega e ainda nos surpreende em meio a desejos; estamos nesse ponto quando a febre nos arrebata e extingue: caso nos curássemos, seria apenas para desejarmos por mais tempo.

A Minha Educação Prejudicou-me em Vários Aspectos

Dormi, acordei, dormi, acordei, vida miserável. (…) Quando penso nisso, tenho de dizer que a minha educação me prejudicou muito em vários aspectos. Não fui, de facto, educado num lugar longe de tudo, como por exemplo entre ruínas, nas montanhas; contra esse facto eu não poderia realmente exprimir a minha censura. Apesar de correr o risco de não poder ser compreendido por todos os meus antigos professores, eu bem preferiria ter sido um habitante dessas pequenas ruínas, queimado pelo sol que por entre os destroços me apareceria de todos os lados sobre a tépida hera, mesmo que eu a princípio houvesse sido fraco sob a pressão das minhas boas qualidades, que com a força da erva teriam crescido dentro de mim.

Quando penso nisso, tenho de dizer que a minha educação me prejudicou muito em vários aspectos. Esta censura aplica-se a uma quantidade de pessoas, ou seja, aos meus pais, a algumas pessoas de família, a alguns amigos da casa, a vários escritores, a uma certa cozinheira, que durante todo um ano me levou à escola, a um monte de professores (que nas minhas recordações tenho de comprimir num grupo estreito, que doutra maneira me falha um aqui e outro ali — mas,

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Nasci de Novo

Terminei o poema e levei-te o terceiro acto. Conduziste-me junto da cadeira, defronte do canapé, abraçaste-me e disseste: «Agora já não desejo mais nada na vida». Nesse dia, a essa precisa hora, nasci de novo. Até então fora uma vida preparatória. Depois começou a minha vida póstuma. Mas nesse momento maravilhoso vivi o meu presente. Sabes bem como o recebi: não sobreexcitado, tempestuoso, inebriado, mas solenemente o recebi, doce, calorosa e profundamente perturbado, e como que olhando o infinito diante de mim. Cada vez me desligara mais dolorosamente do Mundo. Tudo em mim se tornara negação, recusa. As minhas próprias criações eram-me apenas sofrimento, nostalgia, e um insaciável desejo de opor a essa negação, a essa nostalgia, uma afirmação – além de poder desdobrar-me num outro eu. Esse momento único concedeu-mo. Uma mulher terna, tímida, receosa, lançou-se corajosamente no oceano do sofrimento para me oferecer esse instante adorável. Para me dizer: amo-te. Foi como se te tivesses dedicado à morte para me dares a vida; e eu recebi a vida para contigo sofrer e morrer.

A Educação da Fé

Sendo a fé um dom, como pode ser motivo de educação? Não pode realmente ser ensinada, mas sim irradiada. Os que a possuem podem significar a estrela-guia, a perseverança num encontro difícil de suceder, mas cuja esperança comove todo o nosso ser. É possível que a Igreja se volte para esse apostolado da fé que foi extremamente importante no seu começo. Não o velho sistema de grupos sectários que são o modelo dos processos políticos e que, quando se afirma um movimento e este toma amplitude, se eliminam. Não é isso. Trata-se de focos de comunicação que dispensam a organização premeditada e até a linguagem elaborada, o discurso piedoso e a erudição duma exegese. Um interessar a alma na fé sem recorrer ao preconceito da santidade. Descobrir a imensa novidade da fé num mundo em que o próprio cristão vive de maneira pagã e singularmente a coberto dos antigos textos que esqueceu ou que desconhece completamente.

A prova de que o cristão vive como um bárbaro é o sentido que tomou a arte religiosa. Não é raro encontrar nas salas de convívio burguesas, juntamente com a televisão, ou a mesa de jogo, ou a instalação estereofónica para o gira-disco,

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O Perigo da Extinção do Individualismo

Ao contemplar nas grandes cidades essas imensas aglomerações de seres humanos, que vão e vêm pelas suas ruas ou se concentram em festivais e manifestações políticas, incorpora-se em mim, obsedante, este pensamento: pode hoje um homem de vinte anos formar um projecto de vida que tenha figura individual e que, portanto, necessitaria realizar-se mediante as suas iniciativas independentes, mediante os seus esforços particulares? Ao tentar o desenvolvimento desta imagem na sua fantasia, não notará que é, senão impossível, quase improvável, porque não há à sua disposição espaço em que possa alojá-la e em que possa mover-se segundo o seu próprio ditame? Logo advertirá que o seu projecto tropeça com o próximo, como a vida do próximo aperta a sua. O desânimo leva-lo-á com a facilidade de adaptação própria da sua idade a renunciar não só a todo o acto, como até a todo o desejo pessoal e buscará a solução oposta: imaginará para si uma vida standard, composta de desideratos comuns a todos e verá que para consegui-la tem de a solicitar ou exigir em coletividade com os demais. Daí a acção em massa.
A coisa é horrível, mas não creio que exagera a situação efectiva em que se vão achando quase todos os europeus.

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O Poeta Age em Qualquer Ambiente

Não reclamo para mim qualquer privilégio de solidão: só a tive quando ma impuseram como condição terrível da minha vida. E escrevi então os meus livros como os escrevi, rodeado pela adorável multidão, pela infinita e rica multidão do homem. Nem a solidão nem a sociedade podem alterar os requisitos do poeta, e os que se reclamam de uma ou de outra exclusivamente falseiam a sua condição de abelhas que constroem há séculos a mesma célula fragrante, com o mesmo alimento de que o coração humano necessita. Mas não condeno os poetas da solidão nem os altifalantes do grito colectivo: o silêncio, o som, a separação e integração dos homens, todo este material para que as sílabas da poesia se juntem, precipitando a combustão de um fogo indelével, de uma comunicação inerente, de uma herança sagrada que há mil anos se traduz na palavra e se eleva no canto.

Intelectualidade e Moralidade São Incompatíveis

Não há maior tragédia do que a igual intensidade, na mesma alma ou no mesmo homem, do sentimento intelectual e do sentimento moral. Para que um homem possa ser distintivamente e absolutamente moral, tem que ser um pouco estúpido. Para que um homem possa ser absolutamente intelectual, tem que ser um pouco imoral. Não sei que jogo ou ironia das coisas condena o homem à impossibilidade desta dualidade em grande. Por meu mal, ela dá-se em mim. Assim, por ter duas virtudes, nunca pude fazer nada de mim. Não foi o excesso de uma qualidade, mas o excesso de duas, que me matou para a vida.

Hábito e Inércia

Ao princípio, somos carne animada pela alma; a meio caminho, meias máquinas; perto do fim, autómatos rígidos e gelados como cadáveres. Quando a morte chega, encontramo-nos em tudo semelhantes aos mortos. Esta petrificação progressiva é obra do hábito.
O hábito torna-nos cegos às maravilhas do mundo – indiferentes e inconscientes perante os milagres quotidianos -, embota a força dos sentidos e dos sentimentos – torna-nos escravos dos costumes, mesmo tristes e culpados: suprime a vista, espanto, fogo e liberdade. Escravos, frígidos, insensatos, cegos: tudo propriedade dos cadáveres. A subjugação aos hábitos é uma subjugação da morte; um suicídio gradual do espírito.
O hábito suprime as cores, incrusta, esconde: partes da nossa vida afundam-se gradualmente na inconsciência e deixam de ser vida para se tornarem peças de um mecanismo imprevisto. O círculo do espontâneo reduz-se; a liberdade e novidade decaem na monotonia do vulgar.
É como se o sangue se tornasse, a pouco e pouco, sólido como os ossos e a alma um sistema de correias e rodas. A matéria não passa de espírito petrificado pelos hábitos. Nasce-se espírito e matéria e termina-se apenas como matéria. A casca converteu em madeira a própria linfa.
A casca é necessária para proteger o albume,

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A Justiça em Estado Puro

Quero que me ensinem também o valor sagrado da justiça — da justiça que apenas tem em vista o bem dos outros, e para si mesma nada reclama senão o direito de ser posta em prática. A justiça nada tem a ver com a ambição ou a cobiça da fama, apenas pretende merecer aos seus próprios olhos. Acima de tudo, cada um de nós deve convencer-se de que temos de ser justos sem buscar recompensa. Mais ainda: cada um de nós deve convencer-se de que por esta inestimável virtude devemos estar prontos a arriscar a vida, abstendo-nos o mais possível de quaisquer considerações de comodidade pessoal. Não há que pensar qual virá a ser o prémio de um acto justo; o maior prémio está no facto de ele ser praticado. Mete também na tua ideia aquilo que há pouco te dizia: não interessa para nada saber quantas pessoas estão a par do teu espírito de justiça. Fazer publicidade da nossa virtude significa que nos preocupamos com a fama, e não com a virtude em si.

A Idade do Divórcio

Devia haver uma idade para o divórcio como há para o casamento. As desilusões domésticas têm o seu tempo para se transformarem em cicatrizes que vão desaparecendo com o passar dos anos. Por isso é que nos velhos casais há uma recordação da vida em comum que se assemelha à santidade. Contam peripécias leves e dão ao passado um colorido quase caricato pela força do distanciamento em que se encontram. A verdade é que sofreram os mesmos desenganos e turbulências que os jovens arrumam e põem de lado sem dar tempo a transformarem-nos em recalques.

Dar é Viver

Dá-te.

Dar é viver.

Ninguém, por muito pouco que receba, viverá em alegria se não der nada a ninguém. Dá-se um sorriso, uma mão, um beijo, um abraço, um conselho, uma ideia, uma palavra, uma hora, duas ou três, de silêncio ou de ouvidos em alerta para o outro poder desabafar, chorar ou libertar-se. Dá-se boleia, dão-se sugestões, brinca-se, dá-se o corpo, dá-se prazer, dão-se pistas, dá-se tanta coisa. Tanta coisa que custa zero mas vale tanto. E quanto mais dermos de nós, mais recebemos. Nem sempre daqueles a quem damos, é um facto, faz parte da experiência de aprender a lidar com a expectativa, o apego e a cobrança, mas se dermos de coração, e só porque nos faz sentir bem, recebemos sempre e quase sempre de onde menos esperamos.

Quando somos incondicionais podemos ser surpreendidos a qualquer momento.

É tão bom. Sabe tão bem. Dar e nunca saber de onde podemos vir a receber. Torna os dias surpreendentes. A vida agiganta-se. Acaba-se a agonia do «tem de ser» e de repente é tudo novidade. É como dizer «Amo-te» a alguém que amo, e porque o senti naquele instante, e não ficar à espera de ouvir o mesmo dessa pessoa no segundo a seguir.

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Deixo-me Ir Como Me Apraz

A ciência e a verdade podem residir em nós sem juízo, e este pode habitar-nos desacompanhado delas: o reconhecimento da própria ignorância é um dos mais belos e seguros testemunhos de juízo que conheço. Não tenho outro sargento para pôr em ordem os meus escritos além da fortuna. À medida que as divagações me ocorrem, eu as empilho; ora se atropelam em bando, ora se dispõem em fila. Quero que todos vejam o meu passo natural e simples, por irregular que ele seja. Deixo-me ir como me apraz, e estes não são assuntos que não seja permitido a um homem ignorar ou tratar de maneira ligeira e casual
Bem que eu desejaria ter conhecimento mais perfeito das coisas, mas não quero comprá-lo por ser muito caro. O meu desejo é passar airada e não laborosiamente o tempo que me resta de vida. Bem nenhum existe que seja capaz de levar-me a quebrar a cabeça por ele, nem mesmo a ciência, por valiosa que seja. Não procuro nos livros senão alcançar prazer mediante um divertimento honesto, ou, se estudo, não busco senão a ciência que trata do conhecimento de nós próprios, e que me ensina a morrer e a viver bem.

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O Homem Superior

O maior triunfo do homem é quando se convence de que o ridículo é uma cousa sua que existe só para os outros, e, mesmo, sempre que outros queiram. Ele então deixa de importar-se com o ridículo, que, como não está em si, ele não pode matar.
Três cousas tem o homem superior que ensinar-se a esquecer para que possa gozar no perfeito silencio a sua superioridade — o ridiculo, o trabalho e a dedicação.
Como não se dedica a ninguém, também nada exige da dedicação alheia. Sóbrio, casto, frugal, tocando o menos possível na vida, tanto para não se incomodar como para não approximar as cousas de mais, a ponto de destruir nelas a capacidade de serem sonhadas, ele isola-se por conveniência do orgulho e da desillusão. Aprende a sentir tudo sem o sentir directamente; porque sentir directamente é submeter-se — submeter-se à acção da cousa sentida.
Vive nas dores e nas alegrias alheias, Whitman olímpico, Proteu da compreensão, sem partilhar de vivê-las realmente. Pode, a seu talante, embarcar ou ficar nas partidas de navios — e pode ficar e embarcar ao mesmo tempo, porque não embarca nem fica. Esteve com todos em todas as sensações de todas as horas da sua vida.

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Cultivar a Felicidade

Desde os primórdios da humanidade, que o ser humano procura a felicidade como a terra seca clama pela água. É fácil conquistá-la? Nem sempre! Os poetas homenagearam-na, os romancistas descreveram-na, os filósofos contemplaram-na, mas grande parte deles saudaram-na apenas de longe.
Os reis tentaram dominá-la, mas ela não se submeteu ao poder deles. Os ricos tentaram comprá-la, mas ela não se deixou vender. Os intelectuais tentaram compreendê-la, mas ela confundiu-os. Os famosos tentaram fasciná-la, mas ela contou-lhes que preferia o anonimato. Os jovens disseram que ela lhes pertencia, mas ela disse-lhes que não se encontrava no prazer imediato, nem se deixava encontrar pelos que não pensavam nas consequências dos seus atos.
Alguns acreditaram que poderiam cultivá-la em laboratório. Isolaram-se do mundo e dos problemas da vida, mas a felicidade enviou um claro recado a dizer que ela apreciava o cheiro das pessoas e crescia no meio das dificuldades.
Outros tentaram cultivá-la com os avanços da ciência e da tecnologia, mas eis que a ciência e a tecnologia se multiplicaram e a tristeza e as mazelas da alma se expandiram.

Desesperados, muitos tentaram encontrar a felicidade em todos os cantos do mundo. Mas no espaço ela não estava,

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Tudo Deve Ser Contado pelo Menos uma Vez

Tudo o que nos acontece, tudo o que falamos ou nos é narrado, tudo quanto vemos com os nossos próprios olhos ou sai da nossa língua ou entra pelos nossos ouvidos, tudo aquilo a que assistimos (e por que, portanto, somos de certo modo responsáveis), há-de ter um destinatário fora de nós, e esse destinatário vai sendo seleccionado por nós em função do que acontece ou nos dizem ou então dizemos nós. Cada coisa deverá ser contada a alguém – nem sempre a mesma pessoa, não necessariamente -, e cada coisa vai-se colocando de parte como quem folheia e aparta e vai destinando prendas futuras numa tarde de compras.
Tudo deve ser contado pelo menos uma vez, ainda que, como havia determinado Rylands com a sua autoridade literária, deva ser contado segundo os tempos. Ou, o que vem a dar no mesmo, no momento justo e às vezes nunca mais se não se soube reconhecer ou se deixou passar deliberadamente esse momento preciso. Esse momento apresenta-se às vezes (a maioria das vezes) de maneira imediata, inequívoca e compulsiva, mas muitas outras vezes apresenta-se apenas confusamente e ao fim de lustros ou décadas, como acontece com os grandes segredos. Mas nenhum segredo pode ou deve ser guardado para sempre do conhecimento de toda a gente,

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O Medo De Nós Próprios

Acredito que se um homem vivesse a sua vida plenamente, desse forma a cada sentimento, expessão a cada pensamento, realidade a cada sonho, acredito que o mundo beneficiaria de um novo impulso de energia tão intenso que esqueceríamos todas as doenças da época medieval e regressaríamos ao ideal helénico, possivelmente até a algo mais depurado e mais rico do que o ideal helénico. Mas o mais corajoso homem entre nós tem medo de si próprio. A mutilação do selvagem sobrevive tragicamente na autonegação que nos corrompe a vida. Somos castigados pelas nossas renúncias. Cada impulso que tentamos estrangular germina no cérebro e envenena-nos. O corpo peca uma vez, e acaba com o pecado, porque a acção é um modo de expurgação. Nada mais permanece do que a lembrança de um prazer, ou o luxo de um remorso. A única maneira de nos livrarmos de uma tentação é cedermos-lhe. Se lhe resistirmos, a nossa alma adoece com o anseio das coisas que se proibiu, com o desejo daquilo que as suas monstruosas leis tornaram monstruoso e ilegal. Já se disse que os grandes acontecimentos do mundo ocorrem no cérebro. É também no cérebro, e apenas neste, que ocorrem os grandes pecados do mundo.

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Entender os Outros

Nós combatemos a nossa superficialidade, a nossa mesquinhez, para tentarmos chegar aos outros sem esperanças utópicas, sem uma carga de preconceitos ou de expectativas ou de arrogância, o mais desarmados possível, sem canhões, sem metralhadoras, sem armaduras de aço com dez centímetros de espessura; aproximamo-nos deles de peito aberto, na ponta dos dez dedos dos pés, em vez de estraçalhar tudo com as nossas pás de catterpillar, aceitamo-los de mente aberta, como iguais, de homem para homem, como se costuma dizer, e, contudo, nunca os percebemos, percebemos tudo ao contrário.
Mais vale ter um cérebro de tanque de guerra. Percebemos tudo ao contrário, antes mesmo de estarmos com eles, no momento em que antecipamos o nosso encontro com eles; percebemos tudo ao contrário quando estamos com eles; e, depois, vamos para casa e contamos a outros o nosso encontro e continuamos a perceber tudo ao contrário.
Como, com eles, acontece a mesma coisa em relação a nós, na realidade tudo é uma ilusão sem qualquer percepção, uma espantosa farsa de incompreensão. E, contudo, que fazer com esta coisa terrivelmente significativa que são os outros, que é esvaziada do significado que pensamos ter e que, afinal, adquire um significado lúdico;

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