Passagens sobre Ausentes

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Frases sobre ausentes, poemas sobre ausentes e outras passagens sobre ausentes para ler e compartilhar. Leia as melhores citações em Poetris.

Eu Digo do Amor não Mais que a Sombra

Eu digo do amor não mais que a sombra.
Agora o quarto oferece toda a inclinação da luz
aos dedos que tremem só de aflorar
o que da carne é já incorruptível saber
e crispação sem causa natural.
São nossas inimigas as cortinas
amplas do verão, os fumos e vapores
que esta terra nos devolve, a fria
repercussão do espírito que treme
sobre um tão ausente e despossuído mundo.
Disse-te que voltasses devagar os teus olhos
para o mecanismo simples da erosão.
Eu parti há muito e neste quarto
apenas aguardo o relâmpago surdo do teu corpo,
a contenção muda e não menos esplendorosa
da carne recordada e pressentida.
No entanto, deixámos escurecer
excessivamente o mundo. Ele acolhe-se
a nós, com terror e evidência,
e nós, em verdade, que podemos dizer?
Eu digo do amor não mais que a sombra,
mas o teu rosto e a luz nada pode conter.

Fim do Dia

Aquieta-se o silêncio na folhagem,
que em árvores teceu amor antigo;
sobressalto transposto da viagem
que o dia rumoroso fez consigo.

O coração, que é sombra na paisagem,
dá às palavras vãs outro sentido;
e é murmúrio desfeito na aragem,
que do entardecer recolhe abrigo.

Ares assim se fazem de uma luz
que torna como baço o sol poente;
e o coração à estrema se reduz,
como o dia se volve mais ausente.

Recolhem-se as palavras no vagar
que dia nem fulgor nos podem dar.

Criança

Cabecinha boa de menino triste,
de menino triste que sofre sozinho,
que sozinho sofre, — e resiste,

Cabecinha boa de menino ausente,
que de sofrer tanto se fez pensativo,
e não sabe mais o que sente…

Cabecinha boa de menino mudo
que não teve nada, que não pediu nada,
pelo medo de perder tudo.

Cabecinha boa de menino santo
que do alto se inclina sobre a água do mundo
para mirar seu desencanto.

Para ver passar numa onda lenta e fria
a estrela perdida da felicidade
que soube que não possuiria.

Beber Toda a Ternura

Não ter morada
habitar
como um beijo
entre os lábios
fingir-se ausente
e suspirar
(o meu corpo
não se reconhece na espera)
percorrer com um só gesto
o teu corpo
e beber toda a ternura
para refazer
o rosto em que desapareces
o abraço em que desobedeces

Envelhecem os Anos

Envelhecem os anos, mas nunca os meses
com seu crédito de imagens para quem morre
ou vive. É o título de quem se ergue pelos dentes
mais que o riso nesse colar de sonhos ao fim das tardes.
Aqui a coisa alheia tem a metade do já sentido
e não pode parar no mundo.

É que alguém não dá tempo ao coração
e solitário bate na coisa dura de sempre.
Há horas antigas agora: teu destino indeclinável,
um jogo antigo de olhos com lágrimas prontas desde o início
e adiante a demora dos ausentes, o universo fechado
em sua idade. Tu te juntas e deixas a monótona vida

exagerar a fé, estimular o preço num feriado
de diferenças. Então a natureza nesse dia de chuva fina,
ela e o vidro da janela que se turva,
tenta o início e arrasta os desejos da existência.

Se Ausente da Alma Estou, que me Dá Vida?

Se apartada do corpo a doce vida,
Domina em seu lugar a dura morte,
De que nasce tardar-me tanto a morte
Se ausente da alma estou, que me dá vida?

Não quero sem Silvano já ter vida,
Pois tudo sem Silvano é viva morte,
Já que se foi Silvano, venha a morte,
Perca-se por Silvano a minha vida.

Ah! suspirado ausente, se esta morte
Não te obriga querer vir dar-me vida,
Como não ma vem dar a mesma morte?

Mas se na alma consiste a própria vida,
Bem sei que se me tarda tanto a morte,
Que é porque sinta a morte de tal vida.

O Deus Mal Informado

No caminho onde pisou um deus
há tanto tenpo que o tempo não lembra
resta o sonho dos pés
sem peso
sem desenho.

Quem passe ali, na fracção de segundo,
em deus se erige, insciente, deus faminto,
saudoso de existência.

Vai seguindo em demanda de seu rastro,
é um tremor radioso, uma opulência
de impossíveis, casulos do possível.

Mas a estrada se parte, se milparte,
a seta não aponta
a destino algum, e o traço ausente
ao homem torna homem, novamente.

Não Consigo Viver em Literatura

Por mais que o deseje, não consigo viver em literatura. Felizes os que o conseguem. Viver em literatura é suprimir toda a interferência do que lhe é exterior – desde o peso das pedradas ao das flores da ovação. Suprimir mesmo ou sobretudo a conversa sobre ela, desde a dos jornais à dos amigos. Fazer da literatura um meio enclausurado em que a respiremos até à intoxicação e nada dele transpire para a exterioridade. Viver a arte como uma mística, um transporte de inebriamento, uma iluminação da graça, uma inteira absorção como de um vício inconfessável. Vivê-la na intimidade de uma absoluta solidão em que toda a ameaça de público esteja ausente como numa ilha que a impossibilidade de comunicação tornasse de facto deserta. Os recém-casados isolam-se para defenderem dos outros a mínima parcela da paixão. A vida em arte devia ser uma viagem de núpcias sem retorno. Só então se conheceria tudo o que a arte é para nós e a inteira verdade com que nós somos para ela. Mas não. Há que viver uma vida dúplice entre o estar a sós com ela e o permanente convívio, nem que sejam uns breves instantes à porta com os indiferentes e os maledicentes e os curiosos e mesmo os admiradores de que se necessita na nossa inferioridade moral para nos confirmarem no bom resultado da aposta.

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Sempre o Futuro, Sempre! e o Presente

Sempre o futuro, sempre! e o presente
Nunca! Que seja esta hora em que se existe
De incerteza e de dor sempre a mais triste,
E só farte o desejo um bem ausente!

Ai! que importa o futuro, se inclemente
Essa hora, em que a esperança nos consiste,
Chega… é presente… e só á dor assiste?…
Assim, qual é a esperança que não mente?

Desventura ou delirio?… O que procuro,
Se me foge, é miragem enganosa,
Se me espera, peor, espectro impuro…

Assim a vida passa vagarosa:
O presente, a aspirar sempre ao futuro:
O futuro, uma sombra mentirosa.

Tu? Eu?

Não morres satisfeito.
A vida te viveu
sem que vivesses nela.
E não te convenceu
nem deu qualquer motivo
para haver o ser vivo.

A vida te venceu
em luta desigual.
Era todo o passado
presente presidente
na polpa do futuro
acuando-te no beco.
Se morres derrotado,
não morres conformado.

Nem morres informado
dos termos da sentença
de tua morte, lida
antes de redigida.
Deram-te um defensor
cego surdo estrangeiro
que ora metia medo
ora extorquia amor.

Nem sabes se és culpado
de não ter culpa. Sabes
que morres todo o tempo
no ensaiar errado
que vai a cada instante
desensinando a morte
quanto mais a soletras,
sem que, nascido, more
onde, vivendo, morres.

Não morres satisfeito
de trocar tua morte
por outra mais (?) perfeita.
Não aceitas teu
como aceitaste os muitos
fins em volta de ti.

Testemunhaste a morte
no privilégio de ouro
de a sentires em vida
através de um aquário.
Eras tu que morrias
nesse,

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O efeito da memória é levar-nos aos ausentes, para que estejamos com eles, e trazê-los a eles a nós, para que estejam connosco.

O homem que sabe ler fala com os ausentes e mantém vivos os que já morreram. Comunica-se com o universo – não conhece o tédio – viaja – ilude-se. Mas quem lê e não sabe escrever é mudo.

Glosa a mote alheio

“Vejo-a na alma pintada,
Quando me pede o desejo
O natural que não vejo.”

Se só no ver puramente
Me transformei no que vi,
De vista tão excelente
Mal poderei ser ausente,
Enquanto o não for de mi.
Porque a alma namorada
A traz tão bem debuxada
E a memória tanto voa,
Que, se a não vejo em pessoa,
“Vejo-a na alma pintada.”

O desejo, que se estende
Ao que menos se concede,
Sobre vós pede e pretende,
Como o doente que pede
O que mais se lhe defende.
Eu, que em ausência vos vejo,
Tenho piedade e pejo
De me ver tão pobre estar,
Que então não tenho que dar,
“Quando me pede o desejo.”

Como àquele que cegou
É cousa vista e notória,
Que a Natureza ordenou
Que se lhe dobre em memória
O que em vista lhe faltou,
Assim a mim, que não rejo
Os olhos ao que desejo,
Na memória e na firmeza
Me concede a Natureza
“O natural que não vejo.”

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De quem o mesmo Amor não se Apartava

Já a roxa e clara Aurora destoucava
Os seus cabelos de ouro delicados,
E das flores os campos esmaltados
Com cristalino orvalho borrifava;

Quando o formoso gado se espalhava
De Sílvio e de Laurente pelos prados;
Pastores ambos, e ambos apartados
De quem o mesmo Amor não se apartava.

Com verdadeiras lágrimas, Laurente,
− Não sei − dizia − ó Ninfa delicada,
Porque não morre já quem vive ausente,

Pois a vida sem ti não presta nada.
Responde Sílvio: − Amor não o consente,
Que ofende as esperanças da tornada.

Uma Vida Simples e Modesta

Não depender senão de si mesmo é, em nossa opinião, um grande bem, mas daí não se segue que devamos sempre contentar-nos com pouco. Simplesmente, quando nos falte a abundância, devemos poder contentar-nos com pouco, persuadidos de que gozam melhor a riqueza os que têm menor número de cuidados, e de que tudo quanto seja natural se obtém facilmente, enquanto o que não o é só se consegue a custo. As iguarias mais simples proporcionam tanto prazer quanto a mesa mais ricamente servida, sempre que esteja ausente o sofrimento causado pela necessidade, e o pão e a água ocasionam o mais vivo prazer quando são saboreados após longa privação.
O hábito de uma vida simples e modesta é, pois, uma boa maneira de cuidar da saúde e, ademais, torna o homem corajoso para suportar as tarefas que deve necessariamente cumprir na vida. Permite-lhe ainda apreciar melhor uma vida opulenta, quando se lhe enseje, e fortalece-o contra os reveses da fortuna. Por conseguinte, quando dizemos que o prazer é o soberano bem, não falamos dos prazeres dos devassos, nem dos gozos sensuais, como o pretendem alguns ignorantes que nos combatem e nos desfiguram o pensamento. Falamos da ausência de sofrimento físico e da ausência de perturbação moral.

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