Barriga cheia, companhia desfeita.
Citações sobre Barriga
37 resultadosUm Homem Possui TrĂŞs EstĂ´magos
– Há muitos tipos dc comida — disse o coronel Mõller enquanto abanava o filho.- Um homem possui trĂŞs estĂ´magos: um na barriga, outro no peito e outro na cabeça. O da barriga, toda a gente sabe para que serve; o do peito mastiga a respiração, que Ă© a nossa comida mais urgente. Uma pessoa morre sem ar muito mais depressa do que sem água e pĂŁo. E por fim há o estĂ´mago da cabeça, que se alimenta de palavras e de letras. Os primeiros dois estĂ´magos do homem alimentam-se atravĂ©s da boca c do nariz, ao passo que o terceiro estĂ´mago se alimenta principalmente atravĂ©s dos olhos e dos ouvidos, apesar de usar tudo o resto dc um modo mais subtil.
— Para mim — disse o mordomo —, as palavras são uma grande palermice.
O Homem Amesquinhado
Apesar do quadro negro de uma cĂşpula polĂtica e intelectual desvairada e grossa e de um povo abandonado a seu prĂłprio destino, ainda havia ali, no paĂs, naquele espantoso verĂŁo de 1955, uma considerável energia vital, uma exaltada alegria de viver, acentuada, em alguns lugares e num ou noutro indivĂduo, ainda mais possuĂdo do gozo pleno de um extraodinário senso lĂşdico tropical. Estávamos, poderĂamos nos considerar como estando, num dos Ăşltimos redutos do ser humano. Depois disso viria o fim, nĂŁo, como todos pensavam, com um estrondo, mas com um soluço. A densa nuvem desceria, nĂŁo, como todos pensavam, feita de molĂ©culas radioativas, mas da grosseria de todos os dias, acumulada, aumentada, transmitida, potenciada. O homem se amesquinharia, vĂtima da mesquinharia do seu semelhante, cada dia menos atento a um gesto de gentileza, a um ato de beleza, a um olhar de amor desinteressado, a uma palavra dita com uma precisa propriedade. E tudo começou a ficar densamente escuro, porque tudo era terrivelmente patrocinado por enlatadores de banha, fabricantes de chouriço e vendedores de desodorante, de modo que toda a pretensa graça da vida se dirigia apenas Ă barriga dos gordos, Ă tripa dos porcos, ou, no máximo de finura e elegância,
Sol bem alto, barriga bem cheia.
Controlar a Timidez
Nunca consegui controlar a timidez. Quando tive que enfrentar em carne viva a incumbĂŞncia que nos deixou o pai errante, aprendi que a timidez Ă© um fantasma invencĂvel. De cada vez que tinha que solicitar um crĂ©dito, mesmo dos combinados de antemĂŁo em lojas de amigos, demorava horas em redor da casa, reprimindo a vontade de chorar e as contracções da barriga, atĂ© que me atrevia por fim, com as mandĂbulas tĂŁo apertadas que nĂŁo me saĂa a voz. Havia sempre algum comerciante sem coração para me atrapalhar ainda mais: «MiĂşdo parvo, nĂŁo se pode falar com a boca fechada.» Mais de uma vez regressei a casa com as mĂŁos vazias e uma desculpa inventada por mim. Mas nunca mais tornei a ser tĂŁo desgraçado como da primeira vez que quis falar pelo telefone na loja da esquina. O dono ajudou-me com a operadora, pois ainda nĂŁo existia o serviço automático. Senti o sopro da morte quando me deu o auscultador. Esperava uma voz serviçal e o que ouvi foi o latido de alguĂ©m que falava no escuro ao mesmo tempo que eu. Pensei que o meu interlocutor tambĂ©m nĂŁo me ouvia e levantei a voz tanto quanto pude. O outro,
Barriga cheia, cara alegre.
A barriga, de palha e feno se enche.
É mau ter os olhos maiores que a barriga.
Maio de Minha MĂŁe
O primeiro de Maio de minha MĂŁe
NĂŁo era social, mas de favas e giestas.
Uma cadeira de pau, flor dos dedos do AvĂ´
— Polimento, esquadria, engrade, olhá-la ao longe —
Dava assento a Florália, o meu primeiro amor.Já não se usa poesia descritiva,
Mas como hei-de falar da Maromba de Maio
Ou, se era macho, do litro de vinho na sua mĂŁo?
O primeiro de Maio nas Ilhas, morno como uma rosa,
Algodoado de cĂşmulos, lento no mar e rapioqueiro
Como Baco em Camões,
LĂmpido de azeviche
E, afinal de contas, do ponto de vista proletário,
Mais de mĂŁos na algibeira do que Lenine em Zurich.
(Porque foi por esta época: eu é que não sabia!)A minha Maromba tinha barriga de palha como as massas
E a foice roçadoira da erva das cabras do Ribeiro
Que se pegou, esquecida, no banco do martelo de meu AvĂ´
Cujas quedas iguais, gravĂficas, profundasMuito prego em cunhal deixaram,
Muita madeira emalhetaram,
Muita estrela atraĂram ao bico da foice do Ribeiro
Nas noites de luar em que roçava erva às cabras.
Barriga da perna nĂŁo sente cĂłlicas.
Barriga cheia, pé na estrada.
A barriga nĂŁo tem ouvido.
Barriga lisa nĂŁo quer camisa.
A barriga de palha a feno se enche.
Retrato de um BĂŞbado
Perdi-me vendo a pipa, o torno aberto;
Minha alma está metida em vinho tinto;
Tão bêbado estou que já não sinto
Ser bĂŞbado coberto ou encoberto.Tenho a cama longe, o sono perto,
No chĂŁo estou e erguer-me nĂŁo consinto,
A barriga de inchada aperta o cinto,
Falando estou dormindo qual desperto.Venha mais vinho e dĂŞem-mo vezes cento,
Que alegra o coração, sustenta a vida,
E pouco vai que engrosse o entendimento.Vingar-me quero, que Ă© grande a bebida;
Tudo o que nĂŁo Ă© beber Ă© lixo e vento,
Que para tĂŁo grande gosto Ă© curta a vida.
Falar, nĂŁo enche barriga.
A barriga manda a perna.
Escrever Ă© Triste
Escrever é triste. Impede a conjugação de tantos outros verbos. Os dedos sobre o teclado, as letras se reunindo com maior ou menor velocidade, mas com igual indiferença pelo que vão dizendo, enquanto lá fora a vida estoura não só em bombas como também em dádivas de toda natureza, inclusive a simples claridade da hora, vedada a você, que está de olho na maquininha. O mundo deixa de ser realidade quente para se reduzir a marginália, puré de palavras, reflexos no espelho (infiel) do dicionário.
O que vocĂŞ perde em viver, escrevinhando sobre a vida. NĂŁo apenas o sol, mas tudo que ele ilumina. Tudo que se faz sem vocĂŞ, porque com vocĂŞ nĂŁo Ă© possĂvel contar. VocĂŞ esperando que os outros vivam, para depois comentá-los com a maior cara-de-pau (“com isenção de largo espectro”, como diria a bula, se seus escritos fossem produtos medicinais). Selecionando os retalhos de vida dos outros, para objeto de sua divagação descompromissada. Sereno. Superior. Divino. Sim, como se fosse deus, rei proprietário do universo, que escolhe para o seu jantar de notĂcias um terremoto, uma revolução, um adultĂ©rio grego — Ă s vezes nem isso, porque no painel imenso vocĂŞ escolhe sĂł um besouro em campanha para verrumar a madeira.
Palavras, nĂŁo enchem barriga.
Um homem culto assemelha-se a uma caixa de música. Tem duas ou três cançõezinhas na barriga.