Passagens sobre Calos

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Frases sobre calos, poemas sobre calos e outras passagens sobre calos para ler e compartilhar. Leia as melhores citações em Poetris.

Canto Esponjoso

Bela
esta manhã sem carência de mito,
E mel sorvido sem blasfémia.

Bela
esta manhã ou outra possível,
esta vida ou outra invenção,
sem, na sombra, fantasmas.

Umidade de areia adere ao pé.
Engulo o mar, que me engole.
Valvas, curvos pensamentos, matizes da luz
azul
completa
sobre formas constituídas.

Bela
a passagem do corpo, sua fusão
no corpo geral do mundo.
Vontade de cantar. Mas tão absoluta
que me calo, repleto.

O que se é Vem à Flor?

“Não, não digas nada” Fernando Pessoa

Melhor seria não dizer-te nada
já que as palavras se frustram, Pessoa
– ai! onde as pás sutis e as virgens lavras
do ver de terna fala entre as criaturas?
Já que as palavras nos frustram, pessoas
perdidas no universo das palavras
– ai tempos de durames sem ternuras! –
melhor seria não dizer-te nada.
Calo. Do teu silêncio aflora a fala
desse verde essencial – cerne, mensagem,
viva raiz-mistério da linguagem.
Na força de não ter dito o que mais cala.

A nós bastem nossos próprios ais, Que a ninguém sua cruz é pequenina. Por pior que seja a situação da China, Os nossos calos doem muito mais…

Crueldade e Sofrimento

A crueldade é constitutiva do universo, é o preço a pagar pela grande solidariedade da biosfera, é ineliminável da vida humana. Nascemos na crueldade do mundo e da vida, a que acrescentámos a crueldade do ser humano e a crueldade da sociedade humana. Os recém-nascidos nascem com gritos de dor. Os animais dotados de sistemas nervosos sofrem, talvez os vegetais também, mas foram os humanos que adquiriram as maiores aptidões para o sofrimento ao adquirirem as maiores aptidões para a fruição. A crueldade do mundo é sentida mais vivamente e mais violentamente pelas criaturas de carne, alma e espírito, que podem sofrer ao mesmo tempo com o sofrimento carnal, com o sofrimento da alma e com o sofrimento do espírito, e que, pelo espírito, podem conceber a crueldade do mundo e horrorizar-se com ela.
A crueldade entre homens, indivíduos, grupos, etnias, religiões, raças é aterradora. O ser humano contém em si um ruído de monstros que liberta em todas as ocasiões favoráveis. O ódio desencadeia-se por um pequeno nada, por um esquecimento, pela sorte de outrem, por um favor que se julga perdido. O ódio abstracto por uma ideia ou uma religião transforma-se em ódio concreto por um indivíduo ou um grupo;

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Tentara o Amor de Abril

Tentara o amor de Abril tornar mais duro,
Naquele mês de céu azul cortado
Pelas pandorgas cor do assombro, o brado
Que no meu peito armava o meu futuro;

Porque de novo, a procurar, procuro,
De bruços na janela, e debruçado
Por sobre as mágoas deste amor calado,
Nas portas tenebrosas, o ar mais puro.

Firmando para o Norte, o brando povo
Das andorinhas parte, e fervoroso
Consuma o seu destino. Eu tento armá-lo

No céu da alma, e durmo procurando
Essa firmeza no abandono, e calo,
Por pouco tempo embora o como e o quando.

O Dinheiro Financia as Circunstâncias

Já dizia o filósofo: eu sou eu e as minhas circunstâncias. Muito bem dito. Pois é o dinheiro que te permite financiar as tuas circunstâncias; se falta o dinheiro, ficas sozinho com o teu vazio, mero invólucro sem circunstância que valha um tostão furado: abandona-te essa mão oportuna que te daria uma palmada nas costas para cuspires o fiapo de frango meio mastigado que nesse momento te entope a glote não, não o digo por ti, Liliana, como podes pensar uma coisas dessas, estou a falar em termos gerais, bem sei que tu nunca me abandonarias); se tens dinheiro, pelo contrário, podes comprar companhia, um enfermeiro, uma enfermeira. Podes pagar a uma pedicura que te corte as unhas dos pés — uma tarefa que se te torna cada vez mais esgotante — e as lime para que não se dobrem e se cravem na carne, uma profissional hábil e cuidadosa que te extraia os calos e te desinfete essas perigosas feridas na planta do pé que a hiperglicemia ameaça tornar crónicas e que, se perdurarem e alastrarem, podem gangrenar e obrigar à amputação do membro; tendo dinheiro, podes dar-te ao luxo de contratar um massagista, um cabeleireiro que te corte o cabelo e te barbeie na cama,

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Logos

Tu, que eu não vejo, e estás ao pé de mim
E, o que é mais, dentro de mim — que me rodeias
Com um nimbo de afectos e de idéias,
Que são o meu princípio, meio e fim…

Que estranho ser és tu (se és ser) que assim
Me arrebatas contigo e me passeias
Em regiões inominadas, cheias
De encanto e de pavor… de não e sim…

És um reflexo apenas da minha alma,
E em vez de te encarar com fronte calma,
Sobressalto-me ao ver-te, e tremo e exoro-te…

Falo-te, calas… calo, e vens atento…
És um pai, um irmão, e é um tormento
Ter-te a meu lado… és um tirano, e adoro-te!

O Inseguro

A eterna canção: Que fiz durante o ano, que deixei de fazer, por que perdi tanto tempo cuidando de aproveitá-lo? Ah, se eu tivesse sido menos apressado! Se parasse meia hora por dia para não fazer absolutamente nada — quer dizer, para sentir que não estava fazendo coisas de programa, sem cor nem sabor. Aí, a fantasia galopava, e eu me reencontraria como gostava de ser; como seria, se eu me deixasse…
Não culpo os outros. Os outros fazem comigo o que eu consinto que eles façam, dispersando-me. Aquilo que eu lhes peço para fazerem: não me deixarem ser eu-um. Nem foi preciso rogar-lhes de boca. Adivinharam. Claro que eu queria é sair com eles por aí, fugindo de mim como se foge de um chato. Mas não foi essa a dissipação maior. No trabalho é que me perdi completamente de mim, tornando-me meu próprio computador. Sem deixar faixa livre para nenhum ato gratuito. Na programação implacável, só omiti um dado: a vida.

Que sentimento tive da vida, este ano? Que escavação tentei em suas jazidas? A que profundidade cheguei? Substituí a noção de profundidade pela de altura. Não quis saber de minerações. Cravei os olhos no espaço,

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Na Tarde Erramos

Na tarde erramos
Nós, tu e eu, Mas três.
Tão sós que vamos
E não sou eu
Quem vês.

Discreto calo,
P’ra que o meu senso
Louves;
Em vão não falo,
Tanto o que eu penso
Ouves.

Melhor me fora
Que a outro assim
Levasses
E, longe embora,
Somente em mim
Pensasses.

A Vida deve Ser um Sonho que se Recusa a Confrontos

Tudo quanto de desagradável nos sucede na vida – figuras ridículas que fazemos, maus gestos que temos, lapsos em que caímos de qualquer das vir­tudes – deve ser considerado como meros acidentes externos, impotentes para atingir a substância da alma. Tenhamo-los como dores de dentes, ou calos, da vida, coisas que nos incomodam mas são externas ainda que nossas, ou que só tem que supor a nossa existência orgânica ou que preocupar-se o que há de vital em nós.
Quando atingimos esta atitude, que é, em outro modo, a dos místicos, estamos defendidos não só do mundo mas de nós mesmos, pois vencemos oq ue em nós é externo, é outrem, é o contrário de nós e por isso o nosso inimigo.
Disse Horácio, falando do varão justo, que ficaria impávido ainda que em torno dele ruísse o mundo. A imagem é absurda, justo o seu sentido. Ainda que em torno de nós rua o que fingimos que somos, porque coexistimos, devemos ficar impávidos – não porque sejamos justos, mas porque somos nós, e sermos nós é nada ter que ver com essas coisas externas que ruem, ainda que ruam sobre o que para elas somos.
A vida deve ser,

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Falas de amor, e eu ouço tudo e calo! O amor na humanidade é uma mentira. É. E é por isto que na minha lira De amores fúteis poucas vezes falo.

Poeta como Tu, Irmão

Não sou mais poeta do que tu, irmão!
Tu cavas na terra a semente da vida,
eu cavo na vida a semente da libertação.

Somos partes perdidas dum só
que a razão de ser das coisas
separou. Não sou mais poeta do que tu, irmão.
A mãe que te gerou a mim me gerou —
não foi ela quem nos trocou
as mãos, a voz do coração.

Abandona um pouco a charrua, arranca
da terra os olhos cansados, e limpa
o sujo da cara ao sujo das mãos — onde
os calos são um só e as rugas da morte
caminhos cobertos de pó.

E olha
na direcção do meu braço cansado, sem
músculos quadrados
nem merda nas unhas, mas que te aponta
o mundo onde as raízes do dia, a luta, o trabalho
reclamam suor
mas não te roubam o pão.
Arranca os olhos da terra, irmão!

Coitado! que em um tempo choro e rio

Coitado! que em um tempo choro e rio;
Espero e temo, quero e aborreço;
Juntamente me alegro e entristeço;
Du~a cousa confio e desconfio.

Voo sem asas; estou cego e guio;
E no que valho mais menos mereço.
Calo e dou vozes, falo e emudeço,
Nada me contradiz, e eu aporfio.

Queria, se ser pudesse, o impossível;
Queria poder mudar-me e estar quedo;
Usar de liberdade e estar cativo;

Queria que visto fosse e invisível;
Queira desenredar-me e mais me enredo:
Tais os extremos em que triste vivo!

Idealismo

Falas de amor, e eu ouço tudo e calo!
O amor da Humanidade é uma mentira.
É. E é por isto que na minha lira
De amores fúteis poucas vezes falo.

O amor! Quando virei por fim a amá-lo?!
Quando, se o amor que a Humanidade inspira
É o amor do sibarita e da hetaíra,
De Messalina e de Sardanapalo?!

Pois é mister que, para o amor sagrado,
O mundo fique imaterializado
– Alavanca desviada do seu fulcro –

E haja só amizade verdadeira
Duma caveira para outra caveira,
Do meu sepulcro para o teu sepulcro?!

Onde o Mar Falta

Entreabertas as pernas, e pousada
de leve, sobre os ombros, a cabeça,
parecias às vezes, derramada
no fundo, mais espessa.

E eras líquida: vias, através
de tua própria sombra transparente
a luminosidade dos teus pés,
alados. Porque ausente.

Jamais dizias nada. Sempre tinhas
entre os lábios, a voz silenciosa
dos que voltam. Onda após onda, vinhas
(e vens) misteriosa.

Desde a profundidade, do mar. Brusco
nas suas reacções, onde o mar falta
sob as ondas, aí, aí te busco —
e és, como as ondas, alta.

Quando olho o horizonte: quando tudo
se dissolve em si mesmo e, onda após
onda, me calo. Vejo, e estou mudo.
O mar na tua voz.

Porque vias o mar (tinhas o mar
no olhar) fechando os olhos. E defronte
o víamos surgir. Bastava olhar,
que tudo era horizonte.

Meu Camarada e Amigo

Revejo tudo e redigo
meu camarada e amigo.
Meu irmão suando pão
sem casa mas com razão.
Revejo e redigo
meu camarada e amigo

As canções que trago prenhas
de ternura pelos outros
saem das minhas entranhas
como um rebanho de potros.
Tudo vai roendo a erva
daninha que me entrelaça:
canção não pode ser serva
homem não pode ser caça
e a poesia tem de ser
como um cavalo que passa.

É por dentro desta selva
desta raiva   deste grito
desta toada que vem
dos pulmões do infinito
que em todos vejo ninguém
revejo tudo e redigo:
Meu camarada e amigo.

Sei bem as mós que moendo
pouco a pouco trituraram
os ossos que estão doendo
àqueles que não falaram.

Calculo até os moinhos
puxados a ódio e sal
que a par dos monstros marinhos
vão movendo Portugal
— mas um poeta só fala
por sofrimento total!

Por isso calo e sobejo
eu que só tenho o que fiz
dando tudo mas à toa:
Amigos no Alentejo
alguns que estão em Paris
muitos que são de Lisboa.

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Neste mundo ha só duas cousas que me afligem: são os maus charutos, e madrugadas antes da uma hora da tarde. No mais entendo que este globo é o melhor de todos para quem não tiver calos e reumatismo.