As mulheres são uma população escravizada — a safra que nós colhemos são crianças, os campos em que nós trabalhamos são casas. As mulheres são forçadas a se submeterem em atos sexuais com homens que violam a integridade porque a religião universal — desprezo por mulheres — tem como seu primeiro mandamento que as mulheres existam puramente como forragem sexual para os homens.
Passagens sobre Casas
877 resultadosCada um é senhor em sua casa.
A Noite de Pavese
Raras vezes me franquearam a porta
e me deixaram entrar. A febre
sitia-me a alma e quem me vê
assusta-se do aspecto do meu rosto,
esta barba por fazer onde um rouxinol
se esconde. E mais ainda assusta
a minha altura, este lugar de vertigem
e palavras poderosas, a presença
de ilimitados segredos que ninguém quer conhecer,
o estremecimento que corre nos meus ombros.
Embora nada peça, sabem que sou um pedinte.
E quando entro nas casas os meus gestos
afeiçoam-se a alguma coisa enigmática
que contorna o pavor e o entrega
por não se saber que espécie de vida ou de morte
vem comigo. Obviamente, eu abençoo
quem me deixa entrar, dou a entender
que alguma coisa brilha nas minhas mãos
e posso matar a fome com uma ou outra palavra
próxima do amor, um dedo nos cabelos
de quem me recebe. Subi as escadas que vão dar a esta casa
em silêncio e em silêncio aceitei que me aguardassem
com as inefáveis sombras que vejo nos outros
e tento decifrar para meu contentamento.
Mandaram-me sentar e deram-me de beber.
Se se construísse a casa da felicidade, a maior divisão seria a sala de espera.
Noite Apressada
Era uma noite apressada
depois de um dia tão lento.
Era uma rosa encarnada
aberta nesse momento.
Era uma boca fechada
sob a mordaça de um lenço.
Era afinal quase nada,
e tudo parecia imenso!Imensa, a casa perdida
no meio do vendaval;
imensa, a linha da vida
no seu desenho mortal;
imensa, na despedida,
a certeza do final.Era uma haste inclinada
sob o capricho do vento.
Era a minh’alma, dobrada,
dentro do teu pensamento.
Era uma igreja assaltada,
mas que cheirava a incenso.
Era afinal quase nada,
e tudo parecia imenso!Imensa, a luz proibida
no centro da catedral;
imensa, a voz diluída
além do bem e do mal;
imensa, por toda a vida,
uma descrença total!
Campesinas IX
Morreste no campo um dia,
Como uma flor desprezada.
Clareava a madrugada
Azul, vaporosa e fria.Sobre a agreste serrania,
Numa ermida branqueada
Por uma manhã doirada
Um sino repercutia.Teu caixão, de camponesas
E camponeses seguido,
Desceu abaixo às devesas.Ganhou o atalho comprido
De casas em correntezas
E entrou num campo florido.
Ser Real quer Dizer não Estar Dentro de Mim
Seja o que for que esteja no centro do Mundo,
Deu-me o mundo exterior por exemplo de Realidade,
E quando digo «isto é real», mesmo de um sentimento,
Vejo-o sem querer em um espaço qualquer exterior,
Vejo-o com uma visão qualquer fora e alheio a mim.Ser real quer dizer não estar dentro de mim.
Da minha pessoa de dentro não tenho noção de realidade.
Sei que o Mundo existe, mas não sei se existo.
Estou mais certo da existência da minha casa branca
Do que da existência interior do dono da casa branca.
Creio mais no meu corpo do que na minha alma,
Porque o meu Corpo apresenta-se no meio da realidade.
Podendo ser visto por outros,
Podendo tocar em outros,
Podendo sentar-se e estar de pé,Mas a minha alma só pode ser definida por termos de fora.
Exista para mim — nos momentos em que julgo que efectivamente existe —
Por um empréstimo da realidade exterior do Mundo.Se a alma é mais real
Que o mundo exterior, como tu, filósofo, dizes,
Para que é que o mundo exterior me foi dado como tipo da realidade?
Poema Quotidiano
É tão depressa noite neste bairro
Nenhum outro porém senhor administrador
goza de tão eficiente serviço de sol
Ainda não há muito ele parecia
domiciliado e residente ao fim da rua
O senhor não calcula todo o dia
que festa de luz proporcionou a todos
Nunca vi e já tenho os meus anos
lavar a gente as mãos no sol como hoje
Donas de casa vieram encher de sol
cântaros alguidares e mais vasos domésticos
Nunca em tantos pés
assim humildemente brilhou
Orientou diz-se até os olhos das crianças
para a escola e pôs reflexos novos
nas míseras vidraças lá do fundoHá quem diga que o sol foi longe demais
Algum dos pobres desta freguesia
apanhou-o na faca misturou-o no pão
Chegaram a tratá-lo por vizinho
Por este andar… Foi uma autêntica loucura
O astro-rei tornado acessível a todos
ele que ninguém habitualmente saudava
Sempre o mesmo indiferente
espectáculo de luz sobre os nossos cuidados
Íamos vínhamos entrávamos não víamos
aquela persistência rubra. Ousaria
alguém deixar um só daqueles raios
atravessar-lhe a vida iluminar-lhe as penas?
A Ira não Escolhe Idade nem Estatuto Social
A ira não escolhe idade nem estatuto social. Algumas pessoas, graças à sua indigência, não conhecem a luxúria; outros, porque têm uma vida movimentada e errante, escapam à preguiça; aqueles que têm modos rudes e uma vida rústica desconhecem as prisões, as fraudes e todos os males da cidade: mas ninguém está livre da ira, tão poderosa entre os Gregos como entre os bárbaros, tão funesta entre aqueles que temem as leis como entre aqueles que se regem pela lei da força. Assim, se outras afecções atacam os indivíduos, a ira é a única afecção que, por vezes, se apodera de um povo inteiro. Nunca um povo inteiro ardeu de amor por uma mulher, nem uma cidade inteira depositou toda a sua esperança no dinheiro e no lucro; a ambição apossa-se de indivíduos, a imoderação não é um mal público.
Por vezes, uma multidão inteira é conduzida à ira: homens e mulheres, velhos e novos, os principais cidadãos e o vulgo são unânimes, e toda a multidão agitada por algumas palavras sobrepõe-se ao próprio agitador: corre a pegar em armas e tochas e declara guerra ao seu vizinho e fá-la contra os seus concidadãos; casas inteiras são queimadas com toda a família e aquele cuja eloquência lhe granjeara muitos benefícios é eliminado pela ira que as suas palavras geraram;
10
A nuvem anuncia a secura das casas.
Um homem desloca-se devagar,
atravessa uma plantação de café em
silêncio, como as aves da noite. A sua fome
é igual à dos pássaros que reflectem no espelho
uma máscara de dor. Quando o homem desperta
dessa travessia apenas encontra um rolo de tabaco
velho e um machado quebrado em cima de uma
mesa. E não volta nunca mais a esse lugar.
Casa sem fogo, corpo sem alma.
Dois Excertos de Odes
(Fins de duas odes, naturalmente)
I
Vem, Noite antiquíssima e idêntica,
Noite Rainha nascida destronada,
Noite igual por dentro ao silêncio, Noite
Com as estrelas lentejoulas rápidas
No teu vestido franjado de Infinito.Vem, vagamente,
Vem, levemente,
Vem sozinha, solene, com as mãos caídas
Ao teu lado, vem
E traz os montes longínquos para o pé das árvores próximas,
Funde num campo teu todos os campos que vejo,
Faze da montanha um bloco só do teu corpo,
Apaga-lhe todas as diferenças que de longe vejo,
Todas as estradas que a sobem,
Todas as várias árvores que a fazem verde-escuro ao longe.
Todas as casas brancas e com fumo entre as árvores,
E deixa só uma luz e outra luz e mais outra,
Na distância imprecisa e vagamente perturbadora,
Na distância subitamente impossível de percorrer.Nossa Senhora
Das coisas impossíveis que procuramos em vão,
Dos sonhos que vêm ter conosco ao crepúsculo, à janela,
Dos propósitos que nos acariciam
Nos grandes terraços dos hotéis cosmopolitas
Ao som europeu das músicas e das vozes longe e perto,
O divórcio é tão natural que em muitas casas dorme todas as noites entre os cônjuges.
A ladrão de casa não se trancam portas.
As casas não servem para morar; as casas servem para amar.
Anoitece na Aldeia
Anoitece na aldeia
e numa animação de fábula
as pessoas recolhem às casas.Das chaminés, pelos telhados
o fumo já faz parte da noite.O amarelo das janelas
pontilha o preto.O vento perdeu-se no bosque
e as crianças, nos cobertores
usufruem do medo.Pelas imediações da aldeia
os lobos aproximam-se da realidade.
Aureliano Segundo só pensava então em encontrar um ofício que lhe permitisse sustentar uma casa para Petra Cotes, e morrer com ela, sobre ela e debaixo dela, numa noite de exaltação febril.
Carta de Amor
Eu sabia que seria apenas depois de te teres ido embora que iria perceber a completa extensão da minha felicidade e, alas! o grau da minha perda também. Ainda não a consegui ultrapassar, e se não tivesse à minha frente aquela caixinha pequena com a tua doce fotografia, pensaria que tudo não teria passado de um sonho do qual não quereria acordar. Contudo os meus amigos dizem que é verdade, e eu próprio consigo-me lembrar de detalhes ainda mais charmosos, ainda mais misteriosamente encantadores do que qualquer fantasia sonhadora poderia criar. Tem que ser verdade. Martha é minha, a rapariga doce da qual todos falam com admiração, que apesar de toda a minha resistência cativou o meu coração logo no primeiro encontro, a rapariga que eu receava cortejar e que veio para mim com elevada confiança, que fortaleceu a minha confiança em mim próprio e me deu esperanças e energia para trabalhar, na altura que eu mais precisava.
Quando tu voltares, querida rapariga, já terei vencido a timidez e estranheza que até agora me inibiu perante a tua presença. Iremos sentar-nos de novo sozinhos naquele pequeno quarto agradável, vais-te sentar naquela poltrona castanha , eu estarei a teus pés no banquinho redondo,
Os Homens são como as Crianças
A atitude que nós temos para com as crianças é a atitude que o sábio tem para com todos os homens, que são pueris mesmo após a idade madura e os cabelos brancos. O que terão progredido estes homens, cujos males da sua alma apenas se tornaram em maiores males, que em forma e grandeza corporais tanto diferem das crianças, mas que em tudo o resto não são menos ligeiros e inconstantes, correndo atrás dos desejos sem reflectirem, agitados e que quando se aquietam é por medo, não por engenho seu?
Diria que aquilo que distingue as crianças dos homens é que a avidez das crianças é por dados, nozes e pequenas moedas de ouro, enquanto que a dos homens é pelo ouro e pela prata das cidades; uns imaginam magistrados entre eles mesmos e imitam a toga, o facho e o tribunal, os outros jogam os mesmos jogos, mas a sério, no Campo de Marte, no Fórum e na Cúria; uns, amontoando areia à beira-mar, constroem simulacros de casas, os outros, como quem executa uma grande obra, trabalhando a pedra na construção de paredes e tectos, fazem aquilo que os devia abrigar um verdadeiro perigo. Por isso, entre crianças e homens-feitos o erro é igual,
A Vingança Da Porta
Era um hábito antigo que ele tinha:
Entrar dando com a porta nos batentes.
– Que te fez essa porta? a mulher vinha
E interrogava. Ele cerrando os dentes:– Nada! traze o jantar! – Mas à noitinha
Calmava-se; feliz, os inocentes
Olhos revê da filha, a cabecinha
Lhe afaga, a rir, com as rudes mãos trementes.Urna vez, ao tornar à casa, quando
Erguia a aldraba, o coração lhe fala:
Entra mais devagar… – Pára, hesitando…Nisto nos gonzos range a velha porta,
Ri-se, escancara-se. E ele vê na sala,
A mulher como doida e a filha morta.