Gostava de Gostar de Gostar
Gostava de gostar de gostar.
Um momento… Dá-me de ali um cigarro,
Do maço em cima da mesa de cabeceira.
Continua… Dizias
Que no desenvolvimento da metafísica
De Kant a Hegel
Alguma coisa se perdeu.
Concordo em absoluto.
Estive realmente a ouvir.
Nondum amabam et amare amabam (Santo Agostinho).
Que coisa curiosa estas associações de idéias!
Estou fatigado de estar pensando em sentir outra coisa.
Obrigado. Deixa-me acender. Continua. Hegel…
Passagens sobre Cigarros
51 resultadosEscarrar de um abismo noutro abismo, Mandando ao Céu o fumo de um cigarro, Há mais filosofia neste escarro Do que em toda a moral do cristianismo!
Insónia
Não durmo, nem espero dormir.
Nem na morte espero dormir.Espera-me uma insónia da largura dos astros,
E um bocejo inútil do comprimento do mundo.Não durmo; não posso ler quando acordo de noite,
Não posso escrever quando acordo de noite,
Não posso pensar quando acordo de noite —
Meu Deus, nem posso sonhar quando acordo de noite!Ah, o ópio de ser outra pessoa qualquer!
Não durmo, jazo, cadáver acordado, sentindo,
E o meu sentimento é um pensamento vazio.
Passam por mim, transtornadas, coisas que me sucederam
— Todas aquelas de que me arrependo e me culpo;
Passam por mim, transtornadas, coisas que me não sucederam
— Todas aquelas de que me arrependo e me culpo;
Passam por mim, transtornadas, coisas que não são nada,
E até dessas me arrependo, me culpo, e não durmo.Não tenho força para ter energia para acender um cigarro.
Fito a parede fronteira do quarto como se fosse o universo.
Lá fora há o silêncio dessa coisa toda.
Um grande silêncio apavorante noutra ocasião qualquer,
Noutra ocasião qualquer em que eu pudesse sentir.
A Minha única Felicidade és Tu
Até agora ainda nada te disse da nossa vida de família. Devo dizer-te algumas palavras para que saibas com que contar. Temos uma vida muito tranquila, vida que sempre desejei e a que estou realmente habituado. A música ou o teatro vêm por vezes interromper a monotonia desta vida quase monástica. Quando vieres faremos mais ou menos a mesma vida interrompendo no entanto a monotonia pelo teatro, pequenos serões musicais e mesmo dançantes se isso te agradar. Sem isso passaremos os nossos serões ao lado um do outro a conversar e a dar graças ao bom Deus pela nossa felicidade. Devo também falar-te dos meus gostos e das minhas qualidades tanto quanto posso conhecê-los. Sou um grande fumador, um caçador bastante bom, apaixonado pela música e dançarino medíocre. Quanto às qualidades e aos defeitos, já que todos os temos, tenho mais dificuldade em falar deles, já que ninguém é bom juiz em causa própria. Contudo todas as minhas qualidades se fundirão numa só, a de te adorar e não amar a mais ninguém no mundo, anjo da minha vida. Quando estivermos unidos, só viveremos juntos, onde um irá, o outro seguirá, o que um quiser o outro também há-de querer.
José
Se coubessem mil coisas num só dia
E se ele não fosse um só, mas fosse mil
Pelos Faux mounnaieurs!!! Não haveria
Quem fizesse mais coisas no BrasilUm romance, um besigue, um pensamento
Um cigarro, um cachorro, uma piada
Outro Besigue, gide, namorada
Resultado final: – padecimento!O mundo muda e ele vai seguindo
Abafando os concursos que vêm vindo
Trabalhar! Trabalhar nunca foi bom…Antes ir os cinemas percorrendo
Namorando, sofrendo, andando e lendo
Colocado entre Deus e entre Mammon.
Que Significado Tem a Felicidade?
Deve-se neste momento – relacionando-a com certas informações do dicionário – formular ainda a pergunta: o que são afinal os bens da vida humana? Quem nos diz que um determinado bem é superior ou inferior? Há lacunas desagradáveis nos dicionários, até nos mais conhecidos. Pode-se demonstrar que há pessoas para quem DM 2,5 são um bem muito superior a qualquer outra vida humana, com excepção da deles, e há até outros que, por amor a um bocado de chouriço de sangue, que conseguem ou não apanhar, arriscam sem hesitação os bens das mulheres e dos filhos, como, por exemplo: uma vida familiar alegre e a presença de um pai ao menos uma vez radiante. E que significado tem esse bem, que louvamos sob o nome de F.(Felicidade)? Que diabo, este está bem perto da F., se consegue juntar as três ou quatro beatas que chegam para ele fazer outro cigarro ou se pode beber o resto de Vermute de uma garrafa que se deitou fora, aquele precisa para ser feliz durante cerca de dez minutos – pelo menos segundo o costume ocidental de amor a ritmo acelerado-, mais precisamente: para estar ràpidamente com a pessoa que naquele momento deseja, precisa de um avião a jacto particular,
Marketing
Aqui a meu lado o bom cidadão
escolheu Sagres
que é tudo tudo cerveja
a pausa que refresca
a longa pausa de um longo cigarro King Size.
atenção ao marketing.
Eu não gosto de cerveja
mas tenho de gostar que os outros gostem de cerveja
sobretudo da Sagres
para não contrariar os fabricantes de cerveja.
atenção ao marketing.
ninguém contraria os fabricantes da Opel e da Super
[Silver
nem os fabricantes de alcatifas para panaceias
nem as panaceias nem os códigos e os édredons macios
nem as mensagens de natal dos estadistas
nem os negociantes de armas da Suiça
nem o homem da capa negra que virou costas ao
[Palmolive.[…]
Sagres é uma boa cerveja
e eu acabarei por gostar da Sagres
como gosto do Rexina.
Sagres é a pausa que refresca e tem vitaminas
todas as bebidas da televisão têm vitaminas
mesmo as do programa literário que é detergente
e eu uso-as e sou um cidadão perfeito
e até já consigo adormecer sem hipnóticos
depois de tomar o Tofa descafeínado
e no Verão visto calções de banho de fibras sintéticas
para me banhar na Torralta
cidadão perfeito perfeitamente bronzeado com o Ambre
[Solaire.
Cigarros são a forma perfeita de prazer: são efémeros e deixam-nos insaciados.
O Meu Retrato
Sou magro, sou comprido, sou bizarro,
Tendo muito de orgulho e de altivez.
Trago a pender dos lábios um cigarro,
Misto de fumo turco e fumo inglês.Tenho a cara raspada e cor de barro.
Sou talvez meio excêntrico, talvez.
De quando em quando da memória varro
A saudade de alguém que assim me fez.Amo os cães, amo os pássaros e as flores.
Cultivo a tradição da minha raça
Golpeada de aventuras e de amores.E assim vivo, desatinado e a esmo.
As poucas sensações da vida escassa
São sensações que nascem de mim mesmo.
A Eterna Ausência
Eu aguardei com lágrimas e o vento
suavizando o meu instinto aberto
no fumo do cigarro ou na alegria das aves
o surgimento anónimo
no grande cais da vida
desse navio nocturno
que me trazia aquela com lábios evidentes
e possuindo um perfil indubitável,
mulher com dedos religiosos
e braços espirituais…Aquela mulher-pirâmide
com chamas pelo corpo
e gritos silenciosos nas pupilas.Amante que não veio como a noite prometera
numa suspensa nuvem acordar
meu coração de carne e alguma cinza…Amante que ficou não sei aonde
a castigar meus dias involúveis
ou a afogar meu sexo na caveira
deste carnal desespero!…
A Bela do Bairro
Ela era muito bonita e benza-a Deus
muito puta que era sempre à espera
dos pagantes à janela do rés-do-chão
mas eu teso e pior que isso néscio desses amores
tenho o quê? Quinze anos
tenho o quê uns olhos com que a vejo
que se debruçava mostrando os peitos
que a amei como se ama unicamente
uma vez um colo branco e até as jóias
que ela punha eram luzentes semelhando estrelas
eu bato o passeio à hora certa e amo-a
de cabelo solto e tudo não parece
senão o céu afinal um pechisbequeainda agora as minhas narinas fremem
turva-se o coração desmantelado
amando-a amei-a tanto e sem vergonha
oh pecar assim de jaquetão sport e um cigarro
nos queixos a admiração que eu fazia
entre a malta não é para esquecer nem lá ao fundo
como então puxo as abas da farpela
lentamente caminho para ela
a chuva cai miúda
e benza-a Deus que bonita e que puta
e que desvelos a gente
gastava em frente do amor
Alheamento
Meu corpo estiraçado, lânguido, ao logo do leito.
O cigarro vago azulando os meus dedos.
O rádio… a música…
A tua presença que esvoaça
em torno do cigarro, do ar, da música…Ausência!, minha doce fuga!
Estranha coisa esta, a poesia,
que vai entornando mágoa nas horas
como um orvalho de lágrimas, escorrendo dos vidros
duma janela,numa tarde vaga, vaga…
Fume maconha e não cigarros, pois neurônios você tem milhões, mas pulmões você só tem dois.
A Minha Felicidade Resume-se a Isto
Um dos poucos divertimentos intelectuais que ainda restam ao que ainda resta de intelectual na humanidade é a leitura de romances policiais. Entre o número áureo e reduzido das horas felizes que a Vida deixa que eu passe, conto por do melhor ano aquelas em que a leitura de Conan Doyle ou de Arthur Morrison me pega na consciência ao colo.
Um volume de um destes autores, um cigarro de 45 ao pacote, a ideia de uma chávena de café — trindade cujo ser-uma é o conjugar a felicidade para mim — resume-se nisto a minha felicidade. Seria pouco para muitos, a verdade é que não pode aspirar a muito mais uma criatura com sentimentos intelectuais e estéticos no meio europeu actual.
Talvez seja para os senhores como que causa de pasmo, não o eu ter estes por meus autores predilectos —e de quarto de cama, mas o eu confessar que nesta conta pessoal assim os tenho.
Ser Escritor
E, então, porque não podemos viver de outra maneira, escrevemos. E cai-nos o cabelo e apodrecem-nos os dentes, como dizia Flannery O’Connor.
E somos uns chatos. E somos maus maridos e maus filhos e maus amigos. E sentimos culpa, e sentimo-nos indignos de estima, e continuamos, mesmo assim, a não responder quando falam connosco.
E não telefonamos nos anos, nem aparecemos nos churrascos, nem vamos ao café. E, se vamos, a única coisa de que falamos é disso: do livro. E tudo aquilo sobre que se conversa pode servir ao livro, caso contrário não nos importa.
E somos os maiores quando um parágrafo nos sai bem, e ficamos de rastos quando não encontramos um verbo. E sabemos que tem de ser mesmo assim, porque se não for o romance fica uma merda. Mas sentimos culpa na mesma.
E não pagamos as contas, e esquecemo-nos de pedir a garrafa do gás, e calçamos meias de pares diferentes. E de repente queremos fumar dois maços de cigarros e beber meia garrafa de uísque, sozinhos no jardim, a olhar para a noite e a chorar.
E temos de fazer um esforço para mudar de roupa,
As Empregadas Fabris
Arregaçam a manhã (as empregadas fabris)
pernas como tesouras
recortando a calçada
ferem o lenho da mesa com
sortes
de boletim. Uma sirene as trouxe aqui
(às
empregadas febris)
ancas de esboço perfeito sob
vestes de operária
tocam umas nas outras como
inda fossem meninas mas a
delas que vai noivar já
traz o primeiro a caminho. E
quando o cigarro se apaga
(ou a
cerveja se escoa) o
que resta é a dor da tarde
que nem esta chuva afaga
o
gasóleo dos rapazes que
lhes cantam a cantiga e
as tomam pela cintura. Um
foguete fecha a festa
(pelo lado de dentro da coxa)
há nelas a incerteza de
não saberem se são
incompletamente infelizes.
Quimeras
Há na minha vida quimeras distantes,
Quais nuvens errantes, em dias atrozes.
Eu corro atrás delas, mas elas, por fim,
Perdem-se de mim, no horizonte, velozes.Há no meu diário silenciosas dores,
Quais flores que o vento desfaz de manhã.
Com elas me embalo nos dias soturnos,
Dir-se-iam «Nocturnos», como os de Chopin.Há no meu caminho nem sei bem o quê.
Alguém que me vê e que eu não visiono.
São meus dias passados, meus dias de infância,
Sabendo à fragrância das tardes de Outono.Saudades, saudades, sentido da vida,
Um dia vivida e que não volta mais.
Meus dias passados, sobre eles me debruço,
No eterno soluço das coisas mortais.Há na minha vida um viver fictício,
Fogo de artifício, esplendente e altivo.
Eu vejo-o enlevado, um instante fugaz,
Depois se desfaz na noite em que eu vivo.Há na minha vida ignotas tristezas,
Pequenas certezas a que me apeguei.
Com elas eu vivo, com elas eu morro,
Para meu socorro é que eu as criei.Quimeras, quimeras,
Eu não sei o que é que é light, sei o que é light em relação a cigarros. Há literatura, e não há literatura. Pois a literatura não é isso, é uma coisa nobre, a literatura é o que faz o Dostoievski.
Sombras da Madrugada
Vi uma sombra bem unida
a dela e a tua
e a minha sombra já esquecida
surpreendida
parou na rua!
os dois bem juntos, tu e ela
nenhum reparou
que a outra sombra era daquela
que tu não queres
mas já te amou!É madrugada não importa
neste silêncio há mais verdade
a noite é triste e tão sózinha
parece minha
toda a cidade!
nem um cigarro me conforta
nem o luar hoje me abraça
eu não te encontrarei jamais
e nestas noites sempre iguais
sou mais uma sombra que passa
sombra que passa e nada mais.Ao longo desta madrugada
a sombra da vida
mora nas pedras da calçada
já não tem nada
anda perdida
quando a manhã, desce enfeitada
no sol, que a procura
nem sabe quanto a madrugada
chora baixinho
tanta amargura!
Aperta-me para Sempre
O dia adormece-me debaixo dos olhos, e as tuas mãos são a pele que Deus escolheu para tocar o mundo; não existe nenhum lugar mais divino do que o teu beijo, e quando quero voar deito-me a teus pés.
Peço-te que não vás, que fiques apenas para eu ficar, que permaneças no teu lado da cama, e eu no meu, a sentirmos que o tempo corre, e podes até adormecer, podes ler a revista das mulheres das passadeiras vermelhas e os homens com os abdominais que ninguém tem, ou simplesmente olhar o tecto e pensar em ti; eu fico aqui, a olhar-te para saber que existo, a pensar no quanto te quero e no tamanho que tem o teu corpo dentro do meu. Saber que há a curva das tuas costas para encontrar a curva da vida, percorrer com os olhos o cair do teu suor, e perceber a eternidade possível.
A imortalidade é um orgasmo contigo.
Gemes até ao fim do mundo por dentro dos meus ouvidos, todo o meu corpo se vem quando estás a chegar, e a verdade do universo é a física exígua do espaço entre nós. Aperta-me para sempre até ao princípio dos ossos,