As Personagens dos Meus Livros
Claro que vivo com as personagens dos meus livros, embora as não conheça. Nenhuma delas se encaixa, inteiramente, em pessoas que conheci. É verdade que, numa ou noutra pessoa que tenha conhecido, colhi e observei coisas naturalmente reflectidas em personagens do livro. Mas tal não acontece imediatamente, quer dizer, não as torna identificáveis com as pessoas que andam por aí. Quem afirmar o contrário dá-me uma grande novidade. E se alguém se reconhece nelas tenho de atribuir tal facto a um exacerbado narcisismo, que me dá vontade de rir. Não, não sou contra nem a favor dos narcisistas. Só que me parece que o narcisismo não leva a grandes consequências…
Passagens sobre Conhecidos
183 resultadosÉ bem conhecido que a ambição tanto pode rastejar como voar.
Estranheza e Novidade
A novidade, em si mesma, nada significa, se não houver nela uma relação com o que a precedeu. Nem, propriamente, há novidade sem que haja essa relação. Saibamos distinguir o novo do estranho – o que, conhecendo o conhecido, o transforma e varia, e o que aparece de fora, sem conhecimento de coisa nenhuma. Entre os escritores que descendem com novidade da velha estirpe e os que aparecem por novos por pertencer a uma estirpe incógnita há a mesma diferença que há entre o homem que nos dá uma sensação de novidade por frases novas que diz e o que nos dá uma sensação de novidade, por, falando mal nossa língua, nos dizer estropiadamente qualquer frase dela.
É natural desejar que se faça justiça; a maior de todas as almas não ficaria insensível ao prazer de ser conhecida como tal.
Cada nação é conhecida no estrangeiro, fundamentalmente, pelos seus defeitos.
E quando estiveres consolado ( a gente sempre se consola), tu ficarás contente por me teres conhecido.
Uma celebridade é aquele que é conhecido por aqueles que não o conhecem.
Não se Pode Mandar Contrariando a Opinião Pública
A verdade é que não se manda com os janízaros. Assim, dizia Talleyrand a Napoleão: «Com as baionetas, Sire, pode-se fazer tudo, menos uma coisa: sentar-se sobre elas». E mandar não é atitude de arrebatar o poder, mas tranquilo exercício dele. Em suma, mandar é sentar-se. Trono, cadeira curul, banco azul, poltrona ministerial, sede. Contra o que uma óptica inocente e folhetinesca supõe, o mandar não é tanto questão de punhos como de nádegas. O Estado é, em definitivo, o estado da opinião: uma situação de equilíbrio, de estática.
O que sucede é que às vezes a opinião pública não existe. Uma sociedade dividida em grupos discrepantes, cuja força de opinião fica reciprocamente anulada, não dá lugar a que se constitua um mando. E como a Natureza tem horror ao vácuo, esse oco que deixa a força ausente de opinião pública enche-se com a força bruta. Em suma, pois, avança esta como substituta daquela.
Por isso, se se quer expressar com toda a precisão a lei da opinião pública como lei da gravitação histórica, convém ter em conta esses casos de ausência, e então chega-se a uma fórmula que é o conhecido, venerável e verídico lugar comum: não se pode mandar contrariando a opinião pública.
Produtividade
Nem todos aqueles a quem se transmite uma ideia muito sugestiva se tornam produtivos. Com mais facilidade acontece lembrarem-se de coisas por de mais conhecidas.
É preciso ter presente que há muitas pessoas que, sem serem produtivas, têm vontade de dizer alguma coisa de importante. É fantástico o que se ouve em tais situações.
Julga-me a gente toda por perdido
Julga-me a gente toda por perdido,
Vendo-me tão entregue a meu cuidado,
Andar sempre dos homens apartado
E dos tratos humanos esquecido.Mas eu, que tenho o mundo conhecido,
E quase que sobre ele ando dobrado,
Tenho por baixo, rústico, enganado
Quem não é com meu mal engrandecido.Vá revolvendo a terra, o mar e o vento,
Busque riquezas, honras a outra gente,
Vencendo ferro, fogo, frio e calma;Que eu só em humilde estado me contento
De trazer esculpido eternamente
Vosso fermoso gesto dentro na alma.
O Instinto Trabalhado
Só pode inspirar a acção, servir de credo, o pensamento que se tenha tornado maquinal, instintivo. Perigo de nos analisarmos demasiadamente: as veias vivas do temperamento ficam, dessa maneira, excessivamente dilucidadas e tornadas maquinais, devido à familiaridade. O que é preciso, pelo contrário, é a arte de dar livre curso aos impulsos espirituais, deixando-os agir, mecanicamente, sob o estímulo. Há o manual do catecismo – por de mais conhecido e postiço – e o maquinal do instinto. É preciso favorecer, explorar, reconhecer e apoiar o instinto, sem lhe roubar o vigor por meio da reflexão. Mas é preciso reflectir nele, para o acompanhar na acção e substituí-lo nos momentos de surdez.
Temo, Lídia, o Destino. Nada é Certo
Temo, Lídia, o destino. Nada é certo.
Em qualquer hora pode suceder-nos
O que nos tudo mude.Fora do conhecido é estranho o passo
Que próprio damos. Graves numes guardam
As lindas do que é uso.Não somos deuses; cegos, receemos,
E a parca dada vida anteponhamos
À novidade, abismo.
Um Cão é isto de Sermos Gente
Um cão
é isto de sermos gente.Se temos só duas pernas
temos em contrapartida
uma complicação escura
dentro do peito.Qualquer coisa como
os fundos desconhecidos
da água
só conhecidos
dos náufragos.Para matar
é preciso uma arma
e para voar
como búzios
precisamos papel e lápis
— e assim viajamos
dentro de vegetais malas de viagens
procurando o destino sufocante
de todas as paragens.
Nunca, por Mais
Nunca, por mais que viaje, por mais que conheça
O sair de um lugar, o chegar a um lugar, conhecido ou desconhecido,
Perco, ao partir, ao chegar, e na linha móbil que os une,
A sensação de arrepio, o medo do novo, a náusea —
Aquela náusea que é o sentimento que sabe que o corpo tem a alma,
Trinta dias de viagem, três dias de viagem, três horas de viagem —
Sempre a opressão se infiltra no fundo do meu coração.
O Futuro é dos Virtuosos e dos Capazes
É preciso confessar, o presente é dos ricos, e o futuro é dos virtuosos e dos capazes. Homero ainda vive, e viverá sempre; os recebedores de direitos, os publicanos, não existem mais: existiram algum dia? A sua pátria, os seus nomes, são conhecidos? Houve arrecadores de impostos na Grécia? Que fim levaram essas personagens que desprezavam Homero, que só pensavam, na rua, em evitá-lo, não correspondiam à sua saudação, ou o saudavam pelo nome, desdenhavam associá-lo à sua mesa, olhavam-no como um home que não era rico e fazia um livro?
O mesmo orgulho que faz elevar-se altivamente acima dos seus inferiores, faz rastejar vilmente diante dos que estão acima de si. É próprio deste vício, que não se funda sobre o mérito pessoal nem sobre a virtude, e sim sobre as riquezas, cargos, crédito, e sobre ciências vãs, levar-nos igualmente a desprezar os que têm menos essa espécie de bens do que nós e a apreciar demais aqueles que têm uma medida que excede a nossa.Há almas sujas, amassadas com lama e sujidade, tomadas pelo desejo de ganho e interesse, como as belas almas o são pelo da glória e da virtude: capazes de uma única volúpia,
Enquanto que a nossa honra vai até onde somos pessoalmente conhecidos, a glória, pelo contrário, precede o nosso conhecimento e leva-o até onde ela mesmo consegue ir.
Epitáfio
Caminhante que vais tão de corrida.
Pois em nada reparas na jornada.
Repara por tua vida no meu nada.
Que foi toda uma morte a minha vida.Também do mundo andei muito partida,´
Posto que em diligência mal parada,
E por não ser verdade incorporada
Uma mentira sou desvanecida.Eu tive ocupação sem exercício,
Eu fui mui conhecido sem ter nome,
Eu, ingrato, morri sem benefício.Exemplo toma de mim, ó pobre homem,
Que se tratares mal, vives de vício,
E se viveres bem, morres de fome
Os Deuses Reclinados
… Por todos os lados as estátuas de Buda, de Lorde Buda… As severas, verticais, carcomidas estátuas, com um dourado de resplendor animal, com uma dissolução como se o ar as desgastasse… Crescem-lhes nas faces, nas pregas das túnicas, nos cotovelos, nos umbigos, na boca e no sorriso pequenas máculas: fungos, porosidades, vestígios excrementícios da selva… Ou então as jacentes, as imensas jacentes, as estátuas de quarenta metros de pedra, de granito areento, pálidas, estendidas entre as sussurrantes frondes, inesperadas, surgindo de qualquer canto da selva, de qualquer plataforma circundante… Adormecidas ou não adormecidas, estão ali há cem anos, mil anos, mil vezes mil anos… Mas são suaves, com uma conhecida ambiguidade ultraterrena, aspirando a ficar e a ir-se embora… E aquele sorriso de suavíssima pedra, aquela majestade imponderável, mas feita de pedra dura, perpétua, para quem sorriem, para quem, sobre a terra sangrenta?… Passaram as camponesas que fugiam, os homens do incêndio, os guerreiros mascarados, os falsos sacerdotes, os turistas devoradores…
E manteve-se no seu lugar a estátua, a imensa pedra com joelhos, com pregas na túnica de pedra, com o olhar perdido e não obstante existente, inteiramente inumana e de alguma forma também humana, de alguma forma ou de alguma contradição estatuária,
Eu escolho meus amigos por sua boa aparência, meus conhecidos por seu bom caráter, e meus inimigos por seu bom intelecto. Um homem não pode ser tão cuidadoso na escolha de seus inimigos.
Deus disse: Eu era um tesouro que ninguém conhecia, e quis tornar-me conhecido. Então criei o homem.